sexta-feira, 29 de junho de 2012

A fé da mulher

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 5, 21-43 que corresponde ao XIII Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. No entanto, neste ano, este domingo coincide com a Festa de São Pedro e São Paulo.
O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o Evangelho do XIII Domingo do Tempo Comum.
Eis o texto
A cena é impressionante. O evangelista Marcos apresenta uma mulher desconhecida como um modelo de fé para as comunidades cristãs. Dela poderão aprender a olhar para Jesus com fé, como ter um toque de cura com ele encontrando a força para começar uma vida nova, cheia de paz e de saúde.
Ao contrário de Jairo, identificado como “chefe da sinagoga” e homem importante em Cafarnaúm, esta mulher não é ninguém. Só sabemos que tem uma doença secreta, normalmente de mulheres, o que lhe impede viver como uma mulher saudável, esposa e mãe.
Ela sofre muito física e moralmente. Ela gastou tudo o que tinha na procura de médicos, mas ninguém conseguiu curá-la. No entanto, recusa-se a viver para sempre como uma mulher doente. Ela está sozinha. Ninguém a ajuda a se aproximar de Jesus. Ela saberá encontrá-lo, no entanto.
Ela não espera passivamente que Jesus se aproxime dela. Ela não espera que ele a toque com suas mãos. Ela vai olhar. Irá superar todos os obstáculos. Ela fará tudo o que está ao seu alcance. Jesus compreenderá seu desejo de uma vida mais saudável. Ela confia plenamente no seu poder de cura.
A mulher não se contenta apenas em ver Jesus de longe. Ela busca um contato mais direto e pessoal. Age de forma decisiva, mais não é um agir louco. Não quer incomodar ninguém. Aproxima-se de Jesus por trás da multidão, e toca seu manto. Nesse gesto delicado se manifesta sua plena confiança em Jesus.
Tudo aconteceu em segredo, mas Jesus quer que todos saibam da grande fé desta mulher. Quando ela, assustada e trêmula, admite o que fez, disse Jesus: “Filha a tua fé te salvou. Vai em paz e com saúde”. Esta mulher, com sua capacidade de buscar e aceitar a salvação oferecida a nós em Jesus é um modelo de fé para todos.
Quem ajuda as mulheres de hoje ao encontro com Jesus? Quem tenta entender os obstáculos que encontrem na Igreja de hoje para viver sua fé em Cristo, em paz e saúde? Quem valoriza a fé e os esforços das teólogas que, sem nenhum apoio e vencendo todos os tipos de resistência e rejeição, trabalham incansavelmente para abrir caminhos que permitam às mulheres viver com mais dignidade na Igreja de Jesus?
As mulheres não encontram entre nós a valorização e a compreensão que encontraram em Jesus. Não sabemos olhar para elas como as olhava Jesus. Mas muitas vezes são também elas que, hoje com sua fé em Jesus e seu sopro evangélico, sustentam a vida das nossas comunidades cristãs.

Cardeal da Opus Dei, que investiga o Vatileaks, anuncia “surpresas”

O cardeal espanhol Julián Herranz, que dirige a comissão de cardeais encarregada de investigar o escândalo gerado pelo vazamento de documentos secretos, do papa Bento XVI, conhecido como Vatileaks, anunciou nesta terça-feira que em breve “revelará surpresas”.

A reportagem está publicada no sítio Religión Digital, 27-06-2012. A tradução é do Cepat.

Interrogado pela imprensa italiana, o purpurado reconheceu que a investigação avança “com rapidez e exatidão” e que o trabalho que conduz, junto com o cardeal eslovaco Jozef Tomko e o italiano Salvatore De Giorgi, “é intenso e ao mesmo tempo útil”, disse. O purpurado admitiu que no Vaticano “todos colaboram”.

O cardeal Herranz, que pertence ao movimento conservador Opus Dei e que costuma ser uma pessoa muito discreta, não esclareceu sobre “a surpresa” que revelará.

“É evidente que nesta fase é necessário manter uma reserva absoluta, porque as pessoas envolvidas, até a conclusão da investigação, têm direito a isso”, destacou. “Trabalhamos com rapidez, mas não podemos estabelecer concretamente os prazos da investigação”, comentou.

Os interrogatórios acontecem num ritmo intenso, com uma média de quatro a cinco pessoas convocadas pela comissão semanalmente, entre religiosos, leigos e responsáveis dos dicastérios ou ministérios da Cúria Romana, explicou Herranz.

No sábado passado, Bento XVI se reuniu com um grupo de cardeais para que o aconselhassem sobre como tratar o inédito vazamento de documentos à imprensa. A imagem do Vaticano foi prejudicada pelo vazamento de uma centena de documentos internos, entre eles numerosas cartas particulares dirigidas ao Papa ou a seu secretário. Isto tem provocado uma das maiores crises do papado de Bento XVI, uma vez que coloca em suspeita, inclusive, sua liderança como guia da Igreja.

Apenas uma pessoa se encontra detida devido a esse caso, o mordomo do Papa, Paolo Gabriele, que desde o dia 23 de maio permanece numa cela especial no Vaticano. Segundo a imprensa italiana, o mordomo não era o único a fornecer documentos para a imprensa italiana. Outras pessoas já romperam o juramento de confidência que deve ser observado por todos os que trabalham na administração do Vaticano. Gabriele está sujeito a uma pena de seis anos de cadeia.

A Cúria de Bento XVI. Sinais de abertura

Com as novas nomeações anunciadas nesta terça-feira, às quais se acrescentará a iminente nomeação do novo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Bento XVI estabeleceu um novo rumo para a Cúria romana. Como se sabe, o Papa promoveu a arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana o arcebispo francês Jean-Louis Brugues, que até agora era secretário da Congregação para a Educação Católica. Também chamou o bispo Vincenzo Paglia, com uma longa história como assistente espiritual da Comunidade de Santo Egídio, para a presidência do Pontifício Conselho para a Família. Fez com que o secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Augustine Di Noia, cubra o novo posto de vice-presidente da Comissão “Ecclesia Dei”; em seu lugar, como “número dois” do dicastério que se ocupa da liturgia, estará o inglês Arthur Roche, até agora bispo de Leeds. Para terminar, o Papa designou como secretário adjunto da Propaganda Fidei o bispo de Kigoma (Tanzânia), Protase Rugambwa, ao passo que como regente da Penitenciária Apostólica nomeou o polonês Krzysztof Jozef Nykiel.
A reportagem é de Andrea Tornielli e está publicada no sítio Vatican Insider, 27-06-2012. A tradução é do Cepat.

Deve-se destacar que são três os italianos que deixam seus postos (os cardeais Raffaele Farina e Ennio Antonelli, e o bispo Gianfranco Girotti) e que apenas um italiano ocupará um deles (Paglia). E não se pode deixar de notar que o sinal destas mudanças não pode ser classificado como conservador ou tradicionalista. Paglia tem uma longa experiência no diálogo ecumênico e nas iniciativas a favor dos pobres; Brugues é visto como homem aberto e de meditações nas controvérsias que envolveram as universidades católicas nestes anos; Roche é um bispo moderno (não modernista), fiel ao Concílio, especialista em liturgia (durante 10 anos presidiu a ICEL, International Commission on English in Liturgy) e seguramente não tem uma agenda tradicionalista. Quando em 2009 já era candidato para este posto, era o auxiliar do cardeal Murphy O’Connor.

A nova leva de nomeações, em seu conjunto, é um sinal para que se detenha um pouco a ala mais conservadora da Cúria e demonstra a vontade do Papa para manter aberta a linha do diálogo “com todos os campos”. A mudança de abertura de Bento XVI se confirmará dentro de poucos dias, com a designação do bispo de Regensburg Gerhard Ludwig Müller como novo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A candidatura de Müller (teólogo alemão que Ratzinger reconhece muito bem) foi o alvo dos ataques de certos ambientes eclesiásticos que consideram o bispo de Regensburg “muito aberto”.

As promoções desta semana e as nomeações, pois, não parecem indicar que o secretário de Estado Tarcisio Bertone esteja para deixar o cargo. A hipótese de uma mudança é considerada, mas não no futuro imediato, sob a pressão dos “vatileaks”, que tinham como um dos principais alvos justamente o “primeiro ministro” do Papa.

Ortodoxos e católicos. A unidade sob o signo do Concílio

Trata-se de um diálogo lento, mas constante. Em razão da solenidade dos santos apóstolos, Pedro e Paulo, Bento XVI recebeu no Vaticano uma delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, enviada pelo patriarca Bartolomeu I, no marco da troca de visitas entre a Igreja de Roma e o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, por ocasião das festas de seus respectivos patronos.

A reportagem é de Luca Rolandi, publicado no sítio Vatican Insider, 28-06-2012. A tradução é do Cepat.

A delegação, que entregou ao Papa uma mensagem do Patriarca, era composta, segundo o que aponta o Vatican Information Service, pelo metropolita da França, Emmanuel Adamakis; o bispo Ilias Katre, de Philomelion (EUA); e o reverendo Paisios Kokkinakis, do Santo Sínodo do Patriarcado Ecumênico.

A festividade dos santos Pedro e Paulo, disse Bento XVI aos representantes do Patriarcado Ecumênico “nos dá a oportunidade de agradecer ao Senhor as obras extraordinárias que fez e continua fazendo por meio dos apóstolos na vida da Igreja. Sua pregação, selada pelo testemunho do martírio – observou – é a base sólida e perene sobre a qual se assenta a Igreja, e na fidelidade ao depósito da fé, que nos tem transmitido, encontramos as raízes da comunhão que já experimentamos entre nós”.

“Em nosso encontro – ao mesmo tempo em que pedimos a intercessão dos gloriosos apóstolos e mártires, Pedro e Paulo, nossa súplica é para que o Senhor [...] nos conceda chegarmos preparados para o dia abençoado em que possamos compartilhar a mesa eucarística – damos-lhe graças pelo caminho de paz e reconciliação que nos faz percorrer juntos. Neste ano, completa-se o quinquagésimo aniversário de abertura do Concílio Vaticano II, [...] e foi nesse Concílio que, como vocês sabem, estiveram presentes alguns representantes do Patriarcado Ecumênico na qualidade de Delegados fraternos, quando foi aberta uma nova fase importante das relações entre nossas Igrejas. Louvemos o Senhor, primeiramente, pelo redescobrimento da irmandade profunda que nos une, e também pelo caminho percorrido nestes anos pela Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa, em seu conjunto, com a esperança de que, também na fase atual, progrida”.

“Recordando o aniversário do Concílio Vaticano II, acredito que é justo rememorar a figura e a atividade do inesquecível patriarca ecumênico Atenágoras [...] que junto ao beato João XXIII e o servo de Deus, Paulo VI, animados com a paixão pela unidade da Igreja, que nasce da fé em Cristo Senhor, promoveram valorosas iniciativas que solidificaram o caminho e as relações renovadas entre o Patriarcado Ecumênico e a Igreja católica. Alegra-me, profundamente, que sua santidade Bartolomeu I continue com renovada fidelidade, e criatividade fecunda, o caminho traçado por seus predecessores, os patriarcas Atenágoras e Dimitrios, e que seja conhecido, em todo o mundo, por sua abertura ao diálogo entre os cristãos e por seu compromisso em anunciar o Evangelho no mundo contemporâneo”, finalizou o Santo Padre.

Uma nova espiritualidade global?

Em seu último livro, Souci de soi, conscience du monde [Cuidado de si, consciência do mundo], o sociólogo Raphaël Lioger defende que a nossa época é o cenário de uma transformação radical do religioso, na qual o sagrado invade todas as esferas da vida social.
A reportagem é de Antoine Dhulster, publicada na revista Témoignage Chrétien, 23-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.

Em seu último livro, você explica que a nossa época assiste ao surgimento de uma nova religião: o indivíduo-globalismo. Você não vai um pouco longe demais ao defini-la como uma religião?


Tudo depende do que se entende por religião. Para mim, é o âmbito das atividades humanas em que se desenvolvem as instituições especializadas na produção e na difusão de mitos. Os mitos são os grandes relatos implícitos, impensados, aos quais todos nós aderimos. Eles estruturam a nossa existência e lhe dão um sentido. E isso, muito além da esfera "religiosa" em sentido estrito.
Por exemplo, no mundo cristão, a crença não se detém nas portas das igrejas. Ela está difundida em toda a sociedade, até mesmo nas atividades cotidianas. Eu acredito que o nosso mundo desenvolvido, ou pós-industrial, está submetido a uma nova tensão mítica, a um novo grande relato. Nesse novo marco, o indivíduo busca a sua realização, a resposta às suas perguntas metafísicas, em um processo que inclui preocupações globais: a ecologia, a paz mundial etc. A tensão entre essas duas dimensões – individual e global – é o que chamo indivíduo-globalismo.

Em que se baseia essa espiritualidade?

Em primeiro lugar, em uma visão moderna do ser humano, radicalmente diferente daquela que dominou durante séculos. Na antiguidade grega, pensava-se o ser humano como uma pessoa que adquiria sua dignidade na participação na vida da polis. Depois, dependendo dos contextos e das épocas, na vida da tribo, da família e da nação. Na época moderna, nasce o indivíduo. O conceito de indivíduo é a ideia segundo a qual o ser humano se volta à sua subjetividade, que é abissal, e que se torna, ela mesma, uma espécie de transcendência. Segundo elemento: a nossa visão de mundo. Também a partir da época moderna, se desenvolve uma visão do nosso universo como um conjunto infinito.
Até esse momento, a própria ideia de infinito era muito negativa. Os gregos pensavam o cosmos como algo perfeito, porque finito, determinado. Em pensadores como Kant, no fim do século XVIII, vê-se aparecer, portanto, essa dupla noção de indivíduo, que conquista a sua subjetividade em um mundo que se pensa já infinito. A lei moral está nele, como subjetividade abissal. E, por outro lado, há o universo infinito, o céu estrelado acima dele. No século XIX, particularmente com o movimento romântico, esse esquema de pensamento supera o quadro da razão e conquista o campo da emoção. Depois, alcança os nossos modos de viver. Antes marginalmente, em comunidades como a de Monte Verità, na Suíça, depois de forma espetacular com a Nova Era nos anos 1960 e com as nossas preocupações místicas e ecológicas hoje.
Eu tento mostrar que há uma continuidade entre esse longo processo intelectual – a subjetividade do sujeito e o mundo pensado como infinito – e o nosso modo de viver atual. Os mesmos elementos são mobilizados, na busca do bem-estar pessoal nos atos mais cotidianos e, ao mesmo tempo, com a preocupação de um equilíbrio global. Se alguém tivesse hibernando nos anos 1970 e se acordasse agora, constataria que os hippies tomaram o poder. Muitos pensadores analisaram essa reviravolta como a da pós-modernidade. Pessoalmente, defendo a ideia de que a pós-modernidade é a modernidade em atos.

Como imaginar a relação entre o indivíduo-globalismo e as religiões institucionais?

Há uma coexistência entre esse esquema e as grandes religiões. Estas continuam existindo porque o velho mundo, que as criou, ainda existe. Mas estamos em um período de transição. E, a meu ver, existem três possibilidades para as grandes religiões: ou resistem agarrando-se ao passado e, nesse caso, haverá a fuga dos fiéis; ou fazem compromissos com a modernidade e se mantêm vivas; ou antecipam as transformações futuras e, nesse caso, aumentarão seus fiéis.
Concretamente: no cristianismo, uma parte do indivíduo-globalismo, na sua versão emocional, se manifesta nos movimentos evangélicos, que veiculam uma efervescência coletiva e fazem com que os fiéis acreditem que poderão mudar as suas vidas. A Igreja Católica resistiu a essa mudança trazida pelos evangélicos. Resultado: perdeu todos os ciganos franceses, ou se tornaram praticamente neoevangélicos, embora continuando a praticar o culto de Maria, que normalmente é incompatível com o culto protestante, mas isso não é problema para eles. Em um certo ponto, a Igreja começou a compreender esse movimento e "enquadrou" a renovação carismática. Assim, ela passou para a segunda atitude, a da negociação.

Então, a Igreja Católica ainda tem uma carta na manga com relação à modernidade?

Sim, de forma evidente. O indivíduo-globalismo é o produto da modernidade. Mas também devemos lembrar que a modernidade é o produto da evolução dialética do cristianismo, do qual a Igreja Católica participa há 2.000 anos. A relação com o indivíduo pensado como sagrado está presente cristianismo mediante a ideia de encarnação. Lembremos ainda que a filosofia iluminista é um desenvolvimento da teologia cristã em um certo nível. Ora, é justamente a filosofia iluminista que faz nascer o indivíduo-globalismo. Portanto, a Igreja Católica pode se recompor compativelmente com esse novo mito. E ela já faz isso, através das suas redes e das suas ONGs que levam a voz católica ao mundo, à ONU, às instituições internacionais... Mas essa mudança de paradigma pressupõe o abandono de uma parte da sua dogmática, que a mantém nos velhos esquemas.

A Igreja poderia abandonar a sua dogmática? Você acredita nisso?

Pode haver uma resistência muito forte, mas a história nos mostra que a necessidade faz a norma. Por enquanto, a Igreja não está à beira do abismo, mas, quando chegar ao ponto em que não poderá nem mesmo manter o Vaticano, acho que ela aceitará reinterpretar o seu dogma.

Você certamente percebeu que a tendência atual, ao contrário, é o do retorno à Tradição...

Certamente, é um reflexo clássico, provocado pelo medo. Quando temos medo, nos retraímos. Falando em termos de imagem, constroem-se barragens para se proteger das correntes dominantes. Mas, ao fazer isso, proibimo-nos de pensar ou de compreender essas correntes, fixamos a atenção sobre as barragens artificiais. É o mesmo processo do debate francês sobre a identidade. Se fazemos um debate sobre a identidade, significa que a identidade não é mais evidente. Naturalmente, a identidade é algo impensável. Se eu preciso torná-la reflexivo, quer dizer que ela não existe mais. É a mesma coisa para a religião. Quando um indivíduo quer se pensar tradicional, ou integralista, constata implicitamente que a sua tradição morreu.

Que fé, que conteúdo você vê para essa nova espiritualidade que anuncia?

As religiões se recompõem em torno a uma noção central, a energia, que é, ao mesmo tempo, salvadora e pessoal. Daí a noção de conexão, de conectividade entre o individual e o global, entre o indivíduo e a natureza. Nesse contexto, o próprio dogma católico é reinterpretado com essa ideia de energia. É preciso pensá-lo perto do imaginário da ioga, da espiritualidade oriental.

Então a sua tese é a de uma releitura da tradição cristã em uma versão sincrética influenciada pelas outras formas de espiritualidade?

Sim, e isso terá como resultado tornar-nos bipolares. Interiorizaremos, cada um de nós ao nosso nível, as culturas diferentes à nossa. Por exemplo, incensaremos o taoísmo ou o budismo, porque se pressupõe que sejam próximos à natureza. E, simetricamente, rejeitaremos o catolicismo... mas só em um primeiro momento, porque certos aspectos do catolicismo permitem pensar a ecologia, a união com a natureza, o equilíbrio global. É neste jogo de confrontos que o rolo compressor indivíduo-global avança e aproxima as religiões, focando-se na sua estética, mas removendo-lhes o seu núcleo dogmático. As religiões tornam-se pouco a pouco intercambiáveis. Na prática, vê-se o aparecimento de híbridos: faz-se ioga cabalística, gi gong cristão ou meditação zen recebendo a comunhão...

Mas, na prática, todos esses comportamentos continuam sendo individuais, muito limitados. Que relação existe com a prática religiosa da maioria?

Isso é muito menos limitado do que se pensa. No Ocidente, essa espiritualidade é levada adiante pela classe média. Falando em termos midiáticos, os "bobo" [neologismo criado pelo jornalista norte-americano David Brooks a partir da contração de "burguês-boêmio", para se referir a uma pessoa de um certo nível de vida com um estilo de vida pouco convencional]. Mas não só. Poderiam ser acrescentados os católicos de esquerda, muito interessados no diálogo inter-religioso ou o âmbito humanitário, processos indiscutivelmente indivíduo-globais.
As outras partes da população aderem ao mito indivíduo-global, mas não podem se permitir isso completamente, eu poderia dizer. O indivíduo-globalismo é a cor dominante do quadro, mas uma parte da população o percebe como degradado. Nem todos vivem o conhecimento de si mesmo, a realização pessoal, mas todos aspiram a isso. O único que chega a viver essa busca no seu cotidiano é o "bobo" no seu trabalho. Mas a busca, no entanto, se refere a todos. Assim, os outros vão viver os mesmos problemas... no seu tempo livre, fazendo estágios de desenvolvimento pessoal, viagens espirituais, consumindo produtos orgânicos etc.

E em escala planetária?

Encontramos a mesma assimetria. Aqueles que são objeto dos novos cultos (os povos tradicionais, por excelência) sabem que fazem parte do cenário da experiência espiritual que os cidadãos das sociedades pós-industriais buscam viver. Eles mesmos são obrigados a imaginar o que aqueles turistas esperam esteticamente para fazer com que vivam uma experiência. Senão, perdem a força de atração econômica. Portanto, há uma forte pressão ideológica, em que aqueles que jogam esse jogo de papéis (o que eu chamo de "hiperbeduínos" ou "hiperzulus") acabam se afastando do "núcleo" da sua cultura para corresponder às expectativas dos cidadãos das sociedades pós-industriais. Desse ponto de vista, a "valorização" do outro, na realidade, contribui para a sua destruição identitária. Em escala planetária, é a uniformização. As únicas diferenças que restam são estéticas, permitem viajar e viver a aventura para progredir interiormente e encontrar a si mesmos.

Essa mudança lhe parece irreversível?

Sim. Há precisamente a formação de um fundo mítico comum a toda a humanidade, que corresponde a uma situação política, econômica, em que todos já tomaram consciência da condição dos outros. Portanto, não é possível voltar atrás. Quais serão as consequências dessa revolução em algumas décadas? Poderão ser positivas ou negativas. Pode-se até imaginar um integralismo indivíduo-globalista: seitas de loucos poderiam querer destruir a humanidade ou instaurar uma ditadura anti-humanista por causa das devastações causadas pelos seres humanos ao meio ambiente. É possível. Assim como é possível um mundo em que a realização pessoal se tornará a norma dominante. O roteiro ainda está para ser escrito.