sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Vozes em favor da vida

Por Dom Antônio Dias Duarte*

O papa Francisco visitou o Brasil num momento de grandes manifestações nas ruas de várias cidades espalhadas pelos quatro cantos do país. Jovens e adultos, até  famílias inteiras, reivindicavam os direitos básicos da sua condição de cidadãos brasileiros. As redes sociais foram o veículo novo de convocação de tanta gente esperançosas de mudanças sociais e econômicas ainda necessárias.

As semanas que antecederam a Jornada Mundial da Família foram de muitas expectativas, sobretudo quanto às declarações do Santo Padre. Qual seria a sua mensagem principal? Mencionaria diretamente essas reivindicações do povo brasileiro ou ficaria apenas com mensagens espirituais? As manifestações populares com risco de violência física e atos de vandalismos continuariam?

O que não se esperava nesse tempo de espera da JMJ Rio 2013, ainda mais porque se manobrou no silêncio dos gabinetes do Ministério da Saúde, nas salas de deputados federais e senadores no Congresso Nacional, foi o projeto de lei numero 3/2013 que aparentemente pretende defender as mulheres brasileiras da violência sexual do estupro. Junto com o Ministro da Saúde, Dr. Alexandre Padilha, políticos pertencentes ao Partido dos Trabalhadores, retomaram o compromisso assumido no III Congresso desse partido, realizado em agosto/setembro de 2007, obrigando todos seus filiados a conseguirem de todas as formas possíveis a descriminalização do aborto no Brasil.

A violência sexual contra a mulher brasileira é uma vergonha ainda presente no nosso país! O sofrimento físico e psicológico das vítimas de estupro é acrescido dos riscos de contágio de graves doenças sexualmente transmissíveis e de possíveis mudanças da afetividade e da própria vida sexual dessas mulheres violentadas.

Diante dessa situação cabe ao Estado, à sociedade e à família brasileiras, uma reação mais afirmativa e defensiva dessas mulheres e, quando elas engravidam por esse ato inadmissível, receberem todo o respeito e ajuda para que possam acolher com amor e criar com dignidade uma criança que não teve nenhuma culpa de ser concebida dessa maneira brutal. Mãe e filho não podem continuar sofrendo nenhum tipo de violência depois de terem passado por um momento tão agressivo!

Entretanto o Poder Legislativo e o Poder Executivo com a aprovação do PL 3/2013 e com a sanção presidencial no ultimo dia 1 de agosto demonstraram que não valorizaram as vozes das famílias e da juventude nas manifestações havidas antes da JMJ Rio 2013, e ignoraram mais uma vez o desejo de aproximadamente 82% da população brasileira, que não quer em nenhuma das suas formas o ABORTO no Brasil.

É verdade que ninguém de bom senso no país quer deixar de prestar atendimento médico e psicológico às mulheres estupradas. É óbvio que toda mulher no Brasil tem que ter seus autênticos direitos atendidos e respeitados por todos os segmentos da sociedade, para que ela possa assim desempenhar seu papel insubstituível no mundo e na Igreja.

O que não pode ser verdadeiro e óbvio é considerar um projeto de lei a favor do atendimento emergencial e integral da mulher que sofreu violência sexual como mais uma porta de entrada para o aborto, e o aborto financiado com dinheiro público, pois a lei sancionada obriga todos os hospitais integrantes da rede do SUS que tenham Pronto Socorro e Serviço de Ginecologia a prestarem esse atendimento.

Atendimento emergencial quer dizer, na prática, uma ação imediata da parte dos médicos, depois que a mulher diz ter sido estuprada, mesmo que ela não apresente o Boletim de ocorrência desse crime, o que protege o estuprador, esse criminoso que irá continuar cometendo a mesma brutalidade, e mesmo que ela não aceite fazer o exame de corpo de delito. O médico será obrigado a fazer o aborto ou administrar a pílula do dia seguinte, conhecida também como pílula emergencial, que se ingerida depois da violência sexual sofrida onde houve a fecundação causará o aborto químico.

Atendimento integral significa que nenhum procedimento médico deve ser omitido e todas as informações devem ser prestadas à mulher violentada, inclusive como ela pode tirar a vida do seu filho e onde ela poderá realizar essa nova violência sobre si mesma com a aprovação do Estado brasileiro.

O papa Francisco não se pronunciou sobre a aprovação desse projeto de lei, ainda que sabendo da sua existência, mas se pronunciou de forma clara e firme, em várias ocasiões, sobre o papel político do cristão, como por exemplo, fez no discurso dirigido à classe dirigente do país no dia 27 de julho passado.

“Somos responsáveis pela formação das novas gerações, ajudá-las a ser capazes na economia e na política, e firmes nos valores éticos. O futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a política, que é uma das formas mais altas da caridade”.

Aos jovens brasileiros e estrangeiros ele perguntava: “Amigos queridos, a fé é revolucionária e eu lhe pergunto hoje: esta disposto, está disposta, a entrar nesta onda da revolução da fé? Só entrando, sua vida, jovem, terá sentido e, assim, será fecunda”.

Aos bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, fazia a seguinte exortação paterna: "Tenham a coragem de ir contra a corrente dessa cultura eficientista, dessa cultura do descarte. O encontro e a acolhida de todos, a solidariedade, é uma palavra que estão escondendo nessa cultura, quase um palavrão; a solidariedade e a fraternidade são elementos que fazem nossa civilização verdadeiramente humana...Gostaria de vê-los quase obcecados nesse sentido".

A Voz do papa e as Vozes das manifestações se somam, depois que assistimos, no Rio de Janeiro, a um impressionante evento de solidariedade, de fraternidade, de paz e de boa vontade e fé, que revolucionarão o futuro da humanidade, desde que sejam Vozes ouvidas pelos que legislam e governam o Brasil, país que demonstrou, na JMJ Rio 2013, que sabe acolher e dar espaço a todas as pessoas.
*Dom Antônio Dias Duarte é bispo auxiliar do Rio de Janeiro.

A caridade é o amor atuante de Deus, afirma padre chileno


Santiago - Desde o ano de 2009, o centro de medidas da Universidade Católica do Chile, vem tentando através de modernos métodos de investigação social descobrir quão solidários são os chilenos. A conclusão da pesquisa, revelada em novembro do ano passado, demonstrou que os chilenos não são tão solidários como aparentam.
Com base nos resultados deste estudo e por ocasião do Mês da Solidariedade, o padre Francisco Campos, encarregado de projetos do Vicariato da Pastoral Social, comentou que os chilenos nem sempre tem conhecimento claro sobre o verdadeiro espírito solidário, nem sobre as diferenças existentes com a caridade.
"A caridade é o amor atuante de Deus, é a expressão da relação dEle com seus filhos e entre irmãos; a solidariedade é mais horizontal, é sentirmos em um destino comum com o outro, é a percepção de ser povo", precisou.
O padre Campos ressaltou também que os chilenos compreendem a solidariedade como um sentimento, como uma atitude passageira, mais do que como uma virtude constante e perseverante no tempo. Por ser uma virtude, a solidariedade pode ser adquirida ou cultivada no tempo, daí a importância da educação como eixo central de uma sociedade mais solidária.
O sacerdote convidou os fiéis a "gerar espaços onde nos encontremos como pessoas, ajudemos os outros, já que a chave é estar com o outro, ficar com o que tem menos ou mais que eu, que sejamos capazes de gerar a cultura do encontro e ir rompendo as segregações estruturais que temos".

'Desafios na educação cristã dos filhos'


Brasília  - Durante a Semana Nacional da Família (SNF) que está sendo realizada, entre os dias 11 e 17 de agosto, em paróquias e comunidades de todo o Brasil, a Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família (CEPVF), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), preparou alguns textos para aprofundamento e reflexão.
Este ano, o tema da SNF é “Transmissão e educação da fé cristã na família”, dentro desse contexto, a CEPVF divulgou mais um texto para colaborar com as atividades, e grupos de estudos que estão sendo realizadas pelas dioceses do país. O segundo texto trata da responsabilidade do papel dos pais perante a família e, principalmente, perante os filhos dentro de uma realidade individualista que, muitas vezes, tornam relativos os juízos e os valores morais.

Leia o texto abaixo:

"O principal desafio que a família de hoje deve estar atenta na educação cristã dos seus filhos não é religiosa, mas antropológico, a maneira, a visão, a concepção em entender quem é o ser humano: a ditadura do relativismo segundo o qual não existe uma verdade única, objetiva, geral para todos sobre quem é o ser humano e, por conseguinte, tampouco sobre o matrimônio e sobre a família. Evidencia-se, assim, o individualismo, em que cada um faz o quer e como quer.

O relativismo e o individualismo afirmam também que não existe um Deus comum a todos, cada um cria e se relaciona com seu próprio Deus e tampouco existem verdade única, normas éticas e valores permanentes. Cada um deve acreditar e fazer no que é melhor para sim mesmo na construção da sua própria felicidade. Eu sou a minha própria verdade e caminho.

Assim, os juízos sobre os valores morais, quer dizer, sobre o que é bom ou mau e, por isso, sobre o que deve fazer ou omitir, não pode proceder segundo o arbítrio individual. O ser humano, no mais profundo da sua consciência, descobre a presença de uma lei que ele não dita a si mesmo e à qual deve obedecer. Esta lei foi escrita por Deus no seu coração, de modo que, além de aperfeiçoar-se com ela como pessoa, será de acordo com esta lei que Deus o julgará pessoalmente.

Diante da realidade relativista e condicionante, a família tem hoje a inevitável tarefa de transmitir aos seus filhos a verdade sobre quem é a pessoa humana e como essa pode atingir a satisfação de todas as suas necessidades. Como já ocorreu nos primeiros séculos, hoje é de capital importância conhecer e compreender a primeira página do Gênesis: existe um Deus pessoal e bom, que criou a sua imagem e semelhança o homem e a mulher com igual dignidade, mas diferentes e complementares entre si, e deu-lhes a missão de gerar filhos, mediante a união indissolúvel de ambos em uma só carne (matrimônio). Um ser humano que é essencialmente relação e comunhão.

O ser humano recebeu de Deus uma incomparável e inalienável dignidade, criado à sua imagem e semelhança e destinado a ser filho adotivo. Cristo, com sua encarnação nos concedeu essa graça, somos filhos de Deus. Por ter sido criado à imagem de Deus, o ser humano tem a dignidade de pessoa: não é só alguma coisa, um ser individual de produção e lucro, mas alguém.

É capaz de conhecer-se, de dar-se livremente e de entrar em comunhão com outras pessoas. Esta relação com Deus e com outras pessoas pode ser ignorada, relativizada, esquecida ou removida, mas jamais pode ser eliminada, porque faz parte constitutiva do ser humano, seria o mesmo que eliminasse das pessoas o respirar, alimentar-se, dormir. Isolar-se é adoecer.

As consequências de não correspondência ao desígnio de Deus são desastrosas para a pessoa, a família e a sociedade. Assim se explica a justificação do aborto como um direito da mulher, as tentativas de legalizar a eutanásia, o controle artificial dos nascimentos, as leis cada vez mais permissivas do divórcio, as relações extraconjugais, as uniões homoafetivas e outras.

Amar significa dar e receber o que não se pode comprar nem vender, mas só presentear livre e reciprocamente. Graças ao amor, cada membro da família é reconhecido, aceito e respeitado em sua dignidade. Do amor nascem relações vividas como entrega gratuita, e surgem relações desinteressadas e de solidariedade profunda. Como a experiência o demonstra, mesmo das famílias em constante conflito e tensão, a família constrói cada dia uma rede de relações interpessoais e prepara para viver em sociedade na possibilidade e ideário de um clima de respeito, justiça e verdadeiro diálogo.

Os pais ter a autoridade de educar hoje a seus filhos com confiança e valentia nos valores humanos e cristãos, começando pelo mais radical de todos: a existência da verdade e a necessidade de procurá-la e segui-la para realizar-se como pessoas humanas. Outros valores chave hoje são o amor à justiça e a educação sexual clara e delicada que leve a uma valorização pessoal do corpo e a superar a mentalidade e a praxe que o reduz a objeto de prazer egoísta.

A família, em sintonia com a Igreja e, mais em particular, com o Papa, os bispos e os padres colabora com que as pessoas desenvolvam alguns valores fundamentais que são imprescindíveis para formar cidadãos livres, honestos e responsáveis, por exemplo, a verdade, a justiça, a solidariedade, a partilha, o amor aos outros por si mesmos, a tolerância. Uma mesa que prepara a mesa da Eucaristia, em que todos compartilham os mesmos alimentos. A criança vai incorporando assim critérios e atitudes que o ajudarão mais adiante nesta outra família mais ampla que é a sociedade."

Padre Wladimir Porreca

Assessor nacional para a Vida e a Família/CNBB
SIR/CNBB

O fogo da Palavra


Algumas formas de divisão são intoleráveis. Mas algumas pazes também, quando se trata de um silêncio cúmplice que evita decisões dolorosas que se impõem. O verbo latino que deu origem à nossa palavra decisão, significa cortar, dividir. Jesus não traz a paz no sentido de que a sua palavra, se nós a ouvimos verdadeiramente, nos obriga a decidir, a cortar a favor ou contra o que ela exige de nós.

Por Raymond Gravel
Hoje, mais uma vez, somos convidados a seguir Cristo, como discípulos, mensageiros, portadores e portadoras da sua Palavra. Desde o 13º domingo, nós nos encontramos no caminho para Jerusalém, e, a cada semana, o Evangelho de Lucas nos ensina o que quer dizer seguir Cristo. Nas últimas semanas, aprendemos que para seguir Cristo é preciso estar livre, desfazer-se de tudo o que nos impede de prosseguir no caminho da vida, de olhar para frente, que a missão não nos pertence; estamos a serviço da missão, que é preciso nos tornar próximos dos outros, sem nenhuma discriminação, que em nossas celebrações a Palavra é primeira, que a oração nos torna responsáveis pelo que dizemos e pedimos, que devemos ser ricos de coração e não em celeiros, e que somos servos responsáveis. Essas são as exigências para sermos cristãos, e ainda não acabou... Hoje, as exigências nos levam ainda mais longe...

O fogo

“Eu vim trazer fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). O que isto quer dizer? Eu li comentários de exegetas que veem nesse fogo uma espécie de purificação, uma distinção entre o bem e o mal. Pessoalmente, não concordo com esta interpretação. Prefiro a interpretação da Bíblia TOB que explica, em uma nota de rodapé, que se trata do batismo do Espírito e do fogo inaugurado no Pentecostes. Lembrem-se desse relato de Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, em que no dia do Pentecostes, línguas de fogo descem sobre todos os presentes... E o que esse fogo provocou neles? Tornou-os capazes de sair a público e falar uma linguagem que todos podiam compreender. É, portanto, a linguagem do Amor, porque é a única linguagem que podemos compreender em todas as línguas.

E este Amor se expressa, em primeiro lugar, na Palavra com “P” maiúsculo, e se torna um gesto, uma ação, na sequência. Não existe o ditado que diz que é preciso dar mãos à Palavra? Todo o Evangelho fala do Amor: um Amor incondicional e total da parte de um Deus que é reconhecido através do homem e da mulher e que se serviu de Jesus de Nazaré, que se tornou o Cristo e Senhor Ressuscitado. Recordemos as mensagens relatadas pelos evangelistas e que provêm do Cristo ressuscitado: a acolhida do outro, sobretudo dos mais fracos, o perdão em toda a sua gratuidade, a partilha com os mais pobres, trabalhar por mais justiça, mais igualdade, mais dignidade... Como discípulos, temos que espalhar esse Amor, esse fogo, e nós somos capazes disso, porque somos habitados pelo Espírito de Cristo desde o Pentecostes, e diria mesmo que desde a noite da Páscoa e mesmo desde a cruz da Sexta-feira Santa.

A própria Palavra é um fogo! Recordemo-nos do profeta Jeremias, não no trecho de hoje, mas no capítulo 20, versículos 7 a 9, onde Jeremias diz, em relação à Palavra que devia proclamar: “Quando eu pensava: ‘Não me lembrarei dele, já não falarei em seu Nome’, então isto era em meu coração como um fogo devorador... Estou cansado de suportar, não posso mais!”. Isso era mais forte que ele, o profeta devia proclamar a Palavra imperiosamente.

O batismo

“Devo receber um batismo, e como me angustio até que esteja consumado!” (Lc 12,50). O que também isso quer dizer? De que batismo o Jesus de Lucas , que é o Cristo da Páscoa, está falando? Do batismo que é um mergulho, mergulho na morte, não para ficar aí, mas para ressuscitar. É o mistério pascal que é evocado por Lucas, num momento da história em que as perseguições aos cristãos são moeda corrente.

É evidente que isso faz referência à morte e ressurreição de Jesus, porque é o mesmo sentido do batismo cristão. Não é apenas um batismo na água que purifica, mas também um batismo que é um mergulho na morte de Cristo para ressuscitar com ele. É esse batismo que nós recebemos como cristãos e é por esse batismo que nós devemos viver como discípulos de Cristo, como ressuscitados, como Cristos da Páscoa. Quer sejamos homens ou mulheres, brancos, amarelos ou negros, heterossexuais ou homossexuais ou transgêneros, pequenos ou grandes, somos todos e todas chamados a viver como Cristo, porque fomos mergulhados em sua morte e ressurreição com ele. São Paulo, na carta aos Gálatas, diz: “Pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,27-28).
E esse batismo dá todo o sentido ao resto do Evangelho de hoje.

A divisão e a decisão

“Pensais que vim para estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos digo, mas a divisão” (Lc 12,51). Eu li um exegeta que dizia que esta Palavra o chocava muito. Como pode Jesus, que nos fala de paz e de amor, ao mesmo tempo dizer que veio semear a cizânia em nosso mundo? Mas não é isto que esta Palavra quer dizer. Gérard Sindt escreve: “Algumas formas de divisão são intoleráveis. Mas algumas pazes também, quando se trata de um silêncio cúmplice que evita decisões dolorosas que se impõem. O verbo latino que deu origem à nossa palavra decisão, significa cortar, dividir. Jesus não traz a paz no sentido de que a sua palavra, se nós a ouvimos verdadeiramente, nos obriga a decidir, a cortar a favor ou contra o que ela exige de nós”.

Na época em que Lucas escreve o seu evangelho, a decisão de ser cristão, de seguir Cristo, semeava a divisão, a controvérsia, a perseguição, inclusive nas famílias. Mais ainda hoje, na nossa Igreja, não há divisão no seio mesmo daqueles que dizem seguir Cristo? Há, certamente, divisões que persistem entre cristãos de diferentes denominações, mas esse não é meu objetivo; eu falo das divisões dentro da nossa Igreja católica romana. Há mais que diversidade; há ruptura entre a hierarquia e os fiéis. O que fazer para decidir e para cortar? Impor os dogmas contra vento e maré? Excluir todos aqueles e todas aquelas que não pensam como as autoridades romanas? Aplicar as regras com o rigor exigido?

É desta maneira que se agia antes da chegada do novo Papa, o Papa Francisco, e vemos no que isso dá: uma Igreja que se esvazia cada vez mais, uma Igreja a ponto de morrer, uma Igreja em fase terminal. Isso ocorreu por que não se tomou as decisões corretas? O que fazer então? Talvez retomando os evangelhos e aprendendo as mensagens de Cristo que os evangelhos nos ensinam, possamos reencontrar um sopro novo, uma lufada de ar fresco, uma brisa de esperança. É o que o Papa Francisco está fazendo: uma grande limpeza não apenas na Cúria romana, mas também na própria estrutura da nossa Igreja. Pela primeira vez, ele nos fala de pastoral. Ele não recorda a todo momento a doutrina; essa nós conhecemos... Ele nos diz como fazer pastoral, ali onde estamos com os dois pés. Pessoalmente, isso me faz muito bem, e não estou sozinho. Eu ouvi muitas pessoas que se afastaram da Igreja há um bom tempo e que me disseram que esse Papa os interpela profundamente. Faz bem ouvir isso.

Recordemos que nesse domingo em que se celebra o Orgulho Gay, não é normal, nem evangélico que se exclua esta parcela da população, simplesmente porque eles têm uma orientação sexual diferente da maioria, mas uma orientação que eles não escolheram e que eles procuram assumir da melhor maneira possível, sempre guardando a fé e a esperança cristã. “Quem sou eu para julgar os homossexuais?”, disse o Papa Francisco, no avião que o levava de volta para Roma após a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. É evidente que os homossexuais, assim como os heterossexuais não são perfeitos... Mas uns e outros são convidados a amar na fidelidade e no respeito da dignidade de uns e outros. O que está acontecendo na Rússia e em muitos países, e mesmo aqui em Quebec e no Canadá, onde se dá provas de discriminação, violência, desprezo e exclusão em relação aos homossexuais, é inaceitável e isso deve ser denunciado por toda a população, inclusive pelos cristãos. Temos de dizer não à homofobia. Para mim é uma decisão que vai semear a divisão, escusado será dizer, mas é uma decisão que o evangelho me inspira. Será também uma prova de fidelidade aos ensinamentos de Jesus.
Réflexions de Raymond Gravel,18-08-2013.

O papel feminino nas religiões


Freiras assistem a missa: 'por uma teologia das mulheres'.
Por Emma Klein
O papa Francisco pediu que a Igreja crie uma teologia mais profunda das mulheres, embora ele tenha descartado a ordenação de mulheres. Mas como o cristianismo e as outras religiões podem estabelecer papéis para as mulheres que não as lancem como cidadãs de segunda classe? O judaísmo poderia apontar o caminho? Onde as mulheres se posicionam nas religiões do mundo hoje?

A partir dos recentes desdobramentos, pronunciamentos e eventos, emerge um quadro muito complexo. Não menos complexa é a posição das mulheres dentro do judaísmo, uma das menores, em termos numéricos, religiões do mundo.

Judaísmo

Até o século XIX, quando o movimento da Reforma no judaísmo surgiu na Alemanha, a Ortodoxia prevaleceu, e as mulheres, com exceção de algumas poucas figuras históricas, foram confinadas à casa e, dentro da sinagoga, à galeria das senhoras ou atrás de um mechitza ou divisória – muitas vezes uma cortina.

A lógica por trás dessa separação, derivada do período do Talmude e da Mishná, o comentário oral sobre a Torá, ou Lei, era que uma mulher e o seu corpo poderiam distrair os homens e levar a pensamentos impuros durante a oração.

Nas Escrituras hebraicas, havia mais do que algumas poucas mulheres proeminentes, não menos importantes as quatro "matriarcas" Sara, Rebeca, Lia e Raquel; a profetisa e irmã de Moisés e Aarão, Miriam; e Débora, a juíza e profetisa. A moabita convertida Rute, a ancestral do rei Davi, e Ester, a esposa judaica do monarca persa Assuero, também desempenham papéis importantes na tradição judaica.

Com as várias conquistas e expulsões às quais o povo hebreu foi submetido, e a posterior extensa história de perseguição, a Ortodoxia judaica se tornou mais rigoroso, afetando, dentre outros aspectos, o papel das mulheres no culto. Uma mulher excepcional nos tempos talmúdicos foi Bruriá. Filha e esposa de rabinos proeminentes, ela foi citada como uma "sábia".

Mais tarde na história, duas mulheres atuaram na qualidade de rabinas, sem ordenação formal. Uma delas era Asenath Barzani, no século XVII, que atuou como rabina entre os judeus curdos, e a segunda foi Hannah Rachel Verbermacher que era rabina em uma comunidade hassídica na Europa Oriental no século XIX.

No entanto, a probabilidade de haver uma rabina ortodoxa no nosso tempo, até muito recentemente, era algo praticamente impossível de se contemplar. E a Ortodoxia ainda é a maior facção em Israel, França e Reino Unido. Nos Estados Unidos, entretanto, onde a população judaica de cerca de seis milhões é quase tão grande quanto a de Israel, a Ortodoxia é um bloco minoritário; a maioria dos judeus norte-americanos praticantes pertencem a comunidades conservadoras ou reformadas.

É provavelmente por causa do status de minoria da Ortodoxia norte-americana que um desenvolvimento marcante ocorreu nos últimos anos. Trata-se do surgimento de um seminário ortodoxo em Nova York, onde as mulheres são preparadas para a ordenação. O seminário é conhecido como Yeshivat Maharat – yeshiva é a palavra hebraica para seminário, e maharat é o acrônimo das palavras hebraicas que significam "mestre da lei e da espiritualidade judaicas".

A reitora do seminário, Raba Sara Hurwitz, foi ordenada por dois rabinos ortodoxos. No entanto, o fato de ela se chamar "rabina" – a versão feminina de "Rabino" – causou tanta indignação entre muitos membros da comunidade ortodoxa que, como um compromisso, foi acordado que uma graduada do seminário seria chamada de "maharat".

Três mulheres se formaram no seminário no mês passado e já foram contratadas por congregações em Montreal e em Washington, servindo ao lado de rabinos homens. No entanto, um educador pioneiro de meninas ortodoxas, que estava entre o público da cerimônia de formatura, comentou que o título de "maharat" é como se formar na faculdade de medicina e não ser autorizado a se chamar de médico.

Embora essas mulheres, em alguns casos, serão líderes espirituais de comunidades, elas vão continuar enfrentando várias restrições sob a lei judaica ortodoxa. Elas vão se sentar separadamente durante as celebrações, não terão a permissão de ler a Torá e não serão contadas em um minyan – o quorum de 10 fiéis necessários para a recitação de certas orações, incluindo o Kaddish, que é muitas vezes referida como a oração do enlutado.

O conceito de minyan vem do relato bíblico da tentativa de Abraão de salvar Sodoma e Gomorra da destruição. Conta-se que Abraão fez um pacto com a Divindade de que, se ele pudesse encontrar 10 homens justos, as cidades não seriam destruídas. Ele foi incapaz de encontrar o quórum necessário.

Fora dos EUA, houve algum progresso, embora limitado. Em Israel, pela primeira vez, houve duas mulheres na comissão de 11 membros para supervisionar as eleições para o rabinato-chefe realizada no fim de julho. E um grupo de mulheres israelenses foi aos tribunais para tentar forçar as autoridades ortodoxas a permitir que elas se tornem supervisoras do kashrut – o processo para garantir que os produtos alimentares e os restaurantes sejam kosher.

Na Grã-Bretanha, houve muitas rabinas nos movimentos reformados e liberais, entre elas a baronesa Julia Neuberger e a rabina Laura Janner-Klausner, atual presidente do Movimento para Reformar o Judaísmo. No entanto, o movimento Masorti, ou conservador, no Reino Unido ainda não tem nenhuma mulher rabina.

O mais significativo em Londres, em Israel e em Toronto, assim como em algumas cidades norte-americanas, é um desenvolvimento recente conhecido como "Parceria minyan", um termo usado pela Aliança Feminista Ortodoxa Judaica para descrever um grupo de oração que está em conformidade com as restrições da lei judaica ortodoxa, embora permita que uma parte dos serviços sejam liderados por mulheres, assim como por homens.

Também houve alguns serviços ortodoxos apenas para mulheres, por exemplo para ler o rolo de Ester, que é recitado todos os anos na festa de Purim, que comemora a salvação do povo judeu na Pérsia do complô para destruí-los, instigado por Hamã, o vizir real do marido de Ester, o rei Assuero. No entanto, a "parceria minyan" certamente é um avanço com relação a um grupo de oração apenas para mulheres. Não surpreendentemente, ela tem enfrentado críticas consideráveis por parte de muitas pessoas da comunidade ortodoxa.

Budismo
Em algumas religiões do mundo, tem havido um reconhecimento substancial da importância das mulheres. O Dalai Lama, por exemplo, disse que ficaria muito feliz se o seu sucessor fosse uma mulher, e atualmente há no Tibete uma lama budista mulher, Khandro Rinpoche, que, aos dois anos de idade, foi reconhecida por um importante líder espiritual budista como a reencarnação de uma lama do sexo feminino nascida no século XIX.

Anglicanismo

Já o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, também expressou a sua convicção de que uma mulher, um dia, irá ocupar o seu papel e foi franco no seu apoio às bispas mulheres. Apesar da surpreendente derrota das bispas mulheres medida pelo voto dos membros leigos do Sínodo Geral no ano passado, o assunto está de volta à agenda, e pensa-se que a aprovação final poderia ser dada à nova legislação até o fim de 2015.

Catolicismo

Quanto à Igreja Católica, o papa Francisco, em sua coletiva de imprensa improvisada no avião papal retornando do Rio no dia 28 de julho, repetiu o ensino "definitivo" de João Paulo II de que a porta está fechada para a ordenação de mulheres. No entanto, ele disse que a Igreja precisa de uma teologia das mulheres mais profunda, indicando que Maria é mais importante do que os Apóstolos. Ele acrescentou: "Agora ela é coroinha, agora ela lê a Leitura, é a presidente da Cáritas... Mas há mais! (…) A mulher, na Igreja, é mais importante do que os bispos e os padres".

Islã

No Islã, homens e mulheres geralmente celebram separadamente. As mulheres geralmente não são autorizadas a liderar orações mistas. Mais uma vez, os Estados Unidos são o país onde as mulheres muçulmanas têm se tornado mais proeminente no culto, e há várias comunidades em que as mulheres lideram orações mistas.

Embora seja improvável que as mulheres serão ordenadas em breve como imãs, há uma estudiosa islâmica afro-americana, Amina Wadud, que tem sido chamado de Imã Amina Wadud. Certamente, em muitos países muçulmanos, fora da esfera religiosa, a capacidade da mulher para a autoexpressão é muito reprimida.

Hinduísmo

No hinduísmo, embora muitas deidades femininas sejam cultuadas, o papel da mulher é geralmente visto de uma forma bastante tradicional, como a figura-chave na facilitação da continuidade da linhagem familiar. De fato, o aspecto machista da religião hindu ficou bastante claro para mim recentemente, quando eu fiquei sabendo que o filhos de 10 anos da minha vizinha hindu, ela mesma uma médica ginecologista, foi obrigado a atuar como o presidente oficiante da cerimônia de cremação do seu avô em Londres e, mais tarde, na cerimônia de espalhar as cinzas no rio Ganges, porque ele era o único descendente masculino direto.

Se eu puder terminar com uma nota pessoal, eu devo dizer que há um ritual judaico que eu estou determinada a levar a cabo e que alguns rabinos ortodoxos não permitem que as mulheres o realizem. Trata-se da recitação do Kadish. Composto em sua maior parte em aramaico, com exceção da exortação da paz com a qual ele conclui, trata-se basicamente de uma exaltação do nome do Todo-Poderoso e não contém nada que se refira à tristeza ou à morte. No entanto, o fato de ele ser recitado juntamente à morte de um parente próximo explica por que muitas vezes ele é visto como uma oração do enlutado.

Recitar o Kadish tem sido de grande importância para mim desde a prematura morte do meu amado irmão há 13 anos. Eu recitava a oração em uma sinagoga Masorti praticamente todos os sábado de manhã durante 11 meses. Isso me deu força e, quando chegou a hora de parar, eu experimentei uma enorme sensação de perda. Desde então, em cada yartzeit – o aniversário da sua morte –, eu recito o Kadish por ele novamente. Tornou-se um dia muito importante.
The t, 10-08-2013.