quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Alienação religiosa e congênere


Permito-me um desabafo. Blog é para isso.

Fico impressionado, ultimamente, com a alienação religiosa ou congênere que se espalha em nosso país. Digo religiosa ou congênere, pois creio que, quanto à estrutura psicológica, há pouca diferença entre um fanático religioso ou um fanático de futebol ou fórmula 1. O objeto do fanatismo faz pouca diferença. O que conta é a fuga fora da responsabilidade e das pequenas coisas do dia a dia.

Os programas das redes religiosos de TV são, geralmente, altamente alienantes. Do lado chamado evangélico (que, no caso, com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo pouco tem a ver), milagres fabricados, histeria midiática e montes de dinheiro. Do lado católico, devoções água com açúcar, manipulação de imagens de santos, não sem fins lucrativos, teatralização da liturgia da missa, que deveria ser um momento de profunda compenetração em torno da palavra e do gesto de doação radical de Jesus. Pedidos de “graças” materiais pessoais, individualismo curtido em massa, sem laço comunitário, sem responsabilidade ética. E, por todos os lados, músicas estranhas, desengonçadas, ou uma pretensa música gospel que se desviou totalmente de suas origens, mais de cem anos atrás, na Américo do Norte negra.

Pior é que essa alienação passeia da tela para o dia a dia e vice-versa, reforçando a notável dose de superstição que já estava presente no meio de todas as classes sociais, “do menor até o maior”, como a Bíblia gosta de dizer.

Fico estarrecido quando vejo que pessoas que, do ponto de vista ético, não valem nada, passam por muito religiosas, quase santas. Têm a boca cheia de palavras edulcoradas ou misteriosas, anunciam curas e milagres a cada passo, enquanto os hospitais e o sistema de saúde ficam largados às traças. Percorrem terra e mar para ganhar adeptos, como disse são Paulo dos missionários judaizantes no mundo helenístico, mas não se interessam pela educação do povo nem pela integridade política.

Dói-me, sobretudo, ver quão pouco a sociedade reage diante da visível e crescente degeneração do ambiente humano em nossas cidades. Não só por causa do excesso de carros particulares – fruto de uma política econômica que a mim, pelo menos, não me convence. Degeneração humana em consequência do afluxo das massas de imigrantes rurais e também de pessoas vindas do exterior, que não encontram condições dignas de viver em nossas periferias. O aumento da mendicância, os “desperados” do crack, as filas noturnas diante dos postos de saúde, as escolas públicas que viraram depósitos para os que, ao saírem de lá, não terão chances de encontrar um caminho decente na vida, porque, simplesmente, não aprenderam nada. E também porque não houve integração da suposta educação escolar com o contexto familiar, social e cultural. (Sei que tudo isso está previsto em teoria, mas estou falando da prática).

Você sente o desespero de um médico, de uma enfermeira, que deve escolher entre a quem atender e a quem deixar morrer? Você imagina o coração de uma professora que prevê, sem meio de fazer algo, o êxodo de seus alunos da última série rumo ao mundo do crime?

E ninguém parece reagir. Uns fúteis protestos, esvaziados pela falta de organização. A ambiguidade da nova mídia. Se é fácil convocar pelo twitter, difícil é dar algum conteúdo consistente no ritmo da curtição. As entidades corporativas dão a impressão de defender apenas os interesses materiais de seus associados, não o bem coletivo da sociedade toda e muito menos o futura do planeta.

Reina um materialismo rasteiro, e o que passa por religião não muda nada disso, é só um verniz barroco por cima de uma sociedade tomada pelo cupim.

Decerto, há exceções, há pessoas que mantiveram o autêntico impulso do Concílio Vaticano II ou, mais recentemente, de alguns movimentos verdadeiramente evangélicos e evangelizadores. Mas não é essa seriedade e realismo que de modo geral se mostra na vitrine religiosa.

Fico feliz por termos um Papa que tenta colocar o Igreja católica com os dois pés no chão (por isso ele prefere os sólidos sapatos do pampa argentino aos sapatinhos rococó de certa tradição romana). Oxalá consiga. Com a ajuda do Céu, mas também de todos nós.

Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

O bom Samaritano (Lc 10,25-37) entre o escriba e o dono da pensão. E a identidade do próximo?


Para uma interpretação sensata e libertadora do episódio-parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37) é preciso, entre vários exercícios, analisar a postura do escriba e a do dono da pensão, a identidade do próximo e as consequências das ações do bom samaritano. Eis o que segue.

O escriba diante do bom samaritano

Em Lc 10,25-37, Jesus está contando o episódio-parábola para um escriba, que não foi citado no grupo dos não misericordiosos. Ao falar diretamente dos companheiros, Jesus mandou um recado para seu interlocutor: o escriba. Não lhe joga na cara que ele é insensível e não misericordioso, mas dialoga e o faz refletir, com base na prática cheia de compaixão e misericórdia de alguém que se faz próximo gratuitamente, o que desconcerta o escriba. O que coloca em xeque a mentalidade do escriba não é o discurso, mas o testemunho de alguém compassivo e misericordioso, que não é Jesus, nem Deus, mas um samaritano: estrangeiro, considerado herege e impuro, discriminado, tachado de pagão, um “bárbaro”; enfim, um injustiçado.

Esse grupo dos não misericordiosos desconsidera o interesse pedagógico de Jesus no episódio-parábola. Jesus estrategicamente não coloca um escriba no lugar do sacerdote ou do levita para deixar aberta a possibilidade de dialogar com ele, pois seu objetivo é cativá-lo para se tornar um verdadeiro discípulo. Jesus não o exclui a priori.

O dono da pensão no episódio-parábola do bom samaritano

O dono da pensão tem um papel importante no episódio-parábola, pois é ele quem viabiliza a continuação da viagem do samaritano, possibilita-lhe partir sem deixar nome nem endereço, assim, ser solidário de modo gratuito e libertador, sem criar com o excluído uma relação de dependência que pudesse ter ou esperar recompensa. Sem o dono da pensão, seria difícil para o samaritano deixar o homem semimorto recuperando-se. Sem a continuidade dos cuidados, a “ajuda” do samaritano seria paliativa e poderia resultar insuficiente. Se interrompesse completamente sua viagem até o ferido se recuperar, certamente criaria um laço de dependência entre eles. Jesus e Lucas não defendem “solidariedade paliativa”, que cria dependência. A figura do dono da pensão é uma “ponte” que possibilita ao episódio-parábola ser uma “estrela” indicando como amar de modo verdadeiramente eficaz e desinteressado.

O samaritano não exigiu que o dono da pensão fosse solidário gratuitamente como ele foi. O samaritano tenta cativar o outro para também entrar na dinâmica da compaixão e misericórdia, mas sem impor nada. Ao pagar os dois denários, ele manifesta amor com toda sua “força”. Esta, na interpretação judaica, refere-se aos bens econômicos. O samaritano reconhece a alteridade e a autonomia do dono da pensão, o qual tem o direito de ser e agir de modo diferente. Aqui aparece mais uma qualidade da solidariedade do samaritano: a humildade. Ele não diz para o dono da pensão: “Faça como eu fiz!” ou “Fiz a minha parte; agora é a sua vez”, o que seria arrogância disfarçada de gratuidade. Não faz proselitismo da sua ação e crença religiosa.

A identidade do próximo
Esta identidade não é neutra. Um violentado, que está “entre a vida e a morte”, define a identidade de cada um dos personagens de Lc 10,25-37. Constatamos que o samaritano é um estrangeiro, um desqualificado, segundo a compreensão judaica; não é um familiar; é um viajante. Mesmo assim se comove ao ver a vítima. Enquanto o sacerdote e o levita se distanciam, ele se aproxima do ferido.

O relato não diz as razões que levaram o samaritano a comover-se. Ele apenas se aproximou para cuidar do homem semimorto. “Mas a ausência de motivos para a atitude dos atores não implica ausência de lógica fundamental da ‘postura’ do samaritano”.  “Próximo” não é aquele que se aproxima, mas é aquele que se aproxima de imediato, aparentemente sem motivos. Interrompe “a sua viagem”. Sabe onde levar o ferido. Age como quem tem experiência, sem duvidar. Demonstra confiança: “Quando eu voltar vou pagar o que ele tiver gasto a mais” (Lc 10,35). “Entre o samaritano e o dono da pensão reina a confiança”.  O dono da pensão não procura conhecer a identidade do ferido.

Os bens que o samaritano põe à disposição do homem para a cura - o óleo, o vinho, sua própria montadura, os dois denários - não aparecem como perda. Não se afirma que o samaritano perdeu tempo, nem quanto tal ação lhe custou. O óleo e o vinho são frutos da terra e do trabalho humano, provavelmente dele. Logo, ele trata o ferido com o fruto do seu próprio trabalho e não se sacrifica nesse processo. O “perdido” será recuperado com seu próprio trabalho.

O samaritano “ordena” que o dono da pensão cuide do ferido, porque para um dono de pensão o desejo de um cliente é uma ordem, mas é sempre remunerado pelo que faz.

Consequências das ações do samaritano
O ferido é colocado no caminho para reestruturar a sua identidade pessoal. O samaritano “sabe” chegar e sabe “desaparecer” na hora oportuna. Ele não deixa seu nome nem seu endereço, é uma figura de alteridade; ele impede “uma submissão a sua pessoa e uma fixação no passado”.  Não exigindo reconhecimento, evita “sacrificar no altar do seu desejo o homem ferido”, diria a psicanálise. O ferido é restaurado sem sacrifício próprio. O sacerdote e o levita são identificados, em oposição ao samaritano, no episódio-parábola, pela função que exercem no templo: sacrificar e celebrar o culto.

No versículo 36, Jesus redimensiona a pergunta - Quem se fez próximo? E não mais, Quem é meu próximo? Não levanta mais a pergunta de modo absoluto, mas de uma situação concreta, onde a vida de uma pessoa estava em perigo. É com base no “lugar” onde um homem se confronta com outro caído, à margem, excluído, que se pode identificar o próximo.

Jesus diz ao escriba: “Vá, e faça a mesma coisa”. Com esse imperativo, Jesus chama o escriba a uma conversão radical. Ele deve sair de si mesmo, igualar-se ao samaritano e fazer o que este fez.

Gilvander Moreira é frei e padre carmelita. Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), do Serviço de Animação Bíblica (SAB) e Via Campesina. Autor de alguns livros: Compaixão-misericórdia, uma espiritualidade que humaniza (Ed. Paulinas, 1996), Lucas e Atos, uma teologia da História (Ed. Paulinas, 2004) e co-autores de vários livros do CEBI. 

Reportagem sobre a Visita Pastoral à Paróquia São José


Reportagem exibida na Rede Vida de Televisão sobre a Visita Pastoral do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, à Paróquia São José, no Centro do Recife.


Da Assessoria de Comunicação AOR

Arquidiocese promove Encontro Vocacional do mês de setembro


153_335662696524539_1893557568_nA Pastoral Vocacional da Arquidiocese de Olinda e Recife convida os jovens que se sentem chamados por Deus ao sacerdócio para participar do próximo encontro vocacional arquidiocesano. O evento será realizado no próximo dia 28 de setembro, das 8h30 às 12h, no Seminário de Olinda.
Faça parte da história multissecular da Casa de Heróis!

Encontro Vocacional Arquidiocese de Olinda e RecifeLocal: Seminário Nossa Senhora da Graça
Rua Bispo Coutinho, s/n – Alto da Sé – Olinda
Dia: 28 de setembro de 2013
Horário: 8h30 das 12h
Informações: (81) 8692-9742 / 9853-8618
Da Assessoria de Comunicação AOR

A homenagem da ONU a madre Teresa de Calcutá


Madre Teresa de Calcutá: 'o amor será sempre necessário, até na sociedade mais justa'.
Por Robert Sarah*
Na recordação do aniversário da morte da madre Teresa de Calcutá, a assembleia geral das Nações Unidas escolheu 5 de Setembro como Dia internacional da caridade, celebrado este ano pela primeira vez. Como Pontifício Conselho, alegramo-nos com esta iniciativa e unimo-nos a um número infinito de pessoas em todo o mundo ao recordar a beata e ao louvar a Deus pelo eloquente testemunho de amor que deu à Igreja e a toda a família humana. O reconhecimento da pessoa e da obra da madre Teresa por parte da comunidade internacional é também um convite para nós a continuar a dar este testemunho de amor e quantos estão em necessidade.

Como todos podemos constatar, nas palavras e nos fatos, o papa Francisco tem um amor especial para com os pobres e os sofredores. De fato, desde o início do seu pontificado, sempre nos encorajou, com o seu exemplo e ensinamento, a procurar ser "uma Igreja pobre para os pobres". Convidou a Igreja a sair de si mesma e a deslocar-se às periferias: do mistério do pecado, do sofrimento, da injustiça, da ignorância e da indiferença religiosa, do pensamento, de qualquer forma de miséria. No contacto diário com estas periferias, a Igreja está chamada a levar salvação e amor através do seu serviço caritativo.

Por nosso lado desejamos prestar homenagem também ao serviço e à dedicação de tantas pessoas e instituições generosas. Sobretudo, estamos gratos aos muitos homens e mulheres que dedicaram a própria vida às obras de misericórdia nas partes mais pobres do mundo. Desempenhando a sua obra de caridade, testemunham que Deus ainda ama o mundo e que, através delas, comunica o seu amor e a sua compaixão pelos pobres.

Obediente ao mandamento de Cristo, a Igreja está chamada a dar testemunho do amor de Deus através da prática da caridade. Com efeito, desde os primórdios, o serviço da caridade para com os pobres foi sempre uma das atividades fundamentais da Igreja, juntamente com a administração dos sacramentos e a proclamação da Palavra. Através deste tríplice múnus, a Igreja tem a missão de tornar todos os homens e mulheres participantes da natureza divina do Deus que é amor. A Igreja afirma que a razão de ser da sua missão de caridade são Jesus Cristo e o testemunho do seu amor, prestado no serviço aos pobres. Do mesmo modo, a madre Teresa de Calcutá encontrou sempre inspiração e força em Jesus. A sua vida, o seu testemunho de amor, brotava das lições que o Senhor lhe dava na oração e na contemplação da sua vida e do seu ensinamento. Com o seu serviço de caridade, a religiosa não queria simplesmente fornecer assistência humanitária ou mudar estruturas sociais. Ao receber o prêmio Nobel, a 11 de Dezembro de 1979, afirmou claramente: "Não somos verdadeiros agentes sociais. Talvez aos olhos do povo desempenhamos um trabalho social, mas na realidade somos contemplativas no coração do mundo; com efeito tocamos o corpo de Cristo vinte e quatro horas por dia".

Todas as vezes que olhamos para a imagem da madre Teresa, é-nos recordado que "o amor – caritas – será sempre necessário, até na sociedade mais justa. Não há ordenamento estatal algum justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quiser desfazer-se do amor dispõe-se a desfazer-se do homem enquanto homem. Haverá sempre sofrimento que necessita de consolação e de ajuda. Haverá sempre solidão. Haverá sempre também situações de necessidade material nas quais é indispensável uma ajuda em sintonia de um amor concreto pelo próximo" (Deus caritas est, 28).

A caridade cristã está sempre ao serviço do bem integral de cada ser humano, sem distinção de religião ou raça. A prática da caridade cristã não conta só com a competência profissional, nem se contenta com um compromisso impessoal. O nosso empenho dá-se com um "coração que vê" além das necessidades materiais. Nos pobres que servimos, procuramos ver a inteireza e a integridade quando estão diante de Deus.
Madre Teresa é um exemplo convincente do fato que esta sensibilidade não prejudica a eficiência. No serviço aos mais pobres entre os pobres, a sua fé via além das necessidades materiais deles. Certa vez disse: "Deus identificou-se a si mesmo com o faminto, o enfermo, o nu, o desabrigado; fome não só de pão, mas também de amor, de cuidados, de consideração por parte de alguém; nudez não só de vestuário, mas também daquela compaixão que só poucos sentem por quem não conhecem; falta de lar não só pelo fato de não possuir um abrigo de pedra, mas por não ter ninguém que possa considerar próximo". Esta iniciativa das Nações Unidas exorta-nos a ser sempre fiéis à herança espiritual que nos deixou a beata Teresa de Calcutá.
L'Osservatore Romano, 11-09-2013.
* Robert Sarah é cardeal presidente do Pontifício Conselho Cor Unum.

Guerra, ação pobre, violenta e infantil. Antropologia, uma via de paz

Por Gilmar Passos*


O ser humano vive no mundo criando história, a partir de elementos inerentes a sua natureza e de outros que no mundo estão ao seu dispor. Cada elemento tem a função de ajudar a cada pessoa humana a atingir sua meta de destino, a plenitude de felicidade. Todo o projeto inicial na vida humana é cheio de encantos cheios de entusiasmo para o progresso genuíno.

Cada dia é um tempo de novidades e de criar situações novas para o seu ambiente e dos demais seres. Tudo começa no amanhecer, onde são apresentadas as metas de ação do dia a dia. O transcurso seguinte é o do planejamento em conjunto com a elaboração. O dia finaliza exigindo uma postura de descanso que envolve o reconhecimento de tudo aquilo que foi feito e os planejamentos para o dia seguinte. Tudo isso pode acontecer trazendo felicidade ou infelicidade, vai depender da motivação de cada pessoa.

Mas, na história humana o projeto de vida é simples, embora não seja percebido por muitos. Toda tecnologia deve ser produzida em função do ser humano e não da economia. Nossos sonhos e projetos devem ser oriundos do pensamento antropológico e não econômico.

Infelizmente, a história nos mostra claramente que as ações que mais se divulgam são aquelas que envolvem todo o conjunto lucrativo econômico. Isso nos faz perder o encanto pela beleza da vida e nos expõe ao ridículo da ganância e pelo poder. Já quando crianças as pessoas estão sendo educadas para viver em função da economia e começa a corrida desesperada palas carreiras de posição social. Quem não consegue ser ágil, fica para trás e sofre as conseqüências de ficar a margem da monstruosidade da economia.

É por essa economia que se estabelecem competições de pessoas de um mesmo território, tanto nacional como internacional. As competições chegam ao absurdo monstruoso de brigas infantis e ridículas envolvendo um aparato de seres humanos com armas nas mãos.

É o que estamos vivendo no momento. As competições econômicas espalharam “minas” em todas as partes do mundo, artefatos que podem detonar a qualquer momento. A ideologia mentirosa de paz se espalha entre os países escraviza jovens para a guerra, ou seja, para irem para os campos de suicídios. Nesses campos desumanos os jovens perdem os sonhos e ideais genuínos pela vida.

A história da humanidade nos apresenta marcas de sangue de inocentes que continuam clamando por justiça e paz. Sinceramente, sem correr risco de erro, temos tudo para afirmar que grande parte dos governantes da atualidade não sabe olhar a história a partir do ponto de vista antropológico. Isso os faz planejarem o futuro distorcido, míope, sem antropologia.

As consequências do pós-guerra na vida das pessoas são cruéis e irremediáveis. Ainda hoje vemos as sequelas da Segunda Guerra Mundial enraizadas nas pessoas que forçosamente tiveram que passar por ela. Temos também, bem mais próximo ao nosso período, o exemplo sangrento e cruel da guerra no Iraque, onde inocentes morreram sem necessidade e as soluções no país não foram alcançadas. Quando o cessar fogo acontece deixa as marcas da brutalidade e da estupidez dos pobres em humanidade.

Sinceramente, precisamos de pessoas ousadas em atitudes honestas com coragem de abandonar o império do mal. Precisamos de líderes que saibam mobilizar a paz sem armas, sem violência. Não temos como duvidar que o Papa Francisco lançou um programa de paz que vai além das religiões. É disso que precisamos.

A violência, a guerra é coisa de pessoas infantis que não aprenderam a dialogar. É o resultado de uma pobreza de valores humanos, algo como carinho a ternura, o cuidado, o zelo. Para os violentes não existem as palavras mágicas da gentileza, do agradecimento...

Violência e guerra são coisas do desespero daqueles que não sabem agir a partir da humanidade. Para que serve muita tecnologia se não se sabe usá-las? A imbecilidade está dominando o coração dos gananciosos pelo poder econômico.

Por trás de toda violência existe um ser humano pobre, doente, alguém que continua vivendo a infantilidade. Isso está exposto claramente. Qualquer pessoa sensata percebe que há algo de errado com o violento e sabe também que ele não sabe dominar seus impulsos e são dominados pela podridão na mente.

O problema na atualidade não são as armas da Síria. Os líderes da violência, como os Estados Unidos, precisam entender e aceitar que estão doentes e estão vendo o mundo a partir da doença que carregam. A mente deles precisa de tratamento de profunda humanidade. Enquanto houver ser humano doente, dominado pelo orgulho, prepotência, ganância, não haverá paz no mundo.

O mundo não precisa de guerra, em momento algum precisou dela. O mundo sempre precisou e precisará de paz. Temos que nos conscientizar e nos educar pela paz e seus derivados. Precisamos ser líderes e promotores da criação da consciência e da educação da paz.

Os nossos hábitos precisam de renovação sadia pela verdade. O nosso dia a dia precisa ser incrementado por gestos gratuitos e generosos. Precisamos recuperar o encanto e fascínio pela vida e projetar o futuro a partir da antropologia. Valores humanos precisam ser reconhecidos.

Não podemos aceitar que os violentos que estão no poder sejam nossos representantes. Nem tampouco devemos aceitar que um país lidere a todo o momento violações de direitos humanos com a falsa propaganda de paz. Realmente, os Estados Unidos não representam nenhuma cultura de paz. Eles são líderes mundiais nas falsas propagandas de paz.  São líderes mundiais em violações de direitos, ecológicos, sociais, humanos, políticos e etc.

Uma verdadeira antropologia nos faz crescermos, deixamos as atitudes pobres, violentas e infantis Precisamos adotar a antropologia como base do pensamento e incentivo de nossas ações. Com ela a ação pela paz é mais evidente. Os países, partindo dos Estados Unidos por serem de grande influência mundial, precisam adotar a antropologia como projeto de governo e nunca esquecerem que governam para pessoas humanas.
* Gilmar Passos é teólogo e escritor.

O escriba diante do bom samaritano


Para uma interpretação sensata e libertadora do episódio-parábola do bom samaritano (Lc 10,25-37) é preciso, entre vários exercícios, analisar a postura do escriba e a do dono da pensão, a identidade do próximo e as consequências das ações do bom samaritano.

Parábola do bom samaritano: o ferido é colocado no caminho para reestruturar a sua identidade pessoal.
Por Frei Gilvander Luís*

Em Lucas 10: 25-37, Jesus está contando o episódio-parábola para um escriba, que não foi citado no grupo dos não misericordiosos. Ao falar diretamente dos companheiros, Jesus mandou um recado para seu interlocutor, o escriba. Não lhe joga na cara que ele é insensível e não misericordioso, mas dialoga e o faz refletir, com base na prática cheia de compaixão e misericórdia de alguém que se faz próximo gratuitamente, o que desconcerta o escriba. O que coloca em xeque a mentalidade do escriba não é o discurso, mas o testemunho de alguém compassivo e misericordioso, que não é Jesus, nem Deus, mas um samaritano: estrangeiro, considerado herege e impuro, discriminado, tachado de pagão, um "bárbaro"; enfim, um injustiçado.

Esse grupo dos não misericordiosos desconsidera o interesse pedagógico de Jesus no episódio-parábola. Jesus estrategicamente não coloca um escriba no lugar do sacerdote ou do levita para deixar aberta a possibilidade de dialogar com ele, pois seu objetivo é cativá-lo para se tornar um verdadeiro discípulo. Jesus não o exclui a priori.

O dono da pensão no episódio-parábola do bom samaritano

O dono da pensão tem um papel importante no episódio-parábola, pois é ele quem viabiliza a continuação da viagem do samaritano, possibilita-lhe partir sem deixar nome nem endereço, assim, ser solidário de modo gratuito e libertador, sem criar com o excluído uma relação de dependência que pudesse ter ou esperar recompensa. Sem o dono da pensão, seria difícil para o samaritano deixar o homem semimorto recuperando-se. Sem a continuidade dos cuidados, a “ajuda” do samaritano seria paliativa e poderia resultar insuficiente. Se interrompesse completamente sua viagem até o ferido se recuperar, certamente criaria um laço de dependência entre eles. Jesus e Lucas não defendem “solidariedade paliativa”, que cria dependência. A figura do dono da pensão é uma “ponte” que possibilita ao episódio-parábola ser uma “estrela” indicando como amar de modo verdadeiramente eficaz e desinteressado.

O samaritano não exigiu que o dono da pensão fosse solidário gratuitamente como ele foi. O samaritano tenta cativar o outro para também entrar na dinâmica da compaixão e misericórdia, mas sem impor nada. Ao pagar os dois denários, ele manifesta amor com toda sua “força”. Esta, na interpretação judaica, refere-se aos bens econômicos. O samaritano reconhece a alteridade e a autonomia do dono da pensão, o qual tem o direito de ser e agir de modo diferente. Aqui aparece mais uma qualidade da solidariedade do samaritano: a humildade. Ele não diz para o dono da pensão: “Faça como eu fiz!” ou “Fiz a minha parte; agora é a sua vez”, o que seria arrogância disfarçada de gratuidade. Não faz proselitismo da sua ação e crença religiosa.

A identidade do próximo

Essa identidade não é neutra. Um violentado, que está "entre a vida e a morte", define a identidade de cada um dos personagens de Lucas 10: 25-37. Constatamos que o samaritano é um estrangeiro, um desqualificado, segundo a compreensão judaica; não é um familiar; é um viajante. Mesmo assim se comove ao ver a vítima. Enquanto o sacerdote e o levita se distanciam, ele se aproxima do ferido.

O relato não diz as razões que levaram o samaritano a comover-se. Ele apenas se aproximou para cuidar do homem semimorto. “Mas a ausência de motivos para a atitude dos atores não implica ausência de lógica fundamental da ‘postura’ do samaritano”.  “Próximo” não é aquele que se aproxima, mas é aquele que se aproxima de imediato, aparentemente sem motivos.

Interrompe "a sua viagem". Sabe onde levar o ferido. Age como quem tem experiência, sem duvidar. Demonstra confiança: “Quando eu voltar vou pagar o que ele tiver gasto a mais” (Lc 10,35). “Entre o samaritano e o dono da pensão reina a confiança”.  O dono da pensão não procura conhecer a identidade do ferido.

Os bens que o samaritano põe à disposição do homem para a cura - o óleo, o vinho, sua própria montadura, os dois denários - não aparecem como perda. Não se afirma que o samaritano perdeu tempo, nem quanto tal ação lhe custou. O óleo e o vinho são frutos da terra e do trabalho humano, provavelmente dele. Logo, ele trata o ferido com o fruto do seu próprio trabalho e não se sacrifica nesse processo. O “perdido” será recuperado com seu próprio trabalho.

O samaritano "ordena" que o dono da pensão cuide do ferido, porque para um dono de pensão o desejo de um cliente é uma ordem, mas é sempre remunerado pelo que faz.

Consequências das ações do samaritano

O ferido é colocado no caminho para reestruturar a sua identidade pessoal. O samaritano "sabe" chegar e sabe “desaparecer” na hora oportuna. Ele não deixa seu nome nem seu endereço, é uma figura de alteridade; ele impede “uma submissão a sua pessoa e uma fixação no passado”.

Não exigindo reconhecimento, evita "sacrificar no altar do seu desejo o homem ferido", diria a psicanálise. O ferido é restaurado sem sacrifício próprio. O sacerdote e o levita são identificados, em oposição ao samaritano, no episódio-parábola, pela função que exercem no templo: sacrificar e celebrar o culto.

No versículo 36, Jesus redimensiona a pergunta - Quem se fez próximo? E não mais, Quem é meu próximo? Não levanta mais a pergunta de modo absoluto, mas de uma situação concreta, onde a vida de uma pessoa estava em perigo. É com base no "lugar" onde um homem se confronta com outro caído, à margem, excluído, que se pode identificar o próximo.

Jesus diz ao escriba: “Vá, e faça a mesma coisa”. Com esse imperativo, Jesus chama o escriba a uma conversão radical. Ele deve sair de si mesmo, igualar-se ao samaritano e fazer o que este fez.
Instituto Humanitas Unisinos
* Frei Gilvander Luís é padre da Ordem dos Carmelitas, professor de Teologia Bíblica e assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, do Serviço de Animação Bíblica - SAB e da Via Campesina em Minas Gerais.