O ponto de vista de Francisco se
enraíza em uma original "diplomacia da caridade". O que importa não são
abstratamente a justiça, a paz ou outros princípios. É decisivo
colocar-se do lado das vítimas.
Por Agostino Giovagnoli
Da dor de Francisco pelo que está acontecendo na Síria brotou um ato de
grande audácia. De fato, o papa expressou uma severa condenação contra o
uso das armas químicas: "Eu ainda tenho fixas na mente e no coração as
terríveis imagens", em particular as das crianças. E, a propósito de
quem as utiliza, presumivelmente Bashar al-Assad, ele acrescentou
palavras terríveis: "Há um julgamento de Deus e também da história sobre
as nossas ações, dos quais não podemos fugir".
E, nesse domingo, voltou a condenar os conflitos com palavras que trazem
à baila também os grandes interesses econômicos: "As guerras são feitas
apenas para vender armas". Mas também disse que guerra chama guerra, e
que violência chama violência. Nesse caso, a crítica refere-se à
intervenção militar anunciada por Obama. E a Putin, ele escreveu
palavras que claramente dizem respeito ao próprio presidente russo:
"Muitos interesses de parte têm prevalecido desde quando iniciou o
conflito sírio, impedindo que se encontre uma solução que evite o inútil
massacre a que estamos assistindo".
O humilde papa que veio do fim do mundo, em suma, dirigiu, ao mesmo
tempo, palavras de fogo a todos os poderosos da terra. O que o levou a
tal audácia? O confronto entre as posições norte-americanas e as de
Francisco foi reconduzido à relação entre os dois princípios da justiça e
da paz, ponto crucial do pensamento ético-político ocidental. Se se
quer afirmar a primeira, é necessário recorrer à força, mas isso
contrasta com a segunda, que implica, ao invés, diálogo, negociações,
mediações.
Obama falou da intervenção militar como de um ato de justiça,
consequência obrigatória do emprego de armas vetadas pelas regras
internacionais. A iniciativa de Francisco, ao contrário, reabriu a
discussão sobre o magistério pontifício contemporânea sobre o tema da
paz, da Pacem in Terris de João XXIII, ao grito de Paulo VI na ONU –
"Nunca mais a guerra", retomado no Ângelus do dia 1º de setembro –, do
apoio de João Paulo II à intervenção humanitária nos Bálcãs, à oposição
muito firme desse mesmo papa à guerra no Iraque.
Notou-se que a condenação da guerra não foi absoluta e constante no
papado contemporâneo, embora tenham diminuído cada vez mais as
motivações que justificam a "guerra justa". Questionou-se, por isso, se
Francisco dará o passo definitivo, banindo a guerra sempre e de todas as
formas. O ponto de vista de Francisco, porém, é diferente e se enraíza
em uma original "diplomacia da caridade".
O que importa não são abstratamente a justiça, a paz ou outros
princípios, embora importantes: é decisivo, ao contrário, colocar-se do
lado das vítimas. Na Síria, grande parte da população já sofre há anos
enormes sofrimentos, e hoje uma intervenção armada não aliviaria e não
impediria outras. O mesmo espírito anima a parte da carta a Putin
dedicada à economia, em que Francisco pede que os grandes da terra
"permitam uma vida digna a todos os seres humanos, dos mais idosos às
crianças ainda no ventre materno, não só aos cidadãos dos países membros
do G20, mas a todo habitante da Terra, até mesmo àqueles que se
encontram nas situações sociais mais difíceis ou nos lugares mais
remotos".
A diplomacia do papa Francisco, em outras palavras, é uma diplomacia a
serviço dos pobres, das vítimas da guerra àqueles que sofrem fome, em
nome dos quais ele interpela aos poderosos da terra.
O nó da relação entre justiça e paz, por isso, também ser desfeito
colocando-se do ponto de vista dos pobres: muitas vezes, o uso da força
para punir aqueles que violam a justiça tem pouca utilidade para eles,
enquanto frequentemente são eles que sofrem mais a guerra e, por outro
lado, se beneficiam menos da paz. Mas não se trata de regras rígidas,
somente de lições que vêm da experiência, e, em todo o caso, a escolha
deve ser feita segundo as circunstâncias históricas concretas. Por isso,
o jejum não é acessório: constitui um apelo às consciências, para que
todos assumam as suas próprias responsabilidades, renunciando à
indiferença e ao interesse.
Foram os pobres, portanto, que deram a Francisco a força para discutir
em pé de igualdade com os grandes da terra, de Obama a Putin, sem medo
de criticá-los. O governo norte-americano respondeu com arrogância que o
papa representa apenas a Igreja Católica. Mas é uma resposta
precipitada. A mobilização de muitos – não só católicos, mas também
outros, como os muçulmanos sírios – pela iniciativa de oração e jejum
não constitui um evento irrelevante. E são bilhões aqueles que, em nome
Francisco, tomaram a palavra, sem fazer distinções políticas, culturais
ou religiosas: o povo muito vasto que vive nas periferias do mundo.
Também há, enfim, algo mais. O grito do papa revelou um vazio: nenhuma
das diversas posições assumidas pelos governos ou pelas organizações
internacionais sobre a questão síria parece hoje resolutiva. Portanto,
se equivocariam as diplomacias subestimando quem é capaz de revelar o
vazio da sua impotência.
La Repubblica, 09-09-2012.
*Agostino
Giovagnoli é professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em
Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma
instituição.