sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Evangelho do dia

Ano C - 13 de setembro de 2013

Lucas 6,39-42

Aleluia, aleluia, aleluia.
Vossa palavra e a verdade; santificai-nos na verdade! (Jo 17,17).

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
Naquele tempo, 6 39 Jesus propôs-lhes também esta comparação: "Pode acaso um cego guiar outro cego? Não cairão ambos na cova?
40 O discípulo não é superior ao mestre; mas todo discípulo perfeito será como o seu mestre.
41 Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho?
42 Ou como podes dizer a teu irmão: ‘Deixa-me, irmão, tirar de teu olho o argueiro’, quando tu não vês a trave no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho de teu irmão".
Palavra da Salvação.

Comentário do Evangelho
CUIDADO COM OS FALSOS LÍDERES
Jesus criticava a postura dos fariseus, mas também se preocupava com a mentalidade corrente entre os seus discípulos. Os fariseus pretendiam ser um exemplo consumado de piedade, só porque davam mostras de ser zelosos no cumprimento da Lei.
Muitos ficavam bem impressionados com o testemunho de fidelidade a Deus, que eles davam. Jesus, porém, não se deixava enganar, pois conhecia a falta de solidez do estilo de vida dos fariseus. Pouca coisa restava além de exibicionismo. Portanto, era loucura deixar-se encantar por um testemunho de vida desse quilate. Seria como se um cego pretendesse ser guiado, com segurança, por outro cego.
Entre os discípulos, difundia-se, também, uma perigosa mentalidade. Havia os que se mostravam severos com o irmão, censurando-lhe as mínimas faltas, sem estarem dispostos a corrigir as próprias faltas pessoais, muito mais graves. Eram hábeis para perceber um cisquinho no olho alheio, mas incapazes de dar-se conta da trave que tinham no próprio olho.
Jesus não podia suportar tal hipocrisia. Para estar em condições de censurar o próximo, era preciso dispor-se a corrigir as próprias faltas. Neste caso, a severidade daria lugar à benevolência, e a impaciência, à compreensão. A atitude de juiz dos pecados alheios seria substituída pela solidariedade com a fraqueza humana.

Oração

Espírito de benevolente compreensão, dá-me um coração que saiba solidarizar-se com as fraquezas do próximo, sem cair na tentação de tornar-me seu juiz.

(O comentário do Evangelho é feito pelo Pe. Jaldemir Vitório – Jesuíta, Doutor em Exegese Bíblica, Professor da FAJE – e disponibilizado neste Portal a cada mês)
Leitura
1 Timóteo 1,1-2.12-14
Leitura da primeira carta de são Paulo a Timóteo.
1 1 Paulo, apóstolo de Jesus Cristo por ordem de Deus, nosso Salvador, e de Jesus Cristo, nossa esperança,
2 a Timóteo, meu verdadeiro filho na fé: graça, misericórdia, paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Senhor!
12 Dou graças àquele que me deu forças, Jesus Cristo, nosso Senhor, porque me julgou digno de confiança e me chamou ao ministério,
13 a mim que outrora era blasfemo, perseguidor e injuriador. Mas alcancei misericórdia, porque ainda não tinha recebido a fé e o fazia por ignorância.
14 E a graça de nosso Senhor foi imensa, juntamente com a fé e a caridade que está em Jesus Cristo.
Palavra do Senhor.
Salmo 15/16
O Senhor é a porção da minha herança!

Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio!
Digo ao Senhor: “Somente vós sois meu Senhor”.
Ó Senhor, sois minha herança e minha taça,
meu destino está seguro em vossas mãos!

Eu bendigo o Senhor, que me aconselha
e até de noite me adverte o coração.
Tenho sempre o Senhor ante meus olhos,
pois, se o tenho a meu lado, não vacilo.

Vós me ensinais vosso caminho para a vida;
junto a vós, felicidade sem limites,
delícia eterna e alegria ao vosso lado!
Oração
Ó Deus, força dos que em vós esperam, que fizestes brilhar na vossa Igreja o bispo são João Crisóstomo por admirável eloqüência e grande coragem nas provações, daí-nos seguir os seus ensinamentos e robustecer-nos com sua invencível fortaleza. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

A 'fé laica' do Papa Francisco


Por Marco Politi
O Espírito sopra onde quer, e a Sorte abre a sua cornucópia segundo a vontade. Durante anos, Eugenio Scalfari buscou o objetivo de uma entrevista com João Paulo II (que lhe foi negada pela comitiva de Wojtyla, que não queria conceder essa satisfação a um papa laico), e eis que, de repente, Francisco responde a dois dos seus artigos do verão europeu, em que o fundador do jornal La Repubblica expunha as interrogações de um não crente sobre um vasto arco de temas: da insustentabilidade no pensamento moderno de verdades absolutas ao problema da Trindade e da encarnação de Cristo negados pelo rígido monoteísmo judaico e islâmico, até chegar à questão do poder temporal da Igreja, tão contrastante com a mensagem de amor de Jesus.

Incluindo a mãe de todas as perguntas: "Se uma pessoa não tem fé nem a busca, mas comete aquilo que para a Igreja é um pecado, ela será perdoada pelo Deus cristão?"

"A Igreja é mãe", intitula-se nesta sexta-feira (13) o L´Osservatore Romano, e Francisco responde ao "Ilustríssimo Doutor Scalfari", evitando cuidadosamente de retratar um Deus cristão, que, como burocrata, gira nas mãos uma prática do não crente e depois decide, em onipotência, se deve dar o carimbo da absolvição.

Francisco vai além, não fala nem de um "perdão", que cai de cima. Ele conta sobre o Deus de Jesus, cuja "misericórdia não tem limites", e insiste em um princípio, reafirmado pelo Concílio e profundamente enraizado na moral laica: "O pecado, mesmo para quem não tem fé, existe quando se vai contra a consciência". Porque sobre o fato de decidir sobre como agir diante do bem ou do mal, "está em jogo a bondade ou a maldade do nosso agir".

A longa "Carta a um não crente", como será chamada a partir de amanhã, é acima de tudo o sinal da enorme liberdade interior à qual Francisco não quer renunciar. Já lhe custa não poder caminhar sem restrições por Roma, mas ele não pretende absolutamente se privar da comunicação direta com os seus contemporâneos. Trate-se de uma mulher abusada na América Latina, ou de um homem de cultura que o desafia com perguntas difíceis.

"A Igreja é mãe", disse ele nessa quarta-feira (11) aos peregrinos na audiência geral. Uma mãe que perdoa, compreende e "acompanha sempre" homens e mulheres que se voltam para Cristo. É esse acompanhar que interessa a Francisco, sem distinções de rótulos. Além disso, o papa que recusa o título de pontífice tem apenas um grande interesse desde que foi eleito: aproximar-se dos homens e das mulheres do seu tempo, especialmente aqueles – como notava o cardeal Scola com alarme há alguns dias – que sentem a Igreja abstrata e distante.

E assim, enquanto responde com afetuosa cortesia ao "Ilustre Dr. Scalfari", ele ultrapassa os próprios termos de uma disputa antiga entre o Iluminista e o Jesuíta, entre o Racionalista e o Tomista ou o seguidor de Santo Agostinho (como era Bento XVI). Em oito pontos, Scalfari resume as suas perguntas nessa quarta no La Repubblica.

Quase como se ainda estivesse dentro de um debate sobre Fé e Razão, daqueles que apaixonavam Joseph Ratzinger cerebralmente. Mas a Francisco o duelo teológico, no fundo, não lhe interessa nada.

Ele se preocupa com romper o muro da incomunicabilidade, partindo do "confrontar-se com Jesus, eu diria, na concretude e na rudeza da sua história". Ele se preocupa com um diálogo sem preconceitos voltado a um "sério e fecundo encontro" com os não crentes (e, pode-se dizer, com todos os diversos crentes), não encalhando no jogo dos esquemas conceituais, que levavam Ratzinger, no fim, a teorizar uma Igreja que decide e explica o que é a razão, o que é a natureza, até mesmo como deve ser a laicidade do Estado.

Francisco, pode-se ver a partir da sua carta, quer outra coisa. Ele anuncia um Cristo que veio para dar a quem lhe ouve "liberdade e plenitude de vida". Ele fala de uma fé que exclui a "busca de qualquer hegemonia" e se coloca a serviço de todas as pessoas. (E, enquanto isso, a notícia é dessa quarta-feira, ele explica aos homens que é melhor dedicar os conventos vazios à assistência, em vez de transformá-los em hotéis! Em maio passado, dirigindo-se à Cáritas Internacional, ele dissera que seria preciso "até vender as igrejas para dar de comer aos pobres". Confrontando-se com o muro de silêncio da hierarquia eclesiástica).

Francisco fala de uma fé que não nos torna arrogantes, mas humildes. Que "não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o outro". Que não é separação, mas diálogo. Uma fé em que se valoriza a obediência à própria consciência.

É até mesmo enganador, explica o papa Bergoglio, falar de verdades "absolutas". Porque isso evoca a ideia de verdades desvinculadas de toda relação. Não, insiste o papa, "a verdade é o amor de Deus por nós (...) a verdade é uma relação". E cada um a expressa a partir da sua história e cultura, a partir da situação em que vive. Nada de "subjetivo" em tudo isso – observa Francisco –, mas sim a consciência de que a verdade não é um troféu a se brandir, mas "sempre se dá a nós como um caminho e uma vida". Em última análise, a verdade é um só com amor.

Nessa perspectiva, Francisco quer "fazer um trecho de estrada junto" com os não crentes. Admitindo abertamente que a Igreja, nos seus expoentes, "pode ter cometido infidelidades, erros e pecados, e ainda pode cometê-los".

Uma pergunta crucial, no entanto, permanece sem resposta nesse diálogo. Scalfari, tendo confessado que gosta muitíssimo do Papa Francisco, o Pobrezinho de Assis e Jesus de Nazaré, lembrava que a Igreja Católica se tornou aquilo que é porque criou para si uma estrutura de poder.

O que será dela? Aqui, Bergoglio não pode responder. Porque a interrogação diz respeito à sua própria liderança e ao sucesso ou insucesso da sua perestroika.
Il Fatto Quotidiano, 12-09-2013.

Um novo olhar entre leigos e religiosos


Por Gian Enrico Rusconi

A carta do papa Francisco ao fundador do jornal La Repubblica é o sinal que estão mudando os parâmetros de confronto entre leigos e religiosos-de-igreja? Ou que podem mudar? Nós o desejamos. Mas, estamos apenas nos inícios. É preciso começar a partir de uma redefinição recíproca.

Em primeiro lugar, é preciso abandonar a confusão entre leigo e ateu ou irreligioso, um “sem Deus” – naquela acepção sibilante que custa morrer. Mas, vice-versa, abandonar também a presumida coincidência entre religioso, crente ou católico – isso para calar sobre a diferença entre católico, cristão ou judeu (sem esquecer as outras crenças atualmente instaladas em nossa casa). Naturalmente, o caminho não é aquele da pernóstica redefinição semântica ou “valorativa” ou “identitária” que nos extenuou nos últimos anos. Mas, é aquela do recíproco “sorriso” (estilo Francisco), e não do cenho franzido do cardeal ou da rígida ironia do leigo.

Isto não significa sentimentalismo ou pacifismo banal. Redefinir significa individuar as coisas mais importantes da vida e da convivência que nos tocam como homens e como mulheres, como cidadãos e como membros de uma sociedade que está caindo aos pedaços. E decidir juntos sobre temas que atingem diretamente a vida, a pessoa, a família e que nos dividem profundamente, talvez fazendo entrar em jogo a própria fé.

É a mesma fé da qual fala o papa Francisco? A dele é uma abertura de quem tem “a fé” para e com aqueles que “não a tem”, mas sentem a necessidade de lhe fazer perguntas a respeito. As suas respostas não se referem explicitamente às questões divisórias, das quais falava acima, e, no entanto vão numa direção que não pode não tocá-lo.

A fé de Bergoglio é inteiramente centrada na figura de Jesus de Nazaré. Um discurso teológico e cristológico dogmaticamente impoluto, formulado com uma intensidade humana que é a força comunicativa e pastoral vencedora deste Papa. Na carta há uma passagem de (ortodoxa) simplicidade que é a cifra de seu pensamento teológico: a fé cristã, escreve, “tem seu fulcro na encarnação do Filho de Deus, em relação às outras formas de fé que gravitam, ao invés, em torno da transcendência absoluta de Deus”. A humanidade do Filho de Deus e não a dimensão absoluta do divino. Não sei se aqui ele alude simplesmente à concepção do Deus do Islã em relação àquele do cristianismo, ou não pense também numa profunda revisitação do pensamento teológico católico já emudecido.

Incapaz de fundar de modo racional e razoável suas próprias indicações morais em termos de “natureza humana”, de autonomia pessoal, de interações sexuais. Desumano por pobreza intelectual. Eu me pergunto se os homens de Igreja percebem este empobrecimento ou se apenas se contentam de recriminar contra o laicismo, o niilismo e assim por diante. O Papa Bergoglio mostra uma sensibilidade diversa. Mas tem diante de si uma tarefa muito difícil se quer combinar sua tensão humana com muitos aspectos doutrinais inadequados.

Em sua carta afirma de modo audaz, embora em seu intento impolutamente ortodoxo, uma espécie de primado da consciência (“O pecado, também para quem não tem a fé, existe quando se vai contra a consciência. Escutá-la e obedecer-lhe significa, de fato, decidir-se diante daquilo que é percebido como bem ou como mal”). Em outros tempos se teria evocado o perigo do subjetivismo relativista. Talvez ainda o pense agora algum cardeal.

O texto de Bergoglio prossegue sobre o fio do barbeador, salvando-se somente com o apelo a Jesus. A verdade “não é um absoluto”, mas “é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Por conseguinte, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que também cada um de nós a acolhe, a verdade, e a exprime a partir de si: de sua história e cultura, da situação na qual vive, etc.”.

Recuso-me a fazer uma leitura forçada ou maliciosa desta passagem. De resto, de modo desarmante o próprio Papa escreve: “É preciso entender-se bem sobre os termos e, talvez, para sair dos afunilamentos de uma contraposição... absoluta, reformular em profundidade a questão”.

Pois bem, reformular em profundidade a questão. Talvez os leigos não possam fazer a sua parte argumentando, levando conhecimento e experiência ou então limitar-se a aderir amigavelmente à mensagem feita em nome de Jesus de Nazaré?
La Stampa, 12-09-2013.

Ao encontro do Deus de misericórdia

Os pecadores não são mais aqueles que se perdem, mas aqueles que se deixam perder e não querem se alegrar com aqueles que são encontrados. Uma reflexão em cima do Evangelho segundo Lucas 15: 1-32.

A parábola da ovelha perdida: somos salvos não porque somos perfeitos; somos salvos por gratuidade.
Por Raymond Gravel

Nós continuamos no caminho para Jerusalém, e nas próximas três semanas o Jesus do Evangelho de Lucas faz os seus discípulos compreenderem o tipo de Igreja que ele quer: uma Igreja acolhedora dos pecadores, uma Igreja que sabe investir em valores duradouros e uma Igreja que deve se lembrar de que não pode estar do lado de Deus se se esquece dos pobres, dos abandonados e dos desgarrados da vida. É, portanto, a uma verdadeira revolução que Cristo nos convida hoje: se Deus vem para os pecadores não é para matá-los ou condená-los à exclusão, mas para tomá-los nos braços e levá-los até sua casa, lá onde os anjos se alegram com sua conversão. Jesus nos revelou, portanto, um Deus que nos oferece todas as chances, um Deus cheio de Amor e de misericórdia.

Lucas é, com frequência, chamado de evangelista da misericórdia. Ser misericordioso é abrir seu coração à miséria do outro, dos outros, para detê-la, aliviá-la e transformá-la. Todo o capítulo 15 de Lucas é um ensinamento sobre a misericórdia. Três parábolas se sucedem e seu encadeamento é, sem dúvida, obra de Lucas, que ensina a sua comunidade no final do século I. Semelhantes em muitos aspectos, essas parábolas também têm acentos diferentes. Além disso, as três se dirigem ao mesmo público: aos fariseus e aos escribas, isto é, aos hipócritas que se achavam perfeitos; àqueles que não compreendem que o Cristo do Evangelho possa dar lugares aos publicanos e aos pecadores, isto é, àqueles e àquelas que não valem nada, porque são incrédulos, ladrões, adúlteros, bêbados, prostitutas, homossexuais, etc. Essas três parábolas não são moralizantes; elas querem simplesmente mostrar a gratuidade do perdão, o benefício da misericórdia, a ternura de Deus, seu Amor incondicional e sua alegria quando a esperança é completa.

A parábola da ovelha perdida e reencontrada (Lc 15,3-7)

Nesta parábola em que o pastor tem 100 ovelhas, como pode abandonar as 99 para procurar aquela que se perdeu? Transposto para o contexto da época de Jesus, os justos e os conformados são as 99 ovelhas que Jesus abandona para procurar a excluída, a ovelha que dizemos perdida. Isso significa que esta ovelha tem sua importância; ela vale as 99 outras. No fundo, a mensagem desta parábola evangélica quer dizer que nós somos salvos não porque somos perfeitos; somos salvos por gratuidade, porque nos deixamos converter por Jesus, e é isso que nos dá a alegria pascal: “Eu lhes declaro: assim, haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15,7). O que fez o exegeta francês Jean Debruynne dizer: “Nós não entramos no céu porque somos certinhos. Ser justo não dá nenhum direito, senão o direito de se converter. Justo ou não, nós nunca acabaremos de nos converter ao Amor, que será sempre gratuidade de Deus”.

Parábola da moeda perdida e reencontrada (Lc 15,8-10)

Esta parábola contém um sentido idêntico à primeira. Mas, como se trata de uma moeda, podemos ver nisso todo o valor da moeda perdida; ela vale tanto quanto as outras nove. Transposto para a época de Jesus, a prostituta ou o excluído valem tanto quanto o justo e o perfeito.

A parábola do pai e dos dois filhos (Lc 15,11-32)

Esta parábola contém duas sequências: a primeira descreve a atitude do pai para com o filho mais novo (Lc 15,11-24) e a segunda fala de seu comportamento diante do filho mais velho (Lc 15,25-32). Cada um dos filhos tem uma imagem falsa do pai. O mais jovem pensa que após os erros que cometeu seu pai não o reconheceria mais como seu filho e que deve se contentar com o fato de seu pai aceitá-lo com servo. O mais velho sempre se comportou como um servo e não como um filho. Ele mesmo declara ao seu pai: “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29). Claramente, no plano da relação com seu pai, os dois filhos tinham a mesma importância. Na época de Jesus, o mais jovem representa o desgarrado da vida; o mais velho, o justo e o perfeito.

Ao contrário das duas parábolas precedentes, o pai não busca, em primeiro lugar, encontrar os seus filhos, ambos perdidos. Ele respeita as suas liberdades. Por outro lado, ele os espera, e quando o mais jovem retorna para ele, o pai corre ao seu encontro para acolhê-lo incondicionalmente, de tal maneira que quando o filho mais novo chega diante de seu pai e lhe quer reconhecer sua falta – “Pai, pequei contra o céu e contra ti. Já não mereço que me chamem teu filho” (Lc 15,21) –, o pai não o deixa nem mesmo terminar de falar. Seu perdão é tão grande e gratuito que o simples retorno do filho mais novo lhe restitui sua dignidade de filho e o faz entrar na alegria da festa: “Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Peguem o novilho gordo e o matem. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’. E começaram a festa” (Lc 15,22-24).

Mas há uma grande diferença em relação ao mais velho, o perfeito, o justo. Ao seu retorno dos campos, onde trabalhava como um servo, ele se recusa a entrar e participar da festa, mesmo que o seu pai lhe suplique. Ele se recusa a se converter: “Então o irmão ficou com raiva, e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou este teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!’” (Lc 15,28-30). O exegeta Alain Marchadour escreve: “Quando o pai se alegra com o retorno daquele que estava perdido, arrisca-se a perder o filho mais velho”. E é isso que acontece. Marchadour continua: “O filho mais velho perdeu algo que nunca encontrará, aquilo que foi dado ao seu irmão. Ele precisa, por sua vez, fazer a experiência da verdadeira paternidade, ele que diante do seu pai comporta-se como um empregado”.

No caso do filho mais velho, o pai não pode fazer nada; o filho mais velho não pode ser restabelecido como filho, e pior ainda, ele perde o seu irmão: “Quando chegou este teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!” (Lc 15,30). Por outro lado, como a misericórdia de Deus é sem limites, a porta do perdão permanece aberta: “Então o pai lhe disse: ‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas, era preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu irmão estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,31-32). Felizmente, a parábola termina aí... Ela deixa a possibilidade que a história possa continuar e que o irmão mais velho encontre também a sua dignidade de filho e entre para a alegria da festa.

Concluindo, que bela mensagem de perdão, de amor e de esperança para nós, hoje, que devemos nos situar em relação aos diferentes personagens ou atores dessas parábolas de Lucas. O francês Patrick Jacquemont resume o evangelho dizendo: “Cem ovelhas, dez moedas, dois filhos. A insistência vai se afunilando, mas o refrão permanece o mesmo: perdido e encontrado. É do amor de Deus, pastor, senhor da casa, pai de família, que Jesus quer falar àqueles que o cercam e que Lucas quer fazer ecoar às primeiras comunidades cristãs. Para os judeus é vital dizer que ninguém é excluído do Reino. Se uma ovelha se perde é prioritário deixar as outras, os fariseus, para encontrá-la. Para os novos convertidos, é importante compreender que se falta uma moeda, é urgente encontrá-la porque cada uma é preciosa e as nove outras não consolam tanto quanto a perdida. Para todos, é bom lembrar que se um filho quis partir para viver sua vida, não é possível esquecê-lo em detrimento do outro que fica. Todos e todas têm, sempre e em cada situação, o mesmo preço, único, aos olhos de Deus. Se julgamos este ou aquele perdido, é porque o nosso amor não é muito apaixonado, perspicaz e paciente para encontrá-lo. Trata-se de uma verdadeira mudança, de uma radical conversão a fazer. Os pecadores não são mais aqueles que se perdem, mas aqueles que se deixam perder e não querem se alegrar com aqueles que são encontrados. O amor de Deus, que sabe encontrar aqueles que se perderam, deve agora encontrar o coração daqueles que não se acham perdidos. Para encontrarem o Reino”.
Réflexions de Raymond Gravel