CF 2015: uma Igreja solidária, servidora e missionária
A Campanha da Fraternidade está em sua 52ª edição. Os
cristãos adultos, em sua maioria, sempre viveram, durante o tempo da Quaresma,
este programa forte de evangelização e transformação provocado pela Campanha.
Uma vez que a CF não tem como objetivo atingir apenas os cristãos, mas a toda a
sociedade, podemos dizer que o nosso país, de alto a baixo, traz, em sua
evolução, a marca de uma Igreja que provoca, a cada ano, uma reflexão corajosa
sobre um tema social, um assunto polêmico, uma ameaça à vida, um ponto que
carece de conversão. Podemos dizer que o rosto social do Brasil não seria o
mesmo se não houvesse uma Igreja assim comprometida. É um fato que suscita
admiração das Igrejas de outros países, e que já serviu de modelo para muitas
Conferências Episcopais.
Não se pode negar, no entanto, que a Campanha da
Fraternidade, nos últimos anos, tem se enfraquecido. Não porque os problemas
sociais se tornaram menos graves. Houve, sim, arrefecimento de muitos grupos
dedicados à pastoral social. Houve certa fadiga de lideranças que não
encontraram quem as substituísse, houve o crescimento de um cristianismo de
perfil emotivo e individual, em detrimento do espírito solidário e
comprometido.
Salve-nos o Papa Francisco que, em oportuna hora, nos veio
convidar a uma retomada da Evangelização com alegria, porém fortemente
comprometida com a vida, com a justiça, com o espírito de serviço e com a
paixão missionária. Seus gestos e seu pedido de uma “Igreja pobre, a serviço
dos pobres” chocam e encantam o mundo a cada dia. Retrata-o o cartaz da
CF, de mão no chão, beijando um pé desnudo, retrato do próprio Cristo servidor.
Uma CF diferente das outras
A Campanha deste ano não retrata um problema social, não
escolhe um segmento da sociedade, não tem objetivo de refletir sobre um assunto
polêmico. É, antes, um olhar dos cristãos sobre a própria Igreja e um convite à
sociedade para que conheça a Igreja e sua missão. Muito oportuno este olhar,
pois estamos no ano cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II, que
colocou a Igreja de frente para o mundo, estabeleceu um diálogo franco com a
sociedade, preparou a Igreja para enfrentar um dos períodos mais turbulentos de
sua história, e avisou a todos que a Igreja queria ir além das sacristias e dos
templos, queria sair em missão, sair em serviço, sair corajosamente enfrentando
o cansaço, as feridas e, se preciso, o martírio para se envolver com a defesa
da vida. É a Igreja “em saída” do Papa Francisco, que realiza o desejo expresso
pelo Concílio, 50 anos atrás, só agora em condições de pegar estrada.
E a Campanha da Fraternidade nos coloca nessa estrada. O
texto-base nos convida a olhar para o passado: como foi a presença da Igreja na
sociedade, nos cinco séculos, desde os anos 1500, passando pelo Brasil Colônia,
Império, República; o período da repressão militar, e a redemocratização.
Considera as crises econômicas, a pobreza, a violência, o laicismo do Estado, a
corrupção, os desafios e as esperanças de hoje. Uma viagem rápida pela linha do
tempo, além de um olhar para a Igreja, à luz da Palavra de Deus e do Magistério
recente, especialmente a Igreja do Concílio até Aparecida, nos fará entender o
que quer o Papa Francisco na sua Exortação Evangelii Gaudium: uma Igreja
solidária, missionária, aberta ao diálogo com o mundo, sem medo de mostrar os
valores do Evangelho como caminho para a sua própria conversão e para a
salvação do mundo.
Igreja e Sociedade: “Vim para servir”
O tema “Igreja e Sociedade”, embora diferente das campanhas
passadas, não destoa, nem enfraquece a Campanha da Fraternidade. Não focaliza
um problema social, mas vai ao encontro de todos eles, ao ter como lema a
palavra de Cristo “Vim para Servir” (Mc 10,45). Que serviço é esse que todas as
Igrejas têm a obrigação de realizar? Não será apenas o serviço litúrgico, as
bênçãos e as novenas. Não será apenas o convívio dos almoços e jantares em
festas de padroeiro ou associações e grupos que cuidam de si mesmos. Esse
sonoro lema “Vim para servir” deverá colocar nossa consciência na balança, para
ver, no calendário da paróquia, onde se gasta o maior esforço: na manutenção de
si própria, ou na ação missionária. Vamos examinar as atas do Conselho
Paroquial: os assuntos mais frequentes são de manutenção da estrutura interna
ou são de busca e de serviço aos que não participam. Vamos verificar se os
movimentos e associações gastam o seu tempo, e seus recursos, com os
necessitados e na ação social, ou investem só em si mesmos. Conferir se, entre
as inúmeras tarefas do padre, o tempo maior é reservado para o serviço
misericordioso de sair em busca dos caídos, dos que necessitam da Palavra, do
encorajamento, do sentido da vida.
A identidade da Igreja de Jesus Cristo
O tema “Igreja e Sociedade” deverá clarear para todos nós,
clero e leigos, a identidade própria da Igreja como presença de Cristo Servidor
em meio aos homens. Essa identidade não está suficientemente clara para a
sociedade, que coloca a nossa Igreja no mesmo pacote dos grupos fanáticos, ou
no rentável grupo das empresas de negócios religiosos, e cujo interesse se
limita aos escândalos e aos casos exóticos. Mas também não está clara a
identidade da Igreja para muitos, dentro da própria Igreja, fechados em interesses
pequenos de favores divinos individuais, ou de pequenos grupos que se fazem
independentes e se bastam em cultivar a sua espiritualidade própria e suas
atividades internas, sem ligar para uma pastoral de conjunto, nem para uma ação
missionária comum, e muito menos para o cuidado daqueles cujos direitos e
dignidade são negados. Uma Campanha com esse tema não pode ficar restrita ao
tempo da Quaresma, mas pode ser iniciada ali sob o signo da conversão,
estendendo-se por todo o ano na reflexão e aprofundamento do tema, nas diversas
ocasiões de formação permanente, como preocupação dos Conselhos Regionais e
Paroquiais, dos encontros de grupos e associações, movimentos e
pastorais. Quanto a isso, tomo a liberdade de sugerir alguns pontos práticos
que nos possibilitem colher bons frutos dessa Campanha da Fraternidade, além de
outras propostas que estão no texto-base.
1.As Paróquias tenham um grupo escolhido – como Equipe de
Animação da Campanha da Fraternidade, encarregado de estudar o tema, acompanhar
as iniciativas em relação à Campanha, avaliar e aproveitar os dados colhidos
para fazer crescer a CF a cada ano. Esse grupo se encarregará de estender por
todo o ano o estudo e reflexão do tema proposto pela CF. O encontro promovido
pela diocese, sobre o tema da CF, em 31 de janeiro, pode ser reproduzido em
encontros de formação, especialmente dirigidos aos Ministros, aos Catequistas,
às Equipes de Liturgia, aos conselhos das comunidades e demais lideranças,
motivando ações e iniciativas nas comunidades. O presente texto, publicado no
BIO, poderá servir de motivação para a reflexão e formação das lideranças.
2.Que o texto base da CF/2015 seja conhecido e estudado–
Junto com esse texto, a Palavra de Deus e os Documentos do Concílio podem ser
úteis. Ampliar os temas, trazê-los para o contexto das paróquias e
comunidades, envolver as lideranças no estudo do tema “Igreja e Sociedade”,
durante todo o ano, tudo isso fará um grande bem para os fiéis que participam
de nossas paróquias.
3.A CF deve ser levada para fora da Igreja – As diversas
paróquias do mesmo município podem se unir e solicitar à Câmara de Vereadores
uma sessão pública extraordinária sobre o tema da Campanha. Pode preparar
alguns leigos (ministros, catequistas, professores, advogados…) que tenham habilidade
de proferir palestras nas escolas, nas universidades, nas entidades de classe,
sobre o tema. Pode procurar espaço nos meios de comunicação locais para
publicar materias e divulgar o que a comunidade realiza em benefício da
sociedade.
4.É oportuno planejar e fazer valer a presença dos leigos
católicos – nos conselhos municipais, no apoio às políticas públicas que tragam
real benefício ao povo, nos movimentos sociais e de cidadania. É bom saber que
a Igreja está ainda empenhada na coleta de assinaturas em favor da Reforma
Política Democrática conforme divulgado pela CNBB.
5.Fazer um retrospecto – de como os temas das CFs
anteriores foram acolhidos nas comunidades. O que resultou depois de cada
campanha? Cresceu ou diminuiu o zelo pelos pobres, pelos marginalizados? Quais
os temas que deixaram uma marca positiva de consciência e de ação
evangelizadora na comunidade?
6.Fazer um levantamento claro e honesto – das ações de
natureza social realizadas pela Igreja local. Quais permanecem vivas, quais
estão perecendo? Quais merecem ser mais motivadas? Há renovação das lideranças?
A ação é aberta para a participação da comunidade, ou fechada num grupo ou
movimento? Quem são aqueles de quem lavamos os pés, e quem são aqueles dos
quais ainda não nos aproximamos, e podemos eleger como rostos de Cristo
sofredor?
7.Os pequenos grupos de rua, grupos de reflexão e vivência –
tenham em mãos o livreto sugerido pela diocese, com o CD da Leitura Orante e o
texto para a Via Sacra, em número suficiente para tornar o tema da Campanha bem
próximo da realidade e da vida dos cristãos. Esses grupos cresceram na Novena
de Natal, muito bem acolhida, e podem crescer ainda mais na Quaresma, e depois,
no Tempo Comum, com o livreto correspondente.
8.A Coleta da Solidariedade- seja bem motivada no dia 29 de
março de 2015, gesto concreto da Campanha, que deve ser direcionado a projetos
sociais das Paróquias e da Diocese, sob os cuidados da Caritas diocesana. A
Caritas precisa ser abraçada por toda a diocese para se tornar o que ela é: o
rosto social da Igreja diocesana.
9.Os religiosos e religiosas – que vivem especialmente este
ano de 2015 como Ano da Vida Consagrada deverão também avaliar se o seu
testemunho e seu profetismo estão sendo compreendidos pela sociedade. Suas
atividades e presença na sociedade são a “comissão de frente” de uma Igreja
comprometida, ousada e missionária?
10.A Campanha da Fraternidade – em si mesma pode ser
repensada, neste ano, à luz do tema “Igreja e Sociedade”. Muitos começaram a
questionar se vale a pena continuar com a Campanha. Para alguns, esse programa
afasta os cristãos dos temas próprios da Quaresma. Para outros, esse formato já
não corresponde às necessidades dos dias atuais. Em muitas igrejas, a Campanha
se resumiu à exposição do cartaz e, quando muito, no ensaio do Hino da
Campanha. Não estaria na hora de repensar, em nível diocesano, de que forma
abraçar com mais vigor os objetivos da CF a cada ano?
Meus caros, o tema e a oportunidade da Campanha da
Fraternidade, deste ano de 2015 são de excepcional atualidade. Não se trata de
“mais um documento” para ser estudado e, depois, esquecido. Aliás, este período
fértil que a Igreja vem vivendo, com grandes reflexões como a de Aparecida, a
Evangelii Gaudium, o Documento 100, As novas Diretrizes Gerais, o documento dos
Leigos, tudo isso à luz dos textos do Concílio, não retrata uma situação de
confusão e tiroteio para todas as direções. Esses inúmeros efeitos motivadores
são complementares. Todos eles apontam para a única direção que devemos seguir,
como Igreja, nos dias de hoje. Todos apontam para Jesus Cristo servo e humilde,
profético e misericordioso, que a nossa Igreja deve sempre mais encarnar.
Desejo a todos uma grande e corajosa conversão quaresmal. Sobre todos invoco as
bênçãos de Deus.
Por Dom João Bosco, ofm, Bispo Diocesano de Osasco
Pastoral
liturgica pnsc 2015 ano B -
Informativo Liturgico