sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016


Sede misericordiosos como o Pai


A Quaresma nos possibilita tomar atitudes que fortaleçam a comunhão com o Senhor e com os irmãos.
Por Dom José Gislon*

Estimados Diocesanos. O tempo da Quaresma nos oferece a oportunidade para percorrermos um caminho de mudança de vida, de olharmos para dentro de nós mesmos e, à luz da fé em Jesus Cristo, tomarmos atitudes que fortaleçam a nossa comunhão com o Senhor e com os irmãos.
Toda mudança de vida exige um desprendimento de certas atitudes, que nos ligam a situações que muitas vezes nos impedem de viver com dignidade a vida dom de Deus. Quando aceitamos abandonar o nosso modo de ver a realidade para abraçar aquela que o Senhor nos oferece através da sua misericórdia, podemos então perceber a sua graça agindo em nós, mesmo quando temos a sensação de estarmos caminhando sem ver a luz do seu amor iluminando os nossos passos.
A Igreja, para realizar a sua missão, sente a necessidade permanente de transmitir o Evangelho da misericórdia, para que seus filhos possam perceber a ternura de Deus, e assim se deixarem envolver pelo abraço da sua bondade. O Ano Santo do Jubileu da Misericórdia que estamos celebrando pode ser um momento especial em nossa vida de fé, porque podemos nos aproximar, contemplar e deixarmo-nos tocar pelo mistério da misericórdia, que emana do amor e do coração de Deus Pai pelos filhos e filhas que peregrinam neste mundo.
O amor que existe no nosso coração, quando se deixa tocar pela misericórdia de Deus, tem a força e o poder de romper as correntes do egoísmo e da indiferença, que muitas vezes nos impedem de ver a ação de Deus na nossa vida e a realidade em que vivem os menos favorecidos. Quando a misericórdia invade o nosso coração, podemos sentir que Deus está presente, e, assim, saindo de nós mesmos, podemos nos aproximar do mistério de Deus e dos outros. Por isso, creio ser oportuno recordar que é o amor que faz crescer, no ser humano, a solidariedade, a caridade, o compromisso e a responsabilidade pelo cuidado da vida e da Casa Comum.
CNBB
*Dom José Gislon é bispo de Erexim (RS).

Evangelho do Dia

C - 20 de fevereiro de 2016

Mateus 5,43-48

Salve, ó Cristo, imagem do Pai, a plena verdade nos comunicai!
Eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação (2Cor 6,2).

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
5 43  Disse Jesus aos seus discípulos: “Tendes ouvido o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo’.
44 Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem.
45 Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.
46 Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos?
47 Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?
48 Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito”.
Palavra da Salvação.


 

Comentário do Evangelho
O PAI, MODELO DE PERFEIÇÃO
            A ordem de Jesus pode, à primeira vista, parecer exorbitante e inexeqüível. Quem será tão pretensioso a ponto de querer igualar-se, em perfeição, ao Pai? Não foi essa a tentação de Adão e Eva, no paraíso, quando ousaram querer ser como deuses, conhecedores de toda a ciência do bem e do mal? Conhecemos o resultado de um tal ousadia.
            Urge entender, de maneira conveniente, o preceito de Jesus, para não tachá-lo de injusto. A ordem o Mestre desponta na vida do discípulo como um ideal, embora sabendo que jamais será alcançado. Com isso sentir-se-á impulsionado a progredir, sem se dar por satisfeito com as metas já alcançadas. Existe sempre a possibilidade de ir além e descobrir novas formas de manifestar o amor ao semelhante, de fazer-se servidor dos mais necessitados, de buscar construir comunhão e reconciliação entre todos os seres humanos, sem acepção de pessoas.
            Agindo assim, o discípulo torna-se sacramento da perfeição divina na história humana. Seu modo de proceder funcionará como um alerta para quem ainda não se deu conta de quem é o Pai e do que ele exige de nós.
            O discípulo deve recusar-se, peremptoriamente, a modelar o seu agir pelos esquemas mundanos, calcados no egoísmo. É o Pai que, no esplendor de sua perfeição, aparece como modelo a ser imitado.

 
Leitura
Deuteronômio 26,16-19
Leitura do livro do Deuteronômio.
Moisés dirigiu a palavra ao povo de Israel e lhe disse: 26 16 “O Senhor, teu Deus, ordena-te hoje que guardes estas leis e estes preceitos. Observa-os cuidadosamente e pratica-os de todo o teu coração e de toda a tua alma.
17 Hoje, fizeste o Senhor, teu Deus, prometer que ele seria teu Deus, e que andarias nos seus caminhos, observando suas leis, seus mandamentos e seus preceitos, e obedecendo-lhe fielmente.
18 E o Senhor fez-te prometer neste dia, também de tua parte, que serias um povo que lhe pertenceria de maneira exclusiva, como te disse, e que observarias todos os seus mandamentos,
19 para que ele te eleve em glória, renome e esplendor, acima de todas as nações que criou, e sejas, assim, um povo consagrado ao Senhor, teu Deus, como te disse”.
Palavra do Senhor. 
Salmo 118/119
Feliz é quem na lei do Senhor Deus vai progredindo!

Feliz o homem sem pecado em seu caminho,
que na lei do Senhor Deus vai progredindo!
Feliz o homem que observa seus preceitos
e, de todo o coração, procura a Deus!

Os vossos mandamentos vós nos destes,
para serem fielmente observados.
Oxalá seja bem firme a minha vida
em cumprir vossa vontade e vossa lei!

Quero louvar-vos com sincero coração,
pois aprendi as vossas justas decisões.
Quero guardar vossa vontade e vossa lei;
Senhor, não me deixeis desamparado!
Oração
Convertei para vós, ó Pai, nossos corações, a fim de que, buscando sempre o único necessário e praticando as obras de caridade, nos dediquemos ao vosso culto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Olhares sobre o Brasil


Os olhares sobre a realidade brasileira, que é complexa e plural, devem ser muitos e com grande acuidade. Uma visão estreita é incapaz de perceber as muitas necessidades, de enxergar os caminhos que devem ser seguidos para sair das crises deste tempo. Os olhares têm que avançar para além do território das opiniões ou das listas de lamentações. Também não podem focalizar apenas as atribuições e responsabilidades dos outros, como tática para eximir-se das próprias tarefas. A visão míope de um segmento pode significar atrasos em processos e graves prejuízos, com consequências irreversíveis.

Analisar a realidade é exercício que requer conhecimento e adequada interpretação para configurar a indispensável corresponsabilidade de todos os cidadãos na construção de uma sociedade solidária, alicerçada na cultura da justiça, da paz e do respeito incondicional à dignidade de toda pessoa.

Assim, todos estão desafiados a reavaliar seus conceitos e colaborar com as transformações urgentes e com ações mais eficazes. Sem essa premissa, há o risco de se supervalorizar a própria atuação, achar que já se faz muito, que os trabalhos atendem às expectativas. Afinal, não seria pela prevalência dessa ilusão que a política na realidade brasileira, particularmente a partidária, convive com a incapacidade para apontar novos rumos e promover o diálogo entre cidadãos?

Há uma miopia crônica generalizada, salvaguardadas as exceções. Isso se comprova na incompetência de grupos diversos para debelar processos que alimentam a corrupção, a indiferença em relação aos mais pobres. Também é sinal da falta de visão, nos setores público e privado, a timidez para investir em projetos capazes de promover novas dinâmicas que contribuam para se alcançar uma sociedade mais igualitária.

Não basta apenas planejar bem o próprio negócio. Há um modo necessário de se olhar a realidade, por meio de valores inegociáveis, de princípios, de sensibilidade política e cultural, que audaciosamente remete cada cidadão à direção do bem comum. A partir dessa visão, as ações fundamentam-se no amor, e não se reduzem às estratégias de pequenos grupos que reforçam a segregação econômica, social, política, cultural e até mesmo religiosa.

Assim, os dias da Quaresma oferecem oportunidade importante: a vivência da Campanha da Fraternidade deste ano. Trata-se de exercício ecumênico que nasce da fé cristã, nas diferentes confissões religiosas, para articular experiências e, dessa forma, contribuir com o contexto socioeconômico, político e cultural. Quem crê em Cristo não pode apenas usufruir das consolações espirituais, ou se restringir a arrumar os próprios ambientes, projetos e templos. É compromisso que nasce da fé contribuir mais decisivamente na transformação da realidade.

Por isso, os cristãos no Brasil devem, a partir da Campanha da Fraternidade 2016, configurar uma experiência ecumênica capaz de transformar a realidade.  O que se objetiva não é a organização de bancadas no parlamento, nas assembleias, na simples defesa de interesses corporativos, pessoais, com fechamentos e dogmatismos que desconsideram o diálogo indispensável em uma sociedade plural. Busca-se agir a partir da misericórdia, que não negocia jamais a ética e a moralidade, e também não passa o trator em cima de ninguém em nome de Deus.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, na promoção da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema “Casa Comum, nossa responsabilidade”, empenham-se na tarefa de fazer ecoar o apelo que pede união entre os cristãos, para além de suas diferenças, em torno da defesa e promoção da vida.  O saneamento básico, no horizonte de uma alicerçada ecologia integral, é a bandeira que se quer erguer, inspirando outros segmentos da sociedade. Com os cristãos de mãos unidas, a realidade brasileira pode mudar.  Nessa direção, as confissões religiosas estão desafiadas a contribuir para que a fé ilumine e inspire os olhares sobre o Brasil.

Dom Walmor Oliveira de AzevedoO arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante os exercícios de 2003 a 2007 e de 2007 a 2011. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas.