O texto a seguir é uma análise profunda sobre a crise
atual da Igreja Católíca, elaborada pelo Teólogo Pe. Manoel Godoy,
Diretor Executivo do Instituto São Tomás de Aquino - ISTA.
1.
Cada vez que me pedem análise de conjuntura eclesial, lembro-me do
tempo em que trabalhava como assessor na CNBB. A comissão encarregada
das análises se detinha às esferas do econômico, do social e do
político. Quando chegava a área restrita da Igreja, a equipe se
restringia a uma ou outra observação e fim de papo. Somente no tempo do
Pe. Virgilio Uchoa tal reflexão ganhava foro de cidadania e sempre
causava certo frisson. Não é praxe da instituição católica olhar-se no
espelho com serenidade e quem tenta colocar-lhe o espelho na sua frente
nem sempre é bem visto.
Vou apresentar algumas pistas de leitura da situação atual da
situação eclesial, tendo como fio condutor o axioma: quando arrefece a
profecia, cresce a boataria. Nos últimos anos, tem crescido enormemente o
que vulgarmente se chama de fofoca eclesiástica. A meu ver tal
crescimento se deve ao fato de a Instituição ter-se voltado muito para
si mesma. O toque de recolher das últimas décadas, essa volta à
sacristia, produz o caldo propício para o aumento do disque-me-disque
tão prejudicial para a saúde institucional.
Nem sempre é fácil também livrar-se do vício de desenvolver uma
eclesiologia púrpura nessas análises, pois toda a imprensa quando fala
da Igreja refere-se unicamente à sua hierarquia. Nenhum leigo ou leiga,
por mais nobre que seja, tem o mérito de falar em nome da Instituição.
Sendo assim, quando dizemos Igreja, corremos o risco de nos limitarmos a
uma só categoria de cristãos, ou seja, aos seus purpurados. Assim
sendo, vou procurar dizer Instituição quando se refere à hierarquia e
Igreja quando está em jogo todo o Povo de Deus. Evitando, porém,
qualquer contraposição entre as categorias que compõem a totalidade da
Igreja. É mero recurso didático.
NO CLIMA DO ANO JUBILAR DA ABERTURA DO CONCÍLIO VATICANO II
2. Nesse qüinqüênio (2012-2015), celebramos 50 anos da abertura do
Concílio Vaticano II, que teve sua sessão inaugural em 11 de outubro de
1962, presidida pelo saudoso Bom Papa João XXIII. Aquele que teria sido
nomeado para ser uma Papa de transição, acabou marcando definitivamente a
história da Igreja. Vale lembrar que sua atitude foi tão inédita e
inesperada que houve quem na Cúria Romana que quisesse corrigir a fala
do Papa, dizendo que ele houvera trocado as palavras e que não quisera
dizer realmente concílio. E a visão que se tinha da conjuntura da época
era tão ruim, que causava um medo imenso de um concílio vir a piorar a
situação. De fato, no seu discurso de abertura do Concílio, o Beato Papa
João XXIII se referiu aos “profetas da desgraça”, que viam tudo pelo
ângulo da destruição, da maldade, como que prevendo o fim do mundo. A
fala do Beato Papa João foi interpretada de muitas maneiras, e alguns
entenderam que ele pretendia blindar o Concílio contra qualquer crítica,
constituindo-se dessa maneira num grupo de resistência, esperando o
momento propício para dar as caras ao mundo. Alguns acreditam que esse
momento é agora, tal o retrocesso institucional em relação às decisões
conciliares.
“Agora parece que algo mudou. “Quantos, após ter feito furor no
Concílio e no pós-concílio comprazendo-se de sua originalidade, caem,
aos poucos, no esquecimento e suas novidades se revelam cada vez mais
filhas do seu tempo, efêmeros tributos ao espírito de uma época,
incapazes de resistir à prova da História. (…) Quem era considerado um
‘resíduo do passado’, a ser arquivado para sempre, está sendo, hoje, aos
poucos, redescoberto”
De fato, vemos renascer inúmeros grupos que aguardaram, não sem ação,
o momento para desautorizar o Concílio, provocando uma volta à grande
disciplina nos seus moldes, restaurando a Instituição pré-conciliar.
O CONCÍLIO E SUA RECEPÇÃO AO LONGO DE CINCO DÉCADAS
3. Na primeira década pós-conciliar pode-se registrar uma onda de
esperança muito grande em todos os âmbitos eclesiais. A atenção aos
sinais dos tempos, o aggiornamento, o resgate do diálogo com a sociedade
faziam com que os membros da Igreja se empolgassem com a possibilidade
de ver uma Igreja mais próxima das suas fontes. Uma Igreja despojada e
preocupada em ser mais de acordo com os evangelhos, com seus primeiros
séculos. Causou bastante impacto, sobretudo na Igreja Latina Americana o
“Pacto das Catacumbas”. Trata-se de um documento redigido e assinado
por quarenta padres participantes do Concílio Vaticano II, entre eles
muitos bispos latino-americanos e brasileiros, no dia 16 de novembro de
1965, pouco antes da conclusão do Concílio. Este documento foi firmado
após a Eucaristia na Catacumba de Domitila. Por meio deste documento de
13 itens, os signatários comprometeram-se a levar uma vida de pobreza,
rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a colocar os
pobres no centro do seu ministério pastoral. Comprometeram-se também com
a colegialidade e com a co-responsabilidade da Igreja como Povo de
Deus, e com a abertura ao mundo e a acolhida fraterna.
Em 1968, com a realização da II Conferência Geral do Episcopado
Latino Americano, em Medellin, o compromisso assumido no Pacto das
Catacumbas se torna ainda mais real, fazendo emergir com força a opção
pelos pobres, a explosão de pequenas comunidades nas bases populares com
inúmeros ministérios laicais. Como o Concílio tinha privilegiado o
contexto europeu, podemos afirmar que para a América Latina foi Medellin
que se constitui no “nosso concílio”, cujo documento final foi o único
que não sofreu censuras, pois os bispos já saíram dessa II Conferência
com ele nas mãos.
É claro que nessa década ainda alguns sinais de contenção dessa
euforia emergiram também, tal como a Encíclica Humanae Vitae,
25/07/1968, que tratava da regulação da natalidade, condenando a
contracepção por meios artificiais ou como o Moto Próprio Ministeria
Quaedam, de 15/08/1972, que apresentava a reforma da praxe dos
ministérios na Igreja, consagrando uma vez mais o modelo único de ser
presbítero. Some-se a isso os 40 mil padres, segundo se calcula, que
deixaram o ministério na década seguinte ao Concílio.
Porém, continuava em marcha a recepção do Concílio Vaticano II a todo
o vapor, abrindo portas para novas formas de ser Igreja no meio do
povo. Destaque-se o movimento bíblico, o catequético, o litúrgico
somados a uma revisitação do pensamento patrístico.
No Brasil, durante o Concílio fomos ajudados pelo Plano de Emergência
(1962-1965) e para a implementação do Concílio tivemos o Plano de
Pastoral de Conjunto (1966-1970). E com o recrudescimento do regime
ditatorial militar, sobretudo depois da edição do Ato Institucional 5
(AI5), em dezembro de 1968, a Igreja no Brasil foi tomando cada vez mais
posições proféticas em defesa dos direitos humanos, da liberdade de
expressão, da liberdade política, dos direitos dos pobres e excluídos em
geral, que combinavam de maneira surpreendente com a renovação de toda a
Igreja.
4. Na segunda década pós-conciliar, que abrange os anos de 1973 a
1982, ainda há um grande frescor na ação eclesial calcada nas decisões
conciliares, mas já começam a aparecer sinais de revisão de alguns
passos dados. Na fala do teólogo João Batista Libânio, no final da
década de setenta, emerge uma grande movimentação eclesial em torno da
volta à grande disciplina. Como Libânio chama a atenção, não podemos
analisar o Papa Paulo VI somente no prisma dos últimos ou mais
exatamente do último ano de seu pontificado, mas é bastante
significativo o tom negativo de suas alocuções a cerca do movimento de
renovação da Igreja. O acento negativo de Paulo VI era tão notório que o
Papa João Paulo I, nos seus 33 dias de pontificado, retomou o tema da
conservação da grande disciplina na Igreja, mas foi seu sucessor, João
Paulo II que impulsionou o movimento restauracionista, de forma gradual e
progressiva. Em janeiro de 1979, a poucos meses de sua ascensão ao
papado, João Paulo II, no discurso da abertura da III Conferência Geral
do Episcopado Latino Americano, na cidade mexicana de Puebla, chamava os
bispos à responsabilidade em relação à pureza da doutrina e condenava
as releituras do evangelho.
“Ora bem, hoje em dia e por muitas partes — o fenômeno não é novo —
correm «releituras» do Evangelho, resultado de especulações teóricas
mais do que de autêntica meditação da Palavra de Deus e de um verdadeiro
compromisso evangélico.”
No mesmo discurso, onde apela aos bispos que atuem como mestres da
verdade, sobretudo tendo uma cristologia e uma eclesiologia seguras e
firmes, de acordo com o Magistério, o Papa João Paulo II alertava para
que a palavra do Magistério fosse acatada como palavra divina, não de
homens.
“Como se poderia fazer uma autêntica evangelização, se faltasse um
acatamento pronto e sincero do sagrado Magistério, com a consciência
clara de que, submetendo-se a ele, o Povo de Deus não está a aceitar uma
palavra de homens, mas sim a verdadeira Palavra de Deus?”
Puebla não conseguiu reeditar a profecia de Medellin e já encontrou
os bispos latinoamericanos profundamente divididos por duas alas
classificadas pela imprensa como conservadores e progressistas. O
Documento final conseguiu assegurar a opção pelos pobres, porém já
adjetivada de preferencial e não excludente. A igreja no Brasil
trabalhou muito bem a recepção deste Documento, na perspectiva de
continuidade com Medellin.
É bom, por outra parte, destacar que nessa década, de 1972 a 1982, o
Papa Paulo VI promulgou a belíssima Exortação Pós-Sinodal sobre a
evangelização – “Evangelii Nuntiandi”, reconhecendo o valor das CEBs e
da Teologia da Libertação. Esse documento, mutatis mutandis, se enquadra
na perspectiva eclesiológica que Paulo VI já havia adotado na sua
Encíclica Ecclesiam Suam, sobre os caminhos da Igreja, de agosto de
1964, ainda durante o Concílio.
No final da segunda década pós-conciliar, em 1981, assume o cargo de
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apontando pelo Papa João
Paulo II, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, cargo que manteve até ao
falecimento do Beato João Paulo II. O cardeal Ratzinger já era conhecido
do mundo acadêmico teológico pois atuou no Concílio Vaticano II como
perito e em 1972, junto com os teólogos Hans Urs Von Balthasar e Henri
De Lubac, tinha fundado a revista Communio, com a qual pretendia dar uma
resposta positiva à crise teológica e cultural que despontou no período
pós-conciliar.
5. A terceira década pós-conciliar, de 1983 a 1992, será
caracterizada como a década do movimento restauracionista eclesiástico,
sob a tutela do Beato Papa João Paulo II e do então Cardeal Ratzinger.
Em 1985, para celebrar os vinte anos da clausura do Concílio Vaticano
II, o Papa convoca um Sínodo dos Bispos, recheado de temas polêmicos,
sobre o de revisar a natureza das Conferências Episcopais. Embora um
pouco longo, creio que é importante retomar a reflexão do falecido bispo
de Bauru, Dom Cândido Padin, a cerca deste Sínodo.
“Cercado de uma tensa expectativa, realizou-se em Roma o Sínodo dos
Bispos, convocado pelo Papa João Paulo II, tendo por objetivo uma
avaliação global da aplicação das orientações do Concílio Vaticano II,
por ocasião do 20º aniversário do encerramento do Concílio. Não faltaram
manifestações de temor no sentido de poder transformar-se o sínodo em
uma atitude de retrocesso quanto às conquistas alcançadas na renovação
da Igreja.
Tais temores tinham algum fundamento. Alguns cardeais da Cúria Romana
tinham se manifestado, apontando eventuais desvios na aplicação dos
documentos conciliares e pedindo que se freassem certas tendências
resultantes de interpretações consideradas abusivas. Na verdade, tais
manifestações não significavam apenas o desejo de corrigir verdadeiros
desvios ou erros, mas revelavam uma inegável corrente conservadora e,
até certo ponto, fundamentalista, muito mais preocupada em impedir
legítimas transformações na pastoral da Igreja.
Essa corrente ficou claramente configurada pela longa entrevista do
cardeal J. Ratzinger, publicada em forma de livro: A Fé em Crise? As
críticas que ele faz à realidade da Igreja pós-conciliar caracterizam,
por um lado, interpretações teológicas tipicamente acadêmicas, próprias
de uma mentalidade "européia" que se considera a única forma cultural
legítima de pensar. Implicitamente considera que o Terceiro Mundo não é
capaz de gerar pensamento teológico original, dependendo sempre dos
padrões europeus.
As conclusões do Sínodo não seguiram em tudo o pensamento do Prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, muito pelo contrário, reafirmou
as Conferências Episcopais, legitimou as comunidades Eclesiais de Base e
reconhece a eficácia da atuação da Igreja engajada em processos
libertários.
"... deve ser posta a pergunta por que, no assim chamado Primeiro
Mundo, depois de tão ampla e profunda explicação da doutrina sobre a
Igreja, se manifesta com muita freqüência uma falta de afeto para com a
Igreja, embora ali sejam abundantes os frutos do Concílio. Ao contrário,
onde a Igreja é oprimida por ideologias totalitárias ou levanta a sua
voz contra as injustiças sociais, parece que ali ela é aceita de modo
mais positivo. Todavia, não se pode negar que, também nesses lugares,
nem todos os fiéis tenham uma plena e total identificação com a Igreja e
com a sua missão primária".
Porém, os questionamentos do Cardeal Ratzinger presente no seu livro
“A Fé em Crise?”, não tardariam a encontrar um espaço próprio no
movimento eclesiástico de restauração. Já havia sido publicado pela
própria Congregação para a Doutrina da Fé um documento, em 1984, visando
corrigir a ala mais progressista da Igreja, sob o título de Libertatis
Nuntius - “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação” e,
logo depois do Sínodo, um outro texto um pouco mais ameno Libertatis
Conscientia – Sobre a liberdade cristã e a libertação. Vivia-se na
Igreja um clima de suspeita contra as correntes mais progressistas e
vários teólogos mais avançados começavam a sofre restrições no exercício
de seu ministério acadêmico. Dentre outros, é o caso do Leonardo Boff
submetido ao silêncio obsequioso em 1985, pelo então Cardeal Prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé.
Interessante que esse momento de recrudescimento das forças
doutrinais no interior da Instituição Católica coincidia com o movimento
de redemocratização do Brasil. A combinação dessas duas grandezas
corrobora e muito para o movimento de volta à sacristia, ao toque de
recolher eclesiástico, diminuindo a presença pública da Igreja e
arrefecendo sua profecia.
Essa década se encerra com as celebrações dos Quinhentos Anos de
América, evento bastante controvertido, pois havia quem celebrasse a
alegria da chegada da Boa-Nova de Jesus Cristo ao Continente, mas outros
que diziam que a Boa-Nova não foi tão boa para as nações indígenas que
habitavam nessas terras. Para celebrar tal efeméride, o CELAM realizou
na capital da República Dominicana a sua IV Conferência Geral. Santo
Domingo foi palco de muitos conflitos, durante tal evento. A Cúria
Romana se fez presente de maneira acachapante. A primeira questão em
jogo foi o método indutivo, adotado pela ala mais progressista da Igreja
nas Conferências anteriores, sobretudo em Medellin. Tal método,
consagrado pela Ação Católica, parte da reflexão sobre a realidade, para
depois confrontá-la com a Palavra de Deus para, depois, traçar pistas
concretas de ação. Os Cardeais da Cúria Romana quiseram impor um método
mais dedutivo, partindo da Doutrina ou das “iluminações”, como eles
chamaram. Santo Domingo perdeu bastante o brilho de Medellín e de Puebla
e seu documento final já não causou tanto impacto na Igreja do
Continente.
6. A quarta década pós-conciliar, de 1993 a 2002, ia tornar ainda
mais explícita a opção da Instituição pelos novos movimentos. Emerge com
alguns deles uma forte saudade do modelo tridentino. Embora tenham, na
sua maioria, raízes pré-conciliares, com exceção de Comunhão e
Libertação e Arautos do Evangelho, é na gestão do Papa João Paulo II e
Cardeal Ratzinger que eles ganham força total no interior da Igreja.
Frente às fortes ondas de descristianização na Europa, eles acreditam
que os movimentos são os meios mais eficazes para frear tal fenômeno e
trazer de volta à Igreja os afastados. As paróquias já não apresentam a
força missionária suficiente para os processos evangelizadores.
Desta forma, os movimentos de estrutura trans-diocesana, nacional ou
internacional, cujo aparecimento é saudado como um período de
pentecostes na Igreja ou como a primavera anunciada pelo Concílio, vão
se estruturando e ganhando amplo espaço na Igreja. Assim se expressava o
Papa João Paulo II: “O grande florescimento destes movimentos e as
manifestações de energia e de vitalidade eclesiástica que os
caracterizam certamente podem ser considerados como um dos mais belos
frutos da vasta e profunda renovação espiritual promovida pelo último
concílio” (Urquhart, p. 18).
Esse entusiasmo do Beato João Paulo II se entende quando se defronta
com a situação em que ele foi alçado ao pontificado. Tudo o que havia
acontecido depois do Concílio Vaticano II o preocupava por demais. O
abandono do ministério que atingiu o clero; religiosos que deixaram suas
ordens e congregações; movimento de teólogos que reclamavam por mais
abertura à reflexão e menos doutrina; os leigos e leigas reivindicando
maior autonomia, inclusive frente às orientações doutrinais da
hierarquia, como acontece em relação à Encíclica Humane Vitae:
engajamento de padres e religiosas na esfera dos movimentos políticos,
lutando por mais e justiça no mundo; simpatia de muitos membros da
Igreja pela doutrina marxista e outras frentes de luta assumidas por
clérigos e religiosas. João Paulo II se considerava um homem do Concílio
Vaticano II, mas com sua hermenêutica marcada pelo contexto polonês.
“Seu programa como papa deveria, por conseguinte, devolver a ordem ao
caos da Igreja pós-conciliar: estancar o êxodo de padres, religiosos e
freiras; trazer de volta à obediência os teólogos insubordinados;
reimpor a doutrina tradicional, especialmente no campo da moralidade
sexual, que ele considerava imutável” (Urquhart, p. 18). Para esse seu
programa, de maneira especial voltado para a Europa, ele passou a contar
com os novos movimentos como uma espécie de exército fiel em ordem de
batalha.
Alguns deles como a Opus Dei, o Movimento dos Focolares, as
Comunidades Neocatecumenais, os Legionários de Cristo, a Comunhão e
Libertação e mais recentemente Arautos do Evangelho merecem destaque. No
Brasil, o movimento carismático impregnou praticamente quase todos os
demais movimentos de um tipo de espiritualidade centrada na ação do
Espírito Santo, nas formas emocionalistas e subjetivistas.
O Movimento Carismático recebeu tal nome por Harald Bredesen, um
ministro luterano, em 1962, para descrever o que estava acontecendo
naquele momento nas igrejas de linha antiga, mas a gênese do Movimento
Carismático, porém, é atribuído por vários à Dennis Bennett, um
sacerdote episcopal, em 1960. Já em 1967 encontra-se entre os católicos
tal tendência e é por essa época que chegam ao Brasil os jesuítas
norte-americano, Pe. Haroldo Rahn e Pe. Eduardo Dougherty, que começam a
pregar retiros denominados de Retiros no Espírito e divulgam os livros
“Foge, Nicky, Foge” de Nicky Cruz e Jamie Buckingham e “A Cruz e o
Punhal” de David Wilkerson, autores norte-americanos que relatam a
história de conversões de jovens do mundo da droga.
Também merece destaque a passagem do milênio, com ampla programação
da parte do Vaticano, com uma comissão central pró-jubileu, e da parte
das Conferências Episcopais. No Brasil, a CNBB comandou um projeto de
evangelização com o título Rumo ao Novo Milênio. Tal projeto teve ampla
aceitação nas Igrejas locais e praticamente nula a adesão dos
movimentos. Dois textos bastante interessantes foram publicados pelo
Papa João Paulo II – Tertio Millenio Adveniente e Novo Millenio Ineunte,
o primeiro em preparação às celebrações do ano 2000 e o segundo
convocando a Igreja para dar respostas aos desafios que se aproximavam
já primeira década do milênio.
Podemos, porém, dizer que essa década foi caracterizada como aquela
em que os movimentos se firmaram no seio da Igreja, sobretudo no Brasil.
É a década também que verá o Beato Papa João Paulo II ir demonstrando a
perda de sua força física e o crescente domínio da Cúria Romana no
governo da Instituição. Na verdade, depois de se recuperar e bem da
tentativa de assassinato de 1981, e ostentar ótima condição física ao
longo da década de 1980, em novembro de 1993, ele escorregou em um
pedaço de carpete recém-instalado e caiu vários degraus, quebrando o
ombro direito. Quatro meses mais tarde, ele caiu em sua banheira,
quebrando seu fêmur, resultando em uma visita a Policlínica Gemelli para
uma substituição do quadril. Ele raramente andou em público após isso, e
começou a ter a fala arrastada e dificuldade em ouvir. Suspeitava-se
que o pontífice estivesse com a doença de Parkinson, embora tenha sido
revelado apenas em 2001 pelo cirurgião ortopédico italiano, Dr.
Gianfranco Fineschi. A administração do Vaticano finalmente confirmou
que em 2003, depois de mantê-la em segredo por 12 anos.
7. A década atual, de 2003 a 2012, pode ser organizada por um antes e
depois do Beato João Paulo II (02/04/2005) ou pela ascensão do Prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Ratzinger, ao
pontificado, sob o nome de Bento XVI (19/04/2005). Duas personalidades
bem diferentes mostram ao mundo dois estilos de governo da Instituição
Católica. O Beato tinha muita facilidade para lidar com os Meios de
Comunicação Social e ocupava constantemente a mídia; o Papa Bento XVI,
embora se esforce muito em seu contato com a sociedade, é bastante
retraído e tímido. Com sua maneira franca e aberta de expor o que pensa,
já causou alguns problemas que deixaram sua imagem bastante arranhada
junto à opinião pública e até mesmo dentro da Igreja.
Antes de entrar nos pontos chaves desse pontificado amado por uns e
com muitas reservas por outros, cabe registrar a realização da V
Conferência do CELAM realizada em Aparecida. Nas suas vésperas, temia-se
pelo posicionamento mais à direita dos bispos latino-americanos,
sobretudo por causa da onda de governos mais à esquerda em vários países
do Continente. Os adeptos das CEBS, opção pelos pobres, teologia da
libertação e outros setores avançados da Igreja montaram um acampamento
nas proximidades do palco do evento e aí realizaram palestras, momentos
de oração e muito bate-papo sobre a conjuntura eclesial. Se a
Conferência de Aparecida não avançou muito, também não significou o
retrocesso temido. O que marcou no pós-evento foi a adulteração do texto
aprovado, da parte dos dicastérios romanos. Com a informática em pleno
vapor, o documento aprovado pelos bispos em Aparecida já estava
circulando quando foi publicado o texto aprovado por Roma. Aí se
constatou uma série de adulterações, bem à direita, sobretudo no texto
que falava sobre as CEBs. O certo é que Aparecida teve uma recepção
bastante fraca na comunidade eclesial e hoje quase sumiu da pauta das
reuniões eclesiais.
Passemos, agora, às marcas mais significantes do atual pontificado, de Bento XVI
8. Crise de credibilidade e Projeto restauracionista da Igreja.
Desde a publicação de uma longa entrevista concedida ao jornalista
italiano Vitório Messori, em 1985, o Papa Bento XVI, na época Prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, deixou claro que tinha em mente um
projeto de restauração eclesiástica. Por isso, embora de maneira
diferente, pode-se dizer que seu programa papal aponta para a
continuidade de tal projeto iniciado nos tempos do pontificado do Beato
João Paulo II. O atual Papa nunca escondeu seu ponto de vista sobre o
Concílio Vaticano II e se propôs a colocar ordem na casa frente àquilo
que ele chama de estragos que certa hermenêutica do Concílio provocou na
Igreja. Afirmou em 1985: “É incontestável que os últimos vintes anos
foram nitidamente desfavoráveis para a Igreja católica” e, com isso,
defendia certo processo restauracionista, que, segundo ele, não seria
uma volta atrás, mas “uma busca de um novo equilíbrio, após os exageros
de uma indiscriminada abertura ao mundo, após as interpretações por
demais positivas de um mundo agnóstico e ateu”.
Afago aos bispos lefebrvistas. Já no final do pontificado de João
Paulo II, o Cardeal Joseph Ratzinger iniciou contatos freqüentes com ala
mais conservadora e integrista da Igreja em busca de comunhão oficial.
Esses contatos foram intensificados depois de sua ascensão à papa, em
2005. O cardeal colombiano, extremamente conservador, Dario Castrillón,
encarregado da Comissão Ecclesia Dei, assumiu diretamente essa tarefa.
Foi o mesmo cardeal que em 2002 veio ao Brasil, na Diocese de Campos, e
promoveu a reintegração da ala lefreviana à Igreja, reconhecendo o
bispo, Dom Fernando Áreas Rifan, (embora sagrado pelo Cardeal da Cúria
Romana, Dom Castrillón Hoyos, Dom Rifan continua com as mesmas práticas
de quando era padre) como administrador apostólico da Administração
Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. Desde então a diocese de
Campos convive com a ambigüidade de ter dois bispos católicos na mesma
cidade. Uma comunhão um tanto estranha, que a CNBB teve de reconhecer e
incorporar o tal bispo nos seus quadros.
Portanto, o afago aos bispos de Lefebvre não é um ato isolado e faz
parte de uma série de sinais que apontam o recrudescimento do programa
de restauração da Igreja empreendido pelo Vaticano desde a subida de
João Paulo ao trono de Pedro e do cardeal Ratzinger à Congregação para a
Doutrina da Fé.
Comunhão na Igreja e Dominus Iesu. Em 1992, a Congregação para a
Doutrina da Fé publicou um documento que teve pouca repercussão, mas
demonstrava o que o Vaticano entendia por comunhão na Igreja "Carta aos
Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da Igreja entendida como
comunhão" (28 de Maio de 1992). Porém, mais enfática foi a declaração
"Dominus Iesu", sobre a Unicidade e a Universalidade salvífica de Jesus
Cristo e da Igreja, publicada em 16 de junho de 2000, que provocou
enormes reações no mundo ecumênico, pois a declaração afirmava que as
Igrejas da reforma não eram verdadeiramente Igrejas, somente a católica.
Certos aspectos da doutrina sobre a Igreja. Quando a poeira parecia
baixar, a Congregação para a Doutrina da Fé, em junho de 2007, publicou
com a aprovação do papa Bento XVI o documento “Respostas a algumas
perguntas sobre certos aspectos da doutrina sobre a Igreja”. Volta a
reafirmar que a única Igreja de Cristo é a Católica Apostólica Romana,
tentando corrigir aquilo que o documento chama de “interpretações
erradas” da Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano
II.
Motu Proprio Summorum Pontificum. Em 7 de julho de 2007, o Vaticano
publicou o Motu Proprio Summorum Pontificum que autoriza a missa em
latim. O problema é que com isso se retoma a oração pela conversão dos
judeus, instituída no Concílio de Trento de 1570, que na reforma
instituída por Paulo VI tinha sido modificada substancialmente.
Ora, quando o Papa Bento XVI fala que “Se o lermos e recebermos
guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada
vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja”
e toma tais atitudes gera em nós uma questão: a justa hermenêutica do
Concílio abrange fazer concessões a quem é contra o Concílio?
Nesse enquadramento se entende melhor uma série de episódios
eclesiásticos que vem corroem a credibilidade da Igreja católica no
mundo.
Discurso em Regensburg. Nem mesmo o forte apoio dos movimentos
integristas tem conseguido evitar um clima de crise pela qual passa o
Vaticano: a da credibilidade. Desde o imbróglio criado com os muçulmanos
naquela fala do Papa Bento XI, na Universidade de Regensburg (Alemanha)
em setembro de 2006, o relacionamento com a sociedade não tem sido nada
fácil para o Vaticano. Guardadas as devidas proporções, podemos dizer
que esse evento teve um efeito para a Igreja quase tão desastroso quanto
o 11 de setembro norte-americano. Porém, até com certa habilidade se
tentou convencer os muçulmanos que a afirmação papal não era tão
drástica como parecia. O papa lamentou que alguns fragmentos de sua fala
tenham sido considerados tão ofensivos. Bem, basta ver os tais
fragmentos e a força que eles tem por si mesmo. “Mostre-me também aquilo
que [o profeta] Maomé trouxe de novo, e encontrarás somente coisas más e
desumanas, com sua diretiva de difundir por meio da espada a fé que ele
predicava. Deus não gosta de violência; não atuar segundo a razão é
contrário à natureza de Deus".
Caso Williamson. Quando se pensa que um conflito está resolvido, vem
outra bomba, agora envolvendo o mundo judaico. O afago do Vaticano aos
bispos seguidores de Lefebvre incluiu um bispo francamente negacionista
do holocausto judaico. Richard Williamson, nasceu na Grã-Bretanha, era
pastor anglicano e se converteu ao catolicismo. Depois do Concílio se
integrou à corrente chefiada pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, que
o ordenou em 1989. Dirigiu o Seminário da Fraternidade São Pio X, em
Winoma, Estados Unidos, e em 2004 foi para a Argentina.
Esse caso demonstra, no mínimo, como anda mal a comunicação no
Vaticano. “A assinatura da revogação da excomunhão foi dada no dia 21 de
janeiro; dois dias antes, dia 19, Der Spiegel tinha noticiado a
entrevista-bomba que Williamson concedeu a uma televisão sueca, em que
negava o Holocausto dos judeus e a existência das câmaras de gás. É
possível que ninguém se informara disso no Vaticano? Por acaso o Papa e o
seu secretário pessoal, monsenhor Georg Genswein, ambos bávaros, não
leem a imprensa alemã? Não foi possível adiar o perdão até que
Williamson se retratasse?”
O caso Williamsonn vai além de seu anti-semitismo. Ele também
“sustentou que a queda das Torres Gêmeas foi um auto-tentado, que judeus
e mórmons são “inimigos de Cristo”, que é um disparate que as mulheres
usem calças compridas ou vestido curto, que Pinochet foi um grande
estadista.”
Não foi só o mundo judaico que se ofendeu com a reabilitação desse
senhor anti-semita, mas todo o povo alemão, que mereceu de sua primeira
ministra uma palavra de profundo pesar pela atitude do Vaticano. Esse
episódio abriu uma profunda ferida no relacionamento Igreja e povo judeu
de difícil cicatrização.
Caso Wagner na Áustria. Na série de medidas conservadoras, inclui-se a
indicação de um bispo auxiliar na Áustria, Gerhard Maria Wagner, que
prega ser o furacão Katrina uma vingança de Deus contra os pecadores de
Nova Orleans e que a série Harry Potter é satânica. Depois da reação da
Igreja da Áustria contra essa indicação, o Vaticano suspirou aliviado
quando o próprio indicado pediu para não aceitar a nomeação. O pior é
que essa nomeação foi associada ao caso do perdão aos bispos
lefebvrianos, como dá a entender a mensagem apostólica divulgada pelos
bispos austríacos, convocados pelo cardeal Christoph Schoenborn,
arcebispo de Viena, para tratar do caso Wagner. Nessa mensagem destacam
que os quatro seguidores de Lefebvre foram perdoados por Bento XVI mas
não regressaram “automaticamente” à Igreja. No final da mensagem há uma
crítica meio velada ao Vaticano. “Esperamos que consigam melhorar os
insuficientes processos de comunicação também no Vaticano, de modo que o
serviço universal do Papa não seja coberto de sombras”.
Caso Haight, Jon Sobrino, Jacques Dupuis, Peter C. Phan, Queiruga,
Pagola e outros. As heresias da ala conservadora não preocupam o
Vaticano, porém, as reflexões mais abertas no campo teológico recebem
reprimendas rapidamente. Nessa perspectiva, o teólogo Jon Sobrino
recebeu uma notificação da Congregação para a Doutrina da Fé sobre sua
cristologia, que para o Santo Ofício parece acentuar por demais o Jesus
histórico em detrimento do Cristo da fé. Já o teólogo Roger Haight, de
75 anos, depois de ser notificado pela mesma Congregação em 2004 e ser
acusado de causar graves danos aos fiéis por causa do livro Jesus,
Símbolo de Deus, recebeu em janeiro de 2009 ordens para parar de ensinar
e publicar sobre assuntos teológicos.
Peter Phan, vietnamita, que leciona nos EUA, é outro teólogo acusado
de abrir debate sobre o papel de Cristo como ‘único e universal salvador
do mundo’. Ele é o quarto teólogo de primeira linha que acaba submetido
a um processo depois da publicação da Dominus Iesu. Antes dele e pelos
mesmos motivos a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano havia
emitido notificações contra os três jesuítas Jacques Dupuis, em 2001,
Roger Haight, em 2004, e Jon Sobrino, em 2006.
Correu um processo contra o teólogo galego, Andrés Torres Queiruga na
Comissão de Doutrina da Fé da Espanha. Segundo a agência de notícias
“religion digital” a sua condenação teria estado pronta. E agora, mais
recentemente a Congregação para a Doutrina da Fé abriu um processo
contra o livro Jesus - Aproximação Histórica, do teólogo basco José
Antonio Pagola, embora a nona edição revisada da obra tenha o Imprimatur
do ex-bispo de São Sebastián, Juan María Uriarte.
Em recente publicação, a revista Concilium, nº. 2 de 2012, trata do
tema da relação entre Bispos e Teólogos, e elenca uma série de processos
tocados pela Comissão para Doutrina da Fé da Conferência
Norte-Americana de Bispos, contra vários teólogos e teólogas, destacando
o conflito com a Sociedade dos Teólogos Católicos da América.
Em 2007, a professora Elizabeth Johnson publicou Quest for the Living
God (Em busca do Deus vivo). Quatro anos depois, em março de 2011, a
Comissão para Doutrina da Fé emitiu uma nota em que se afirma que o
livro de Johnson está cheio de "distorções, ambiguidades e erros". Em
2010, a mesma Comissão havia emitido um comunicado que expressava duras
críticas sobre o trabalho de dois teólogos norte-americanos, Todd A.
Salzman e Michael Lawler, pelo seu livro The Sexual Person (A pessoa
sexual).
Caso de abusos sexuais na Igreja. Representantes de 110 conferências
episcopais e 30 ordens religiosas estiveram reunidos em Roma, de 6 a 9
de fevereiro, para um simpósio sobre os casos de abusos sexuais na
Igreja chamado de Rumo à Cura e a Renovação. A iniciativa é da
Universidade Pontifícia Gregoriana, de Roma, e conta com o apoio da
Santa Sé, em particular da Congregação da Doutrina da Fé, que em 2011
solicitou aos episcopados católicos de todo o mundo a elaboração de
diretivas próprias para tratar os casos de abusos sexuais.
Sem sombra de dúvidas, os casos de abusos sexuais envolvendo os
clérigos católicos é o fato que mais contribuiu para aumentar a crise de
credibilidade na Instituição católica. Durante o simpósio vários
discursos de lideranças eclesiásticas foram enfáticos no sentido de se
combater com todas as forças e sem conivência qualquer caso de abuso
sexual no seio da Igreja.
O simpósio também contou com testemunhos de vítimas, tais como, o de
Marie Collins agora é uma senhora irlandesa de 62 anos. Aos 13 anos, ela
foi abusada sexualmente diversas vezes por um sacerdote, o capelão do
hospital onde ela estava hospitalizada. Ela foi a primeira a falar no
simpósio sobre os abusos cometidos por religiosos contra menores.
O Promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Mons.
Charles Scicluna afirmou que “o problema e a grande preocupação é com a
Europa, onde emergiram ou estão emergindo muitos casos. Portanto, a
Igreja tem a obrigação de cuidar das vítimas de abusos e de ajudá-las em
seu percurso de cura, mas, sobretudo, tem a obrigação de denunciar tais
crimes às autoridades civis do país em que eles se verificaram”. Ele
também responsabilizou os bispos e disse: "Precisamos estar vigilantes
na escolha dos candidatos para o importante papel de bispo e também
precisamos usar as ferramentas que o direito canônico e a tradição nos
dão para a responsabilização dos bispos".
O cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, em
sua homilia, falou da "grande vergonha" e do "enorme escândalo", e
definiu como uma "tragédia" esses atos abomináveis que têm como
protagonistas sacerdotes e religiosos, um "crime que causa uma autêntica
experiência de morte dos inocentes". "Como membros da Igreja devemos
ter a coragem de pedir perdão a Deus e aos pequenos que foram feridos".
Falando sobre os Estados Unidos, Michael Bemi e Pat Neal forneceram
estimativas que sugerem que a Igreja norte-americana gastou pelo menos
2,2 bilhões dólares pagando litígios relacionados com a crise, e que
pode ter havido um total de cerca de 100 mil vítimas de abuso sexual
clerical. E rejeitaram o que descreveram como quatro "mitos" sobre a
crise, que seriam: 1. A crise é um problema norte-americano; 2. A crise
foi exagerada por uma mídia sem Deus que é antagônica a pessoas ou
instituições de fé; 3. A crise foi instigada por advogados avarentos,
cujo único objetivo é enriquecer financeiramente; 4.A orientação
homossexual faz com que os homens sejam criminosos sexuais. “Nem a
orientação homossexual nem a heterossexual são um fator de risco",
disseram, "mas, sim, a orientação sexual desordenada ou confusa”.
Como o ato final do simpósio sobre a crise dos abusos sexuais, é
lançado um novo "Centro de Proteção à Criança", sediado na Internet e
projetado para formar padres, diáconos e outros membros da Igreja na
luta contra o abuso infantil. De acordo com o diácono alemão Hubert
Liebhardt, cientista educacional que atua como diretor do novo centro,
seu objetivo é "promover uma cultura da vigilância em ambientes
católicos".
Embora muito do que foi dito era familiar às pessoas que tem
convivido com a crise na última década, a ideia era compartilhar essa
experiência com o restante do mundo católico, especialmente lugares onde
a crise dos abusos sexuais ainda não explodiu, na esperança de que, por
uma vez, as lideranças eclesiais possam desarmar a bomba antes que ela
exploda.
Corrupção nas finanças vaticanas. O atual núncio da Santa Sé nos EUA
e ex-secretário geral do Governatorato da Cidade do Vaticano – o
governo que administra o Estado –, o arcebispo Carlo Maria Viganò,
denunciou em uma carta a Bento XVI a "corrupção e má gestão" na
administração vaticana, informou a imprensa italiana nesta quarta-feira,
25 de janeiro. "Beatíssimo Padre, uma transferência minha provocaria
desorientação naqueles que acreditaram que era possível sanar tantas
situações de corrupção e de prevaricação há muito tempo enraizadas na
gestão das diversas direções" do governo vaticano, escreveu Viganò ao
papa. Em outro trecho da carta afirma: “Jamais pensaria em me encontrar
diante de uma situação tão desastrosa, que, apesar de ser inimaginável,
era conhecida por toda a Cúria.
O arcebispo denunciou, segundo o jornal de Milão, que, no Vaticano,
"trabalham sempre as mesmas empresas, com custos dobrados em relação a
outras, até porque não existe nenhuma transparência na gestão dos
contratos de construção e de engenharia".
Ele também denunciou, dentre outras coisas, que a Fábrica de São
Pedro, que se encarrega da manutenção dos edifícios vaticanos,
apresentou uma conta "astronômica" de 550 mil euros para a construção do
tradicional presépio, que foi colocado na Praça de São Pedro em 2009.
Viganò também denunciou que os banqueiros que integram o chamado
"Comitê de Finanças e Gestão" se preocupam mais com os seus interesses
"do que com os nossos" e que, em dezembro de 2009, em uma operação
financeira "queimaram (perderam) 2,5 milhões de dólares".
O prelado relatou em suas cartas ao papa que, durante a sua gestão,
conseguiu que o Vaticano passasse de oito milhões e meio de déficit em
2009 para um lucro de 34,4 milhões em 2010.
Essa questão de falta de transparência na gestão econômica do
Vaticano não é nova e está relatada com muitos documentos no livro:
Vaticano S.A – O arquivo secreto que revela escândalos políticos e
financeiros da maior Instituição religiosa do mundo, de Gianluigi Nuzzi,
da editora Larousse.
Vatileaks
Esses escândalos, publicados nas primeiras páginas dos jornais
italianos, levantam suspeitas fortes de corrupção na gestão do Vaticano,
na aplicação da normativa contra a lavagem de dinheiro de seu banco, o
Instituto para as Obras de Religião (IOR), e, por fim, sobre um suposto
complô contra o Papa. Frente a isso, o Papa Bento XVI criou uma comissão
formada por três cardeais - Julián Herranz, Josef Tomko e Salvatore De
Giorgi - para investigar a fuga reiterada de documentos internos. Tais
documentos se constituem numa série de cartas confidenciais dirigidas ao
papa Bento XVI sobre temas delicados, como as intrigas do Vaticano ou
os escândalos sexuais do padre mexicano Marcial Maciel, amigo do Beato
João Paulo II.
No dia 25/05/2012, magistrados do Vaticano acusaram o mordomo do Papa
Bento XVI, Paolo Gabriele, por posse ilegal de documentos secretos,
depois de terem achado tal material em sua residência. Ele foi detido,
mas ninguém, nem mesmo a Santa Sé, acredita que Paolo Gabriele esteja só
nessa empreitada. Como corre no Vaticano o boato sobre um possível
ataque contra o Papa, até o fim deste ano, esse episódio pode estar
relacionado com a possível luta interna pelo poder e a aplicação das
normas de transparência editadas pelo Papa.
Poucos dias antes da detenção de Gabriele, o Banco do Vaticano (IOR)
destituiu seu presidente, Ettore Gotti Tedeschi, “por não ter cumprido
com as obrigações do cargo” e por despertar “preocupações” pela sua
gestão. A imprensa italiana acredita que Tedeschi também tenha vazado
documentos oficiais do Vaticano.
Complô contra Bento XVI
Uma nota anônima datada de 30/11/2011 foi entregue pelo cardeal
colombiano Dario Castrillón Hoyos à Secretaria de Estado e ao secretário
do papa nos primeiros dias de janeiro, com a sugestão de realizar
investigações para compreender exatamente o que o arcebispo de Palermo, o
cardeal Paolo Romeo fez e com quem falou na China. O que foi relatado é
a existência de um complô para matar o Papa até novembro deste ano.
Sempre circulam lendas sobre conspirações vaticanas, e foram escritos
muitos livros sobre a morte suspeita de João Paulo I. Mas aqui estamos
diante de um ineditismo absoluto. Ninguém jamais havia colocado preto no
branco a hipótese de um complô para matar o papa. Um complô que poderia
se realizar daqui a novembro próximo e que está inserido no documento
dentro de uma análise inquietante das divisões internas da Igreja.
A nota ainda faz referência a possíveis intrigas entre o Secretário
de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, e parte significativa
da Cúria Romana. Afirma que o próprio Papa estaria tendo dificuldades de
relacionamento com o Cardeal Bertone. Fala ainda da sucessão do Papa,
apontando que seu candidato é o Cardeal de Milão, Angelo Scola, muito
próximo do movimento Comunhão e Libertação.
O Papa Ratzinger pensa na renúncia. Essa é a opinião de Dom Luigi
Bettazzi, bispo emérito de Ivrea, dada no programa de Radio. O bispo não
acredita que exista um complô para matar o Papa, como especulado pela
imprensa. "Não, não acredito. Se fosse o papa anterior, eu entenderia,
mas este papa aqui me parece muito manso, religioso. Não poderia
encontrar os motivos para atacá-lo". Bettazzi, porém, tem outra teoria,
de algum modo relacionada com a notícia. "Acho que é um sistema para
preparar a eventualidade da renúncia. Para preparar esse choque – porque
a renúncia de um papa seria um choque – começam a jogar ali a coisa do
complô".
Diante dessa boataria, o Cardeal amigo do Papa, Walter Kasper,
respondendo a um repórter que lhe perguntava: O que está acontecendo,
eminência?, respondeu:
“Veja, eu não sei se são disputas de poder ou outra coisa, e não me
interesso por isso. Não está muito claro o que propõem. Talvez se queira
prejudicar o secretário de Estado, atingir outras pessoas também.
Certamente, o que está em jogo é a imagem de toda a Igreja. Mesmo que a
nota anônima que foi entregue à imprensa esteja fora da realista, que
seja ridícula: todo mundo é consciente disso, é a evidência.
Exatamente: além do conteúdo, o problema é que, dentro do Vaticano, há alguém que faz filtrar essas coisas para o exterior...
Eu não sei nem nunca soube muito sobre os assuntos internos do
Vaticano. Nunca quis saber sobre esses lobbies, não me interessam, sou
um estrangeiro na Cúria! E eu tentei fazer o meu trabalho. Por isso, sei
como o papa se entristece com essas coisas. ”
Em outro momento da mesma entrevista, diz: “esse episódio também
mostra um clima de burocracia interna, um estilo de trabalho que não vai
bem. Não em todos, claro. Muitos trabalham pela Igreja. Mas quem faz
essas coisas é um irresponsável.”
Alberto Melloni, professor de História do Cristianismo da
Universidade de Módena-Reggio Emilia e diretor da Fundação João XXIII
para as Ciências Religiosas de Bolonha, interrogado sobre os vatileaks,
os relaciona diretamente à perseguição ao Cardeal Bertone: “Me parece um
ataque contra o Papa por parte daqueles que querem dizer: te
equivocaste ao escolher o secretário de Estado e te equivocaste ao não
substituí-lo...”.
O livro do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, Sua Santidade. Os
papéis secretos de Bento XVI, traz correspondência privada interna, do
Papa Bento. O mesmo jornalista já tinha publicado Vaticano S/A, onde
aparecem dados também bem internos sobre a questão financeira do
Vaticano.
Lefebvrianos: não ao acordo com o Vaticano
Passaram-se dois anos desde que Bento XVI retirou a excomunhão dos
quatro bispos lefebvrianos como um "convite à reconciliação" com relação
aos cismáticos. A Santa Sé chegou até a oferecer aos lefebvrianos a
possibilidade de se tornarem uma prelazia como o Opus Dei. Mas a
Fraternidade, por seu lado, não concedeu nada, e as negociações se
romperam no ponto onde haviam começado: na aceitação do Concílio
Vaticano II e do magistério posterior dos papas.
Mas um sinal decisivo foi, no L´Osservatore Romano do dia 2 de
dezembro, o artigo de Dom Fernando Ocáriz, que faz parte da delegação
vaticana para as negociações e é o vigário-geral do Opus Dei: "A
intenção pastoral do Concílio não significa que ele não seja doutrinal",
escreveu. "Uma característica essencial do magistério é a sua
continuidade e homogeneidade no tempo".
O Concílio, enfim, é vinculante e não é possível ir contra o
magistério dos papas, incluindo os posteriores. E aqui está a questão:
Fellay contesta e "critica" a "interpretação" que o Catecismo dá ao
Concílio. E diz sarcasticamente que "eles", ou seja, o Vaticano,
"atribuem um outro significado ao termo ´tradição´ e também, talvez, ao
termo ´coerência´".
"Somos obrigados a dizer ´não´. Não assinaremos". As frases de Dom
Bernard Fellay, superior dos lefebvrianos, podem não ser a última
palavra, no tira-teima com a Santa Sé. Mas, no mínimo, significam que as
negociações acabaram em um beco sem saída.
Apelo à desobediência. Manifesto de párocos austríacos.
Cresce o número de descontentes com os rumos da Instituição Católica.
Se, por um lado, os lefebvrianos recusam assumir as condições do
Vaticano para voltarem à comunhão, por motivos de fidelidade aos valores
da tradição, por outro, há quem faça apelo à desobediência exatamente
pelo imobilismo da atual cúpula eclesiástica, nos seguintes termos: “A
recusa de Roma a uma reforma da Igreja há muito esperada e a inatividade
dos nossos bispos não só nos permitem, mas também nos obrigam a seguir a
nossa consciência e a agir de forma independente”. Com essa
introdução, cerca de 400 padres austríacos lançaram, em junho de 2011,
um manifesto intitulado “Apelo à desobediência”. Segue, na íntegra, o
manifesto
.
"Nós, padres, queremos estabelecer, no futuro, os seguintes sinais:
1. Rezaremos, no futuro, em todas as Missas, uma oração pela reforma
da Igreja. Levaremos a sério a palavra da Bíblia: pedi e receberei.
Diante de Deus, existe a liberdade de expressão.
2. Não recusaremos, em princípio, a Eucaristia aos fiéis de boa
vontade. Isso é especialmente verdadeiro aos divorciados de segunda
união, aos membros de outras Igrejas cristãs e, em alguns casos, também
aos católicos que abandonaram a Igreja.
3. Evitaremos celebrar, se possível, nos domingos e dias de festa,
mais de uma Missa ou de encarregar padres em viagem ou não residentes. É
melhor uma liturgia da Palavra organizada localmente do que turnês
litúrgicas.
4. No futuro, vamos considerar uma liturgia da Palavra com
distribuição da comunhão como uma "Eucaristia sem padre", e assim nós a
chamaremos. Dessa forma, cumpriremos a nossa obrigação dominical em
tempos de escassez de padres.
5. Rejeitaremos também a proibição de pregar estabelecida para leigos
competentes e qualificados e para professoras de religião.
Especialmente em tempos difíceis, é necessário anunciar a Palavra de
Deus.
6. Comprometer-nos-emos a que cada paróquia tenha o seu próprio
superior: homem ou mulher, casado ou solteiro, de tempo integral ou
parcial. Isso, no entanto, não por meio das fusões de paróquias, mas sim
mediante um novo modelo de padre.
7. Por isso, vamos aproveitar todas as oportunidades para nos
manifestar publicamente em favor da ordenação de mulheres e de pessoas
casadas. Vemo-los como colegas, e colegas bem-vindos, ao serviço
pastoral.
Além disso, sentimo-nos solidários com aqueles colegas que, por causa
do seu casamento, não podem mais exercer as suas funções, mas também
com aqueles que, apesar de um relacionamento, continuam prestando seu
serviço como padres.
Ambos os grupos, com sua decisão, seguem a sua consciência – como nós
fazemos com o nosso protesto. Nós os vemos, assim como o papa e os
bispos, como "nossos irmãos". Não sabemos o que mais deve ser um
"coirmão". Um é o nosso Mestre – mas somos todos irmãos. "E irmãs" – se
deveria dizer, no entanto, entre cristãs e cristãos.
É por isso que queremos nos levantar, é isso que queremos que aconteça, é por isso que queremos rezar. Amém.”
Expansão do movimento
O movimento do Apelo à desobediência, nascido na Áustria, começa a se
expandir Irlanda, Alemanha, França e Eslováquia. Com simpatizantes na
América Latina, EUA e Austrália. Em seu blog: Sapafrance.canalblog.com,
02-02-2012, os padres da diocese de Rouen, na França, não só assumiram o
manifesto do seus colegas austríacos como acrescentaram, a seu modo,
alguns pontos que batizaram de: “Por uma verdadeira obediência ao
Evangelho”. Começam assim: “Aprovamos o texto do Apelo à desobediência.
Acrescentamos que queremos uma Igreja que esteja à escuta das
necessidades e das expectativas dos homens de hoje, uma Igreja solidária
com os pobres e os excluídos.”
"Igreja 2011: uma virada necessária" – Manifesto dos teólogos alemães, suíços e austríacos
O jornal alemão Süddeutsche Zeitung publicou no dia 03/02/2011 um
manifesto de teólogos alemães, suíços e austríacos com ampla repercussão
na imprensa mundial. Diante do escândalo da pedofilia a qual ficaram
expostas as Igrejas desses países, os teólogos redigiram um manifesto,
cobrando da Instituição Católica urgências mudanças. Destacamos aqui
seus pontos principais.
“1.- Estruturas de participação: em todos os campos da vida eclesial a
participação dos fiéis é a pedra de toque para a credibilidade do
anúncio de liberdade do Evangelho. Conforme o antigo princípio jurídico:
"O que diz respeito a todos, deve ser decidido por todos" são
indispensáveis mais estruturas sinodais em todos os níveis da Igreja. Os
fiéis devem ser tornados participantes na escolha de importantes
"representantes oficiais" (bispos, párocos). O que pode ser decidido
localmente deve ali ser decidido, e as decisões devem ser transparentes.
2.- Comunidades: as comunidades cristãs devem ser lugares nos quais
as pessoas compartilhem bens espirituais e materiais. Mas, atualmente a
vida comunitária está em declínio. Sob a pressão da falta de padres são
construídas unidades administrativas sempre maiores – "paróquias
extra-amplas" -, nas quais quase não podem ser vivenciadas a vizinhança e
a pertença. É posto fim a identidades históricas e a redes sociais
particularmente significativas. Os padres são "queimados" [pelo excesso
de tarefas] e acabam se exaurindo. Os fiéis permanecem distantes se não
lhes for dada a confiança de assumirem uma corresponsabilidade e de
sentirem-se partícipes em estruturas democráticas na direção de suas
comunidades. O ministério eclesial deve servir à vida de suas
comunidades – e não o contrário. A Igreja também necessita de padres
casados e de mulheres em serviço eclesial.
3.- Cultura do direito: o reconhecimento de dignidade e liberdade de
todo ser humano mostra-se precisamente quando os conflitos são
enfrentados de modo equânime e com respeito recíproco. O direito
eclesial só merece este nome se os fiéis puderem fazer valer
efetivamente os seus direitos. A defesa do direito e a cultura do
direito na Igreja devem ser urgentemente melhoradas; e um primeiro passo
nesta direção é a criação de uma jurisdição administrativa eclesial.
4.- Liberdade de consciência. Respeito pela consciência individual
significa confiar na capacidade de decisão e de responsabilidade das
pessoas. Favorecer e desenvolver esta capacidade é também tarefa da
Igreja – mas, não deve transformar-se em personalismo. Reconhecer
seriamente a liberdade de consciência é algo que tem a ver com o âmbito
das decisões pessoais sobre a vida e o das formas de vida individual. A
alta consideração da Igreja pelo matrimônio e pela forma de vida sem
matrimônio está fora de discussão. Mas, ela não impõe que se excluam as
pessoas que vivem responsavelmente o amor, a fidelidade e o cuidado
recíproco numa união homossexual, ou como divorciados redesposados.
5.- Reconciliação: a solidariedade com os pecadores pressupõe que se
leve a sério o pecado no próprio interior. Um pretensioso rigorismo
moral não é adequado à Igreja. A Igreja não pode pregar reconciliação
com Deus sem procurar ela própria no seu agir os pressupostos para a
reconciliação com aqueles em relação aos quais se tornou culpada por
violência, por violação do direito, pela inversão do anúncio bíblico de
liberdade, numa moral rigorosa privada de misericórdia.
6.- Celebração: a liturgia viva da participação ativa de todos os
fiéis. Nela devem encontrar espaço as experiências e as formas atuais de
expressão. A celebração não deve enrijecer-se num tradicionalismo. A
multiplicidade cultural enriquece a vida litúrgica e não pode
conciliar-se com as tendências por uma unificação centralista. Somente
quando a celebração da fé acolher situações concretas de vida o anúncio
da Igreja atingirá as pessoas.”
Conclusão: crise de credibilidade
A Instituição Católica pode até querer usar a velha tática conhecida
do deixar o tempo passar, mas terá de conviver com a crescente espiral
da crise de sua credibilidade, frente ao mundo globalizado em que as
notícias circulam na velocidade da luz. Na expressão de Piero Cappelli, o
que estamos vendo é um verdadeiro “cisma silencioso”: “gradual
afastamento, em variadas formas e tempos, do povo católico – como
indivíduos e como partes deste –, do endereçamento pastoral dos bispos e
do Papa.” O momento atual se torna profundamente delicado quando se
juntam duas linhas de escândalos do Vaticano: a moral sexual e a questão
das finanças. O Instituto para as Obras de Religião (IOR/Banco do
Vaticano) se transformou numa “lavanderia de dinheiro, utilizada pela
máfia e por inescrupulosos aventureiros políticos”, como denominou o
jornalista e escritor italiano Gianluigi Nuzzi, e se constituiu num
real paraíso fiscal.
Tudo o que aqui foi relatado é de amplo conhecimento, pois são
notícias que circulam o mundo todo. Até agora as medidas tomadas para
sanar os escândalos e buscar transparência na gestão da Instituição
Católica muito se assemelham às decisões do Congresso Parlamentar
Brasileiro: convoca-se uma CPI com enredo e conclusão já conhecidos por
todos.
Resta-nos o consolo de saber que a verdadeira Igreja de Jesus Cristo
seguirá seu rumo, mesmo que em catacumbas, orientada pelo Espírito
Santo, que em momento algum da história abandonou o Povo de Deus.
Notas
1.BERTOCCHI, Lorenzo e AGNOLI, Francesco. Sentinelas no pós-concílio. Italia: Editora Cantagalli, p.114. Cf.
https://www.fratresinunum.com/.../sentinela-quanto-resta-da-noite-isaias-2111-refl... acesso dia 14/03/2012.
2.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pacto_das_Catacumbas. Acesso dia 13/03/2012.
3.LIBÂNIO, João Batista. A Volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola, 1984 – 2ª edição, p. 8-10.
4.Lua Nova: Revista de Cultura e Política, vol.3 nº. 1 São Paulo Junho 1986.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451986000200016 . Acesso dia 14/03/2012.
5.URQUHART, Gordon. A Armada do Papa – Os segredos e o poder das
novas seitas da Igreja Católica. Tradução de Irineu Guimarães. Rio de
Janeiro/São Paulo: Record, 2002.
6.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_Paulo_II. Acesso em 14/03/2012.
7.Ratzinger, J. e Messori, V. A Fé em Crise – Cardeal Ratzinger se interroga. São Paulo: EPU, 1985. p. 16.
8. Idem, p. 23.
9.Miguel Mora. Reportagem publicada pelo jornal El País, 15-02-2009.
10.Idem.
11.Julio Algañaraz, correspondente do jornal Clarín, no Vaticano, 17-02-2009.
12.Fonte:
www.ihu.unisinos.br/.../510110-bispos-e-teologos-velhas-e-novas-tensoes-o-editorial-da-concilium
13. Essa sessão é uma síntese das reportagens de John L. Allen Jr.,
publicadas no sítio National Catholic Reporter, de 07 a 10-02-2012. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
14.A reportagem é do sítio Religión Digital, 26-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
15. A reportagem é do jornal Il Fatto Quotidiano, 10-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
16,A reportagem é do jornal La Repubblica, 13-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto
17. A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere
della Sera, 13-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
18. A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere
della Sera, 04-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
19.
www.pfarrer-initiative.at, 19-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
20.Idem.
21. Sapafrance.canalblog.com, 02-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
22.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/40498-igreja-2011-uma-virada-necessaria--manifesto-dos-teologos-alemaes-suicos-e-austriacos, 09/02/2011. A tradução é de Benno Dischinger
23.CAPPELLI, Piero. O Cisma Silencioso – da casta clerical à profecia da fé. São Paulo: Paulus, 2010.
24. NUZZI, Gianluigi. Vaticano S.A. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.
Pe. Manoel Godoy, Diretor Executivo do ISTA, BH - 14/06/2012