A análise é do teólogo italiano Rosino
Gibellini, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e em
filosofia pela Universidade Católica de Milão.
Meio
século atrás, no dia 11 de outubro de 1962 – depois de três anos de
laboriosa preparação –, iniciava a primeira sessão do Concílio Vaticano
II, com um memorável e envolvente discurso do Papa João XXIII, Gaudet
Mater Ecclesia – "A Santa Mãe Igreja se alegra" – em que discordava dos
"profetas da desgraça" e previa uma Igreja que "quer se mostrar como mãe
amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e de
bondade".
Nas suas quatro sessões (1962-1965) e com os seus 16 documentos, o
concílio fez uma reviravolta doutrinal e pastoral, de uma Igreja que se
autodefinia em termos jurídico-sociais de sociedade hierarquicamente
estruturada a uma Igreja que, mais biblicamente, se autocompreende como
povo de Deus e como comunhão. Para a eclesiologia de comunhão, cada
membro é discípulo de Cristo, sujeito diante de Deus, testemunha do
Evangelho.
O documento do concílio sobre a Igreja colocou a Igreja mais
intimamente em relação com a sua origem, que é a palavra de Deus (Dei
Verbum), e com a sua missão de evangelização e de solidariedade com "as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias" da humanidade
(cf. Gaudium et Spes 1). Surgiu daí uma Igreja mais evangélica, mais
dialógica e solidária. Mas Rahner observava: "Certamente, passará muito
tempo até que a Igreja, que recebeu de Deus a graça do Concílio Vaticano
II, seja a Igreja do Concílio Vaticano II".
Uma das categorias centrais dos textos do concílio é a de
"evangelização", retomada e reproposta em seguida. Paulo VI, na
exortação apostólica Evangelii nuntiandi (1975), afirmava: "Evangelizar
constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais
profunda identidade. Ela existe para evangelizar" (n. 14). E João Paulo
II indicava como principal tarefa do novo milênio: "Uma nova
evangelização: nova no seu ardor, nos seus métodos, na sua expressão".
Bento XVI continua a obra de uma nova evangelização, indicando o seu
conteúdo, ou seja, "o kérygma cristológico [...] a nova evangelização
consiste em dar testemunho de Jesus Cristo diante do mundo e em ser
fermento do amor de Deus entre os seres humanos", e, convocando o Sínodo
romano do 50º aniversário do concílio (2012), sobre o tema "A nova
evangelização para a transmissão da fé cristã" [1].
1. Por um cristianismo de encarnação
A historiografia de assinatura católica se faz a pergunta: qual
teologia antecipou e preparou o Vaticano II? Entre as primeiras fontes
evidencia-se o artigo de Yves Congar, Une conclusion théologique à
l’enquête sur les raisons actuelles de l’incroyance [Uma conclusão
teológica para a investigação sobre as razões atuais da incredulidade],
que apareceu na La Vie Intellectuelle (1935, 214-249), na conclusão da
Pesquisa promovida pela mesma revista, La Vie Intellectuelle, em
1933-1934, sobre as razões da incredulidade nos diferentes ambientes da
sociedade francesa.
Congar fala de "fé desencarnada": "A fé, por assim dizer, se
desencarnou, esvaziada do seu sangue humano". A resposta de Congar
começou a introduzir "uma linguagem encarnacionista", para superar o
"divórcio" entre Igreja e mundo.
De acordo com Thils, de Louvain, autor de uma Teologia das realidades
terrestres (1946-1949), existem três tipos de cristãos: "o cristão
liberal", o "cristão da encarnação" e o "cristão da transcendência".
O cristão liberal se adapta ao mundo; o cristão de encarnação assume o
mundo para transformá-lo; o cristão de transcendência nega o mundo.
O cristão da encarnação é movido por um "espírito de conquista", é
animado por uma "espiritualidade da ação" e tem uma visão otimista do
mundo, mesmo que o seu otimismo não é o otimismo naturalista.
O cristão da transcendência, ao invés, propõe um apostolado de
"testemunho" e de "presença", é animado por uma "espiritualidade
contemplativa" e alimenta um "pessimismo sobrenaturalista" com relação
ao mundo, que Thils via convergente com o pessimismo protestante, com o
pessimismo existencialista expresso no romance filosófico A náusea
(1938), de Sartre, e com o pessimismo da geração que viu as destruições e
as ruínas da guerra.
À pergunta, expressa no título de um livrinho seu de 1950,
Transcendência ou encarnação?, o teólogo lovaniense respondia:
transcendência e encarnação, mas era evidente que é o cristianismo de
encarnação que faz a síntese, enquanto o cristianismo de transcendência
corre o risco de evasão, o misticismo, o pessimismo.
Em síntese, essas eram as posições que se confrontavam. Bouyer e
Daniélou, de um lado; Thils Malevez, de outro eram os representantes
mais conhecidos e mais citados das duas posições em campo, escatologismo
e encarnacionismo, na teologia católica de língua francesa do
pós-guerra. As duas posições também se remetiam a duas revistas
respectivas, ou seja, a posição escatologista à Dieu Vivant, que foi
publicada de 1945-1955 e na qual colaboravam de forma estável Gabriel
Marcel, Bouyer e Daniélou; e a posição encarnacionista à Esprit, a
revista cultural fundada por Mounier em 1932 e na qual colaboravam,
principalmente, leigos católicos, mas cujas posições também
influenciavam a discussão teológica.
Em 1955, teve início a edição, póstuma, das obras filosóficas e
teológicas de Pierre Teilhard de Chardin, onde foi definitivamente
teorizada uma convergência de fundo entre reino de Deus e esforço
humano, entre religião do Ao-Alto [En-Haut] e religião do À-Frente
[En-Avant], entre adoração e busca. Segundo a terminologia dos anos 1940
e 1950, é preciso dizer que Teilhard de Chardin é o mais ilustre e o
mais decidido representante de uma concepção encarnacionista do
cristianismo.
B. Besret, que traçou a história do léxico teológico focalizado na
disjunção "encarnação ou escatologia?", começa a sua análise com 1935,
isto é, a partir do artigo de Congar já citado no comentário conclusivo
de uma investigação sobre as razões da incredulidade nos diversos
ambientes da sociedade francesa, promovida pela La Vie Intellectuelle
nos anos 1933-1935, em que falava de "fé desencarnada" e propunha
superar o "divórcio" entre Igreja e mundo; e a terminava em 1955, quando
cessaram os cahiers da revista Dieu Vivant, que havia constituído a
tribuna da posição escatologista.
O Concílio Vaticano II, ao tratar das complexas relações entre Igreja
e mundo, deu indicações que se colocam em uma linha teológica e
pastoral, que poderia ser definida como de encarnacionismo moderado.
Afirma a constituição pastoral Gaudium et Spes (1965): "Por conseguinte,
embora o progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do
crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em que pode
contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa
muito ao reino de Deus" (n. 39) [2].
Na teologia pós-conciliar, depois, emergiriam linhas de reflexão, que
podem ser vistas como uma "retomada", em outro contexto histórico e com
outras metodologias, da teologia da história (ou de algumas de suas
temáticas, como a relação entre salvação e história), ou seja, uma
reflexão teológica sobre os problemas relativos à práxis dos cristãos na
história e na sociedade (teologia política e teologia da libertação)
[3].
2. Dimensão cósmica e futúrica da Encarnação
Se agora nos transferirmos dos textos conciliares para a teologia do
pós-Concílio, gostaria de me referir a uma obra maior e de autoridade do
pós-Concílio, isto é, a Introdução ao cristianismo, de Joseph
Ratzinger, publicada na língua original alemã em Munique em 1968, que
reproduz as lições sobre o Credo, proferidas pelo teólogo então com 40
anos na Universidade de Tübingen, no semestre de verão de 1967, em um
curso destinado, segundo uma culta tradição da Europa Central, aos
auditores de todas as faculdades. Nas análises de Ratzinger, faz-se um
notável uso da visão de Teilhard de Chardin para ilustrar a teologia da
encarnação na sua dimensão cósmica e de futuro.
O ser humano, para Teilhard – assim argumenta o teólogo Ratzinger – é
uma mônada, que pode se tornar integralmente ela mesma somente quando
deixa de estar sozinha. A mônada humana se insere no movimento da
evolução, entrando em um processo de complexificação. O ser humano é um
ponto terminal no devir do mundo, mas é um elemento que aspira a uma
totalidade, que o abrace, sem aniquilá-lo. A estabilidade não é dada,
positivisticamente, pela massa, pela matéria cinzenta, pela coesão das
coisas, mas sim "pelo entrecruzar-se das coisas a partir do alto".
Escreve Ratzinger: "A fé cristã não é só olhar retrospectivo para o
passado, um ancorar-se em uma origem situada em um tempo atrás de nós;
pensar desse modo significaria acabar no romantismo e em uma simples
restauração. Ela também não é pura contemplação do eterno, porque isso
seria platonismo e metafísica. É também e sobretudo olhar à frente,
sopro de esperança. Certamente, não apenas isso: a esperança se tornaria
uma utopia, se o seu fim fosse unicamente um produto do ser humano. É
autêntica esperança justamente pelo fato de estar inserida no sistema de
coordenadas constituído por todas as três grandezas: o passado, ou
seja, abertura, irrupção já ocorrida; o presente do Eterno, que dá
unidade ao tempo fragmentado; o futuro, em que Deus e o mundo se
encontrarão, e assim realmente Deus estará no mundo e o mundo, em Deus,
como ponto Ômega da história".
E continua: "A partir da fé cristã se poderá dizer: no fim da
história, está aquele Deus mesmo que está no princípio do ser. Nisso se
delineia o vasto horizonte do ser-cristão, que o distingue tanto da pura
metafísica, quanto da ideologia do futuro própria do marxismo. De
Abraão até o retorno do Senhor, a fé cristã caminha ao encontro d´Aquele
que há de vir. Mas em Cristo ela já conhece agora o rosto d´Aquele que
há de vir: será o homem capaz de abraçar a humanidade, porque perdeu a
si mesmo e esta em Deus" [4].
O teólogo Ratzinger apelava ao pensamento de Teilhard de Chardin, que
ele meditava, como evidenciado pelas citações, desde uma das primeiras
introduções ao seu pensamento – a conhecidíssima Introduction à la
pensée de Teilhard de Chardin, de Claude Tresmontant (Ed. Seuil, 1956)
(lida na rápida tradução alemã pela editora Herder, Friburgo, em 1961,
e, portanto, bem no meio do intenso debate desencadeado pela revista
Divinitas, de Latrão, em 1959).
A obra de Ratzinger, que utiliza ampla e positivamente a visão
evolutiva de Teilhard de Chardin, com a única nota de que usa "uma
linguagem biologista", remonta a 1967-1968, a poucos anos do Monitum do
Santo Ofício de 1962, e demonstra que, na grande teologia católica, em
poucos anos, estamos além da disputa sobre a ortodoxia do seu pensamento
e na fase de uma utilização positiva do seu pensamento.
Essa visão de totalidade, em que se insere o evento do Cristo, também
se encontra sublinhada pelo cardeal Carlo Maria Martini naquele seu
livro surpreendente e confidencial, que deve ser lido, os Diálogos
noturnos em Jerusalém, de 2008, em que escreve: "Eu olho para o futuro.
Quando vier o Reino de Deus, como ele será? Depois da minha morte, como
encontrarei Cristo, o Ressuscitado? Teilhard de Chardin sempre me
entusiasmou, ele que vê o mundo prosseguir rumo à grande meta, onde Deus
é tudo em todos. A sua utopia é uma unidade que atribui a cada um o seu
lugar pessoal, transparente e aceito por todos os outros. O que é
pessoal permanece, mas em Deus somos um. A utopia é importante: só
quando você tem uma visão, é que o Espírito te eleva acima de conflitos
mesquinhos" [5].
3. No diálogo intercultural e inter-religioso: a figura do Cristo universal
Teilhard de Chardin não era um teólogo de profissão, mas as suas
reflexões contribuíram para abrir um vastíssimo campo de trabalho para
os teólogos, em particular realizaram aquela que foi chamada de uma
"dinamização da cristologia" (G. Crespy).
"Eu sinto que se torna mais urgente do que nunca no íntimo do meu ser
– escrevia Teilhard em uma das suas Cartas de viagens – a grande
questão de uma Fé (uma ´cristologia´), que anime ao máximo as forças de
hominização (ou, e é o mesmo, as forças de adoração)" [6].
A sua reflexão cristológica se move passando por três planos, nem
sempre, metodologicamente, claramente distintos entre si: de um ômega
como ponto de maturação planetária, alcançado como hipótese no âmbito da
análise fenomenológica, do processo evolutivo; a um Ômega divino,
pessoal e transcendente, motor para a frente do processo evolutivo,
alcançado como hipótese filosófica; e finalmente ao Cristo da revelação
como verdadeiro e real Ômega da evolução, alcançado através de um ato de
fé teologal e de uma investigação teológica.
A obra de teológica de Teilhard, portanto, consiste na tentativa de
explicar como o Cristo da revelação pode ser identificado como o Ômega
da evolução, ou, em termos tipicamente teilhardianos, como pode haver,
revelando-se a estrutura do cosmos como cosmogênese, uma cristogênese,
da qual P. Schellenbaum finamente reconstruiu seu desenvolvimento e
tecitura teórica.
Teilhard, "o cristão fiel na terra" (P. Grenet), está em busca do
Cristo universal. Ele anota no seu Diário no dia 19 de agosto de 1920:
"São Bruno, diz o padre de Grandmaison, quis imitar o Cristo-solitário;
São Francisco viu e quis fazer com que o Cristo-pobre reinasse; São
Domingos, o Cristo-verdade; Santo Inácio, o Cristo-cabeça. Quem,
portanto, virá e encontrará o meio para fazer reinar praticamente o
Cristo Alfa e Ômega, o Cristo de São Paulo, o Cristo universal? Que eu
seja, com a minha vida ou com a minha morte, o ínfimo precursor desse
homem e desse movimento […]" [7].
Quase todos os títulos que Teilhard atribui a Cristo na sua reflexão
cristológica podem se remeter a esse do Cristo universal, assim como as
suas nuances e articulações: o Cristo cósmico é o Cristo visto como
princípio de consistência de todas as coisas (in quo omnia constant); o
Cristo Ômega é o Cristo entrevisto como ponto pessoal terminal ao qual
tendem todas as coisas e que a todas as coisas dará cumprimento e
recapitulação (ad quem omnia tendunt); o Cristo Evoluidor é o Cristo
entendido como princípio energético-amorizzante que anima o processo do
mundo e o devir do fenômeno humano.
Se a evolução universal tem uma direção e um sentido, se ela terá um
resultado final positivo e uma consumação final, se os seres humanos
conservarão o gosto da ação e não se determinará uma greve de dimensões
noosféricas, isso só pode ser entendido no Cristo universal.
No pensamento de Teilhard, teologia e ciência se encontram no
delineamento de uma convergência de fundo entre reino de Deus e esforço
humano, entre religião do Ao-Alto e religião do À-Frente, entre adoração
e busca. Concluindo um estudo sobre Teilhard de Chardin, eu indicava
esse texto, retirado do seu epistolário, como particularmente apto a
identificar a preocupação "teológica" que animava o jesuíta cientista:
"Fora da Igreja, há uma imensa quantidade de bondade e de beleza que,
sem dúvida, não se cumprirá senão no Cristo, mas que, à espera de que
isso ocorra, existem e com as quais é preciso que nos simpatizemos, se
quisermos assimilá-las a Deus. Anteontem, diante de um auditório
sino-americano, um simpaticíssimo professor de Harvard nos expunha, com
toda a simplicidade e humildade, o seu modo de entender o despertar do
pensamento na série animal. Eu refletia sobre o abismo que separa o
mundo intelectual, em que eu me encontrava e do qual compreendia a
língua, do mundo teológico e romano, cujo idioma também me é conhecido.
Depois de um primeiro choque diante da ideia de que esse idioma também
poderia e deveria ser tão real quanto aquela, eu disse a mim mesmo que,
talvez, eu era capaz, falando a primeira língua, de fazer com que ela
expresse legitimamente o que o outro idioma conserva e repete nas suas
palavras que se tornaram incompreensíveis para muitos. Por mais bizarro
que isso possa ter me parece no início, acabei me dando conta de que,
hic et nunc, o Cristo não era alheio às preocupações do professor
Parker, e que, com o seu subsídio de algumas mediações, se poderia fazer
com que ele passasse da sua psicologia positivista a uma certa
perspectiva mística. Essa constatação me reconfirmou. Oh! Essas são as
Índias, que me atraem mais do que as de São Francisco Xavier! Mas que
enorme problema, não mais de ritos, mas de ideias, deve ser resolvido
antes de poder convertê-las realmente" (carta de Pequim, 1926) [8].
E. Borne instituiu uma instrutiva comparação entre Pascal e Teilhard:
ambos de Auvergne e ambos cientistas: "Pascal ou o encontro dramático
do homem clássico com o espaço. Teilhard ou o encontro dramático do
homem moderno com o tempo" [9]. A resposta de Pascal aponta para a
desproporção do ser humano: o ser humano, na nova imagem do mundo, se
sente materialmente diminuído, mas espiritualmente engrandecido, e
abre-se assim um novo caminho para uma metafísica do espírito.
Teilhard responde propondo uma nova leitura da evolução, apontando,
através da lei da complexidade-consciência, para o "fenômeno humano"
como o fenômeno que dá inteligibilidade e significado ao processo
evolutivo convergente no ômega: "Graças a Teilhard, graças a Pascal, uma
crise do espírito, de dimensão histórica e que representa a maior
interrogação de um século, se voltou ao benefício do espírito".
Para B. de Solages, Teilhard de Chardin também é "o maior apologista
do cristianismo depois de Pascal" [10]. Para Daniélou, em um genial
artigo na revista Études (1962), a obra de Teilhard, para além das
lacunas, também continua sendo fecunda para o nosso tempo, pois ele foi
capaz de encontrar uma saída para um certo número de becos sem saída
(como a oposição entre ciência e fé, entre vida espiritual e tarefas
temporais, entre unificação do mundo e tarefa pessoal) e de reencontrar a
harmonia católica de natureza e graça: "Ele reúne a tríplice dimensão
bíblica do ser humano: o domínio do mundo através da tecnologia, a
comunidade das pessoas através do amor, a abertura a Deus através da
adoração: técnica, amor, adoração são as três dimensões do universo. Se
uma só faltar, o universo é plano, e a mensagem de esperança que
Teilhard nos dá é que essas três dimensões, longe de se opor umas às
outras, convergem, conspiram juntas, de modo a nos autorizar a esperar,
pelo acréscimo da técnica e da unidade, um acréscimo da adoração. É um
desafio soberbo! E mesmo assim é magnífico que tenha sido lançado".
Em particular, a grande categoria cristológica do "Cristo universal"
pode ajudar, no atual contexto de globalização, a teologia cristã a
superar a posição (fundamentalista) do "Cristo contra as religiões" para
situar o pensamento cristão no horizonte do "Cristo nas Religiões ",
para um cristianismo relacional que pratica o respeito, o diálogo e a
colaboração entre as culturas e as religiões do mundo [11].
Segundo uma célebre distinção dos anos 1980 feita pelo teólogo
católico norte-americano Paul Knitter, ao menos três são as atitudes
fundamentais da teologia cristã com relação às culturas e às religiões.
A primeira é a do fundamentalismo, "Cristo contra as Religiões", hoje não mais proponível.
A segunda é a do inclusivismo ou de um cristianismo relacional,
segundo a expressão do teólogo francês Claude Geffré, que a retoma e a
reelabora. De acordo com essa atitude, tudo o que existe de verdadeiro e
de bom nas religiões encontra o seu cumprimento no Cristo escatológico,
que também é assumido na específica conotação teilhardiana do "Cristo
universal". Essa é a posição mais criativa e mais difundida na teologia
católica, que mantém unidas unicidade e universalidade do evento
cristão.
Acrescento uma terceira atitude, expressada como o "Cristo com as
Religiões", que expressa o conceito pluralista, segundo o qual Cristo é
um dos caminhos – juntamente com outros – que leva, para além dos vales
das diversas práticas e crenças, ao pico da Transcendência. Essa posição
leva o nome de "teologia pluralista das religiões" e não é acolhida
pelo magistério da Igreja Católica.
Em síntese, Teilhard de Chardin, com a sua visão de totalidade do
devir evolutivo do mundo – como se expressa o teólogo Joseph Ratzinger
na sua famosa Introdução ao cristianismo de 1968 –, fornece a categoria
cristológica do "Cristo universal", adaptada para inserir o cristianismo
no tempo da globalização, em um contexto de relacionalidade,
dialogicidade e colaboração entre as culturas e as religiões do mundo.
Termina assinalando um texto singular de Teilhard de Chardin, uma
carta enviada da China no dia 7 de janeiro de 1934 a um teólogo francês
amigo seu, Bruno de Solages. A sua permanência de 20 anos na China o
colocou em contato com ateus, agnósticos, confucionistas e budistas, e
com poucos cristãos e, assim, ele sentiu o sentido de lhes comunicar a
mensagem cristã como "religião do Evangelho" (como se expressa o teólogo
francês Claude Geffré), que o torna um precursor daquele projeto
cultural que agora leva o nome de "Átrio dos Gentios", como espaço de
encontro entre aqueles que acreditam no ser humano e se interrogam sobre
o sentido último da aventura humana e do mundo "Respondendo a Bruno de
Solages, repeti a ele o quanto o mundo espera, no Extremo Oriente, um
livro sobre a essência do cristianismo, ou sobre o ponto de vista
cristão, contraposto ao budista ou confucionista, um livro que deveria
ser traduzido em todas as línguas. Mas deveria ser algo com o sopro e a
serenidade do último livro de Bergson. Um desenvolvimento natural e
estruturado de ideias: a gênese de uma fé no Cristo a partir da fé
simples no ser (...) E a paixão pela verdade. Quem nos dará essa Summa
ad Gentiles?" [12].
A Summa ad Gentiles, idealizada por Teilhard de Chardin, ainda está
sendo escrita por obra da teologia cristã, na sua "paixão pela verdade" e
na sua vastidão ecumênica e global.
Notas:
1. Cfr. W. KASPER – G. AUGUSTIN, La sfida della nuova evangelizzazione. Bréscia: Queriniana, 2012.
2. Talvez sejam essas as palavras conciliares que trazem a marca mais profunda da visão teilhardiana.
3. Cf. R. GIBELLINI, La teologia del XX secolo. Bréscia: Queriniana,
1992, 278ss. Trad. fr., Panorama de la théologie au XX e siècle. Paris:
Cerf, 2004, 299ss.
4. J. RATZINGER, Einführung in das Christentum. Munique: Kösel, 1968,
191-197. Trad. it, Introduzione al cristianesimo. Bréscia: Queriniana,
2005 (nova edição), 226-233.
5. CARLO MARIA MARTINI, Conversazioni notturne a Gerusalemme. Milão: Mondadori, 2008, 62.
6. P. TEILHARD DE CHARDIN, Lettres de voyage (1923-1955). Paris: Grasset, 956, 346 (carta do dia 6 de setembro de 1953).
7. Cit. in P. SCHELLENBAUM, Le Christ dans l’énergétique teilhardienne. Paris: Cerf, 1971, 270 (o texto é de 1920).
8. Cit. in R. GIBELLINI, Teilhard de Chardin: l’opera e le interpretazioni. Bréscia: Queriniana, 2005 4 (ed. atualizada), 271.
9. É. BORNE, De Pascal à Teilhard de Chardin. Clérmont-Ferrand: Bussac, 1963, 39.
10. Cf. anche CARD. AVERY DULLES, Storia dell’Apologetica, trad. it.: Verona: Fede e Cultura, 2010, 315-321.
11. Cf. CLAUDE GEFFRÉ, De Babel à Pentecôte. Essais de théologie
interreligieuse. Paris: Cerf, 2006; ID., Le christianisme comme religion
de l’Évangile. Paris: Cerf, 2012.
12. Cf. C. CUÉNOT, L’evoluzione di Teilhard de Chardin (1958). Milão: Feltrinelli, 1962, 295-296.
O artigo foi publicado em Teologia@Internet, blog da Editora Queriniana, 11-01-2013.