(Redescobrindo um tesouro antigo)
01 - Rica,
profundamente rica, é a eucologia da Igreja, aqui entendida como o conjunto de
suas preces e orações, estas quase sempre de índole bíblica, de grande valor
orante e com conteúdo de vasto sentido teológico, litúrgico e pastoral. Nesse
conjunto de orações, predominam as assim chamadas orações presidenciais, que,
pela voz do sacerdote ou do bispo, quando presidem a assembléia litúrgica, são
verdadeiras orações de toda a Igreja.
São eles - sacerdotes e bispos - sinais visíveis da unidade
dos fiéis em torno de Cristo. Na liturgia, sua ação vai então realizar-se de
duas maneiras e simultaneamente: “in persona Christi”, isto é, na pessoa de
Cristo, e “in persona ecclesiae”, ou seja, em nome da Igreja.
02 - Na liturgia, quando o sacerdote ora em nome de
Cristo, ele ora sozinho; em nome da Igreja, ele o faz no plural. Quando, em
outros momentos da celebração, ele ora em nome próprio, propõe-se então que ore
em silêncio. Vê-se, pois, que a oração da Igreja, dada a sua comunhão com
Cristo, é, ao mesmo tempo, ascendente e descendente, o que se manifesta com
mais clareza ainda na doxologia da oração eucarística.
A propósito, vem-nos à mente aquele pensamento de comparação
feliz: “As orações são como a escada de Jacó: por elas sobem as súplicas, e por
elas descem as divinas consolações”, na referência ao sonho de Jacó, como
narrado em Gn 28,12 e que parece aplicado por Cristo a si mesmo em Jo 1,51.
03 - Seria desejável, para o bem da liturgia e da fé,
que todos os celebrantes - ministros e assembléia - tivessem plena consciência
do que acima se diz. Assim, a dignidade do sacerdócio ministerial ordenado
apareceria com mais nitidez na celebração litúrgica, não como projeção da
pessoa do ministro, mas como razão maior para a glória de Deus e santificação
dos homens, e a própria assembléia ver-se-ia também toda ministerial, assumindo
com alegria tudo o que lhe é próprio na celebração do mistério cristão.
04 - A escuta das orações presidenciais, pela
assembléia, é uma escuta ativa, pois é a assembléia que fala pela voz do
sacerdote, diferente assim da escuta receptiva, requerida na Liturgia da
Palavra. De fato, nas orações presidenciais os ouvidos da assembléia materialmente
ouvem, mas é sua boca que teologicamente fala. Na prática litúrgica, a
recitação de tais orações pelo presidente deve ser feita em voz alta, durante a
qual não se deve fazer ouvir outra voz, como de canto, p. ex., nem mesmo
qualquer som de instrumento musical.
05 - Orar “Por Cristo, com Cristo e em Cristo”, como nas
orações oficiais da Igreja, não deve ser, porém, mero discurso de palavras
escolhidas, bonitas e até edificantes, mas verdadeiro compromisso de assumir
com ele a construção de um mundo novo, alicerçado na vivência do amor, na
prática da justiça, da verdade e da fraternidade, um abraçar consciente das
causas do Reino, na plena fidelidade ao projeto amoroso de Deus.
06 - Deve-se dar importância vital ao Amém da assembléia
no fim das orações presidenciais, pois ele tem valor expressivo-simbólico. Além
de ratificar todo o texto oracional dito em seu nome pelo presidente, com o
Amém conclusivo a assembléia manifesta a sua comunhão na fé, revelando-se como
comunidade viva, eclesial e celebrante, e disposta assim a assumir o
compromisso libertador e missionário derivante da liturgia. Daí que tal
resposta deve ser sincera, como adesão firme ao que o sacerdote diz. Tal
comunhão de fé, aliás, já deve ser manifestada desde o início das orações
presidenciais, pela saudação e pelo convite do presidente.
ESTRUTURA E DIMENSÕES DA ORAÇÃO PRESIDENCIAL
a) - A marca trinitária
07 - A oração presidencial destaca, já desde o início, o
seu destinatário, que é sempre Deus Pai. Cristo nela aparece como mediador, no
Espírito Santo, como no adágio conhecido: “Ao Pai pelo Filho no Espírito
Santo”. Com isso, a oração presidencial manifesta claramente sua marca
trinitária e, por extensão, também a dimensão e a dinâmica trinitárias da fé
cristã.
08 - Ao nome de “Deus”, no início das orações
presidenciais, costuma-se acrescentar alguns adjetivos ou atributos divinos,
como, p. ex.: “Deus onipotente e eterno...”, ou “Deus do universo, fonte de
todo o bem...” Também, em algumas vezes, se acrescenta uma oração subordinada
relativa, p. ex.: “Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do
céu...” O “Por N.S.J.C., vosso Filho...”, no final, mostra claramente não ser
Cristo o destinatário da oração, mas o Pai, o que, porém, não coloca o Filho
numa condição de subordinação ao Pai, como na doutrina ariana, mas
verdadeiramente confessa a fé da Igreja na mediação única do Filho, ao mesmo
tempo que afirma a sua igualdade divina com o Pai.
09 - Notemos então que a menção do Filho revela o
cristocentrismo da fé, ao mesmo tempo que revela o lugar central de Cristo como
mediador. E mais: com tal menção, a Igreja confessa que Cristo abriu o acesso
da humanidade ao Pai (Cf. Rm 5,1-2). Agora, trata-se, pois, de nova família
humana, no novo Adão (Cristo), que tornou possível nova relação da humanidade
com Deus.
Aqui podemos dizer que o velho Adão, restaurado e recriado em
Cristo, volta novamente ao jardim de Deus, como Homem Novo, revestido de Cristo
(Cf. Rm 13,14; Ef 2,15; 4,24; Cl 3,10), agora então redimido pelo divino
salvador, liberto, pois, da escravidão do pecado e capacitado para a nova
comunhão com Deus.
10 - Referindo-se à menção da Trindade nas orações
presidenciais, diz a Instrução Geral sobre o Missal Romano (nº 54): “Conforme
antiga tradição da Igreja, a oração (presidencial) costuma ser dirigida a Deus
Pai, por Cristo, no Espírito Santo, e por uma conclusão trinitária, isto é, com
uma conclusão mais longa, do seguinte modo:
- quando se dirige ao Pai: Por nosso Senhor Jesus Cristo,
vosso Filho, na unidade do Espírito Santo;
- quando se dirige ao Pai, mas no fim menciona o Filho: Que
convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo;
- quando se dirige ao Filho: Vós que sois Deus com o Pai, na
unidade do Espírito Santo”.
b) - A dimensão eclesial
11 - Outro aspecto que aparece claramente nas orações
presidenciais é o eclesial. Trata-se de orações da comunidade, da Igreja, do
corpo de Cristo. Nelas aparece o “nós” comunitário do povo de Deus. Por isso se
diz que quando o presidente ora em nome da Igreja ele o faz no plural. O aspecto
de eclesialidade das orações cristãs, sobretudo das presidenciais, está
fundamentado no batismo único e na confissão da mesma fé, consolidando assim o
sentido de comunhão com a Igreja de todos os tempos, naquele tom de
universalidade e naquela amplitude de horizontes que caracterizam a realidade
do povo de Deus.
c) - A dimensão antropológica
12 - Há ainda a densidade antropológica das orações
cristãs, especialmente as presidenciais. Diz J. Castellano: “No diálogo com
Deus, a oração abre a ele toda a riqueza de humanidade que é própria do cristão
e da Igreja. Os sentimentos humanos, por si sós, não bastam para que haja
oração; eles precisam estar abertos para Deus; vice-versa, uma oração sem
vibrações autênticas de humanidade seria fórmula fria sem conteúdos”.
13 - No Novo Testamento, vemos que Cristo abre para o
ser humano esse sentido tão caro da antropologia, fazendo vibrar, nos seus
diálogos com o Pai, toda a sua humanidade, conforme nos revelam os evangelhos.
Esse dado antropológico, é verdade, já se encontrava, em germe, no Antigo
Testamento, principalmente nos Salmos e em alguns discursos oracionais, mas
ainda sem aquela luz tão viva e sem aquela aurora de um renascer mais pleno,
cuja plenitude só mais tarde o mundo conheceria, precisamente na plenitude dos
tempos, com a encarnação e missão do Filho de Deus.
MODELOS DE ORAÇÃO PRESIDENCIAL
a) - As orações consecratórias
14 - Ao falarmos de oração presidencial, em primeiro
lugar devemos enumerar as grandes orações consecratórias, e há, com relação a
estas, diversos tipos, segundo o modelo da celebração litúrgica, levando também
em consideração os seus conteúdos e seus diversos momentos de celebração.
Assim, as orações presidenciais estão no centro e no cume das
grandes celebrações, não só, pois, da Eucaristia como também de outros
sacramentos e dos sacramentais. Como orações consecratórias temos: a Oração
Eucarística da missa, esta a mais importante de todas; as orações próprias na
liturgia das ordenações, nos três graus do sacerdócio ordenado.
b) - Orações de bênçãos
15 - Igualmente ricas são as orações de bênçãos, como as da
água batismal na Vigília Pascal do Sábado Santo, a dos santos óleos na
Quinta-Feira Santa, a da dedicação das Igrejas, a da bênção dos altares, das
insígnias pontificais, dos abades e das abadessas, das virgens etc..
c) - Outras orações presidenciais
16 - Outros modelos de oração presidencial, também de
grande importância, são encontradas na liturgia. De formato mais breve,
encontram-se tais orações não no centro de uma celebração, mas, geralmente, no
fim de uma ação litúrgica ou de um rito, como uma espécie de conclusão.
Na missa, são encontradas depois de ritos processionais, ou
seja: depois da procissão de entrada, encerrando os ritos iniciais, a Oração do
Dia (antes chamada Coleta); depois da procissão, preparação e apresentação dos
dons, a chamada oração sobre as oferendas; e, finalmente, após o rito da
comunhão, a assim chamada oração após a comunhão. A oração sobre as oferendas e
a oração após a comunhão terminam com a conclusão mais breve, isto é, “Por
Cristo, nosso Senhor”, a que a assembléia responde Amém.
17 - Tais orações procuram recolher o sentido imediato
que as precede, como que trazendo-o à superfície, explicitando-o e dando-lhe o
sentido próprio. São ouvidas de pé pela assembléia, assim como de pé o
presidente as recita. Como as orações consecratórias, mas em grau menor, têm
essas orações duas partes, uma de “confissão”, na linha do louvor, de ação de
graças e da proclamação das maravilhas de Deus, e outra que segue a linha da
súplica e do pedido, o que lhes dá uma conotação fortemente bíblica.
18 - Acrescentem-se ainda às orações presidenciais as
orações próprias da Liturgia das Horas, também com sua vasta riqueza litúrgica
e com seu profundo sentido teológico, destacando-se dentre elas a oração
conclusiva das Laudes, das Vésperas e do Ofício das Leituras, tanto as do tempo
litúrgico como as do Santoral. Como a oração sobre as oferendas e a oração após
a comunhão, da missa, a oração da Hora Média e a das Completas, na Liturgia das
Horas, têm também conclusão breve: “Por Cristo, nosso Senhor. Amém”. Se, porém,
a oração se dirige ao Pai com a menção do Filho na parte final, diz-se: “Que
vive e reina para sempre. Amém”. Se, ainda, a oração é dirigida ao Filho,
diz-se: “Vós, que viveis e reinais para sempre. Amém.
O CARÁTER DE MEMORIAL DAS ORAÇÕES PRESIDENCIAIS 19- Como se
sabe, celebrar é alegrar-se, regozijar-se por uma realidade positiva,
gratificante e libertadora, por ela dando graças e louvando aquele de quem ela
procede. Nas orações presidenciais, de modo especial na eucarística, exprime-se
visivelmente esse cunho de louvor, ao mesmo tempo que se exprime o sentido da
ação de graças.
O corpo então do formulário oracional se reveste do sentido
da anamnese, do memorial, trazendo assim à memória e tornando presentes as
ações salvíficas que Deus realizou ao longo da história da salvação, culminando
com o evento salvífico de seu próprio Filho. Saibamos, finalmente, que celebrar
é também relembrar, numa volta às origens, buscando sempre uma restauração, uma
nova experiência do fato que se celebra.
20 - Digamos ainda que, por causa do aspecto de memorial
de nossas orações presidenciais, elas incluem em seu corpo oracional a
epiclese, isto é, a invocação do Espírito Santo. De fato, é graças ao Espírito
que elas atingem a eficácia sacramental, libertadas sempre de todo magicismo e
de todo verbalismo ou intelectualismo vazio.
Na oração eucarística, são duas as invocações do Espírito
Santo: uma, sobre os dons do pão e do vinho, para que se tornem o Corpo e o
Sangue do Senhor; e outra, sobre os comungantes, para que, comungando eles o
corpo sacramental de Cristo, se tornem o seu corpo místico, eclesial e
escatológico.
BIBLIOGRAFIA
- Instrução Geral sobre o Missal Romano (Do novo missal)
Pastoral liturgica pnsc
2015 ano B
Mateus