segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Festa da padroeira Nossa Senhora das Candeias


'O cristão deve ser normal, sem complexo de inferioridade'

O dom de ser filho de Deus não pode ser "vencido" por um mal-entendido sentido da “normalidade” que leva a esquecer sua Palavra e a viver como se Deus não existisse. Esta é a reflexão que o papa Francisco propôs, na manhã da última sexta-feira (17), durante a homilia da missa presidida na Capela da Casa Santa Marta.

A tentação de querer ser "normais", quando se é filho de Deus. O que essencialmente quer dizer ignorar a Palavra do Pai e seguir uma palavra apenas humana, a “palavra da própria vontade”, escolhendo, de certo modo, vender o dom da predileção para mergulhar numa “uniformidade mundana”.

Essa tentação a teve o povo judeu do Antigo Testamento mais de uma vez, recorda o papa Francisco, que se deteve no episódio proposto pela liturgia, tomado do Primeiro Livro de Samuel. Neste, os chefes do povo pedem ao próprio Samuel, já avançado na idade, que estabeleça para eles um novo rei, pretendendo, de fato, autogovernar-se. Nesse momento, observa o papa, o “povo rechaça a Deus: não apenas não escuta a Palavra, mas que a rechaça”. E a frase reveladora desse distanciamento, destaca o Papa, é aquela pronunciada pelos anciãos de Israel: queremos um “rei juiz”, porque “assim seremos como os demais povos”. Ou seja, observa o Papa, “rechaçam o Senhor do amor, rechaçam a eleição e buscam o caminho do mundanismo”, como muitos cristãos fazem hoje.

“A normalidade da vida exige do cristão a fidelidade à sua eleição e não rejeitá-la para ir ao encontro de uma uniformidade mundana. Esta é a tentação do povo de Deus e nossa. Quantas vezes esquecemos a Palavra de Deus, aquilo que o Senhor nos diz, e levamos mais a sério o que diz a moda, as novelas, que são mais divertidas. A apostasia é o pecado da ruptura com o Senhor. Este é o perigo do mundanismo, porque é mais sutil”.

“É verdade que o cristão deve ser normal, como normais são as pessoas”, reconhece o Papa Francisco. “Mas existem valores dos quais não se pode prescindir como filhos de Deus. O cristão deve reter sobre si a Palavra de Deus que diz: ‘Tu és meu filho, tu é escolhido, eu estou contigo, eu caminho contigo’”. Resistindo, portanto, à tentação, como no episódio da Bíblia, de considerar-se vítimas de “um certo complexo de inferioridade” e não se sentir “um povo normal”.

“A tentação chega e endurece o coração e quando o coração é duro, quando o coração não está aberto, a Palavra de Deus não pode entrar. Jesus dizia aos Emaús: ´Néscios e tardos de coração´. Tinham a coração duro, eram incapazes de entender a Palavra de Deus. E o mundanismo abranda o coração, mas mal: nunca é bom ter o coração brando! O bom é o coração aberto à Palavra de Deus que a recebe. Como a Virgem, que meditava todas estas coisas em seu coração, diz o Evangelho. Receber a Palavra de Deus para não afastar-se da eleição”.

“Peçamos, então, conclui o papa Francisco, “a graça de superar os nossos egoísmos: o egoísmo de querer fazer a minha vontade, como eu quero”.

“Peçamos a graça de superá-los e peçamos a graça da docilidade espiritual, isto é, de abrir o coração à Palavra de Deus e não fazer como fizeram os nossos irmãos, que fecharam o coração porque afastaram de Deus e há muito tempo não ouviam e não entendiam a Palavra de Deus. Que o Senhor nos dê a graça de um coração aberto para receber a Palavra de Deus e para meditá-la sempre. E tomar o verdadeiro caminho”.
Rádio Vaticano, 17-01-2014.

Educação com o coração

Informação não pode ser considerado sinônimo de formação.


Corações educados, orientados, formados e informados crescem em sabedoria. (Foto: Arquivo)
Por Dom Jaime Spengler*
Pascal, pensador do século XVII, afirmava que "o coração tem razões que a própria razão desconhece: percebe-se isso de mil modos(...)". Essa afirmação tornou-se célebre. O que entendia o pensador por coração? Teria o coração alguma relação com o grande e nobre desafio da educação?

O coração é um órgão vital do corpo humano, muito estudado, acompanhado e cuidado. A arte médica realizou muitas conquistas no tocante ao cuidado deste órgão vital. No entanto, o coração humano tem conotação mais ampla: é considerado a sede dos sentimentos, expressão da intimidade do ser humano, centro das grandes decisões existenciais e da vida. Para além de considerações fisiológicas, queremos centrar a atenção para aquilo que o coração representa.

Podemos dizer que o coração representa o horizonte no qual o ser humano pode atingir o conhecimento de si, de seus sentimentos, paixões, impulsos, tendências, desejos, capacidades, valores, aptidões. São aspectos da existência humana que ultrapassam a mera racionalidade; não são aspectos contrários à razão, mas mais profundos. Assim, o âmbito do coração recebe uma amplidão de possibilidades que está além da razão, sem ignorá-la; indica para experiências originárias de conhecimento! Nesta perspectiva, podemos identificar um horizonte de experiências, onde a razão lógica não pode penetrar e que, todavia, toca dados objetivos autênticos, segundo uma ordem sua própria.

Tendo presente tais considerações, poderemos perguntar: o que a educação pode fazer pelo coração humano? No que a educação pode cooperar para que esta dimensão decisiva da existência humana receba justas orientações para o desenvolvimento de uma existência humana verdadeiramente integrada e integradora? Como as instituições educativas abordam tais aspectos da existência humana, decisivos para o convívio social integrado, harmonioso, respeitoso?

Há, talvez, especialistas e técnicos na arte da educação que desconsideram tais afirmações e indicações. Haveria, talvez, daqueles que considerem tudo isto tarefa exclusiva dos genitores, da família. Encontraremos outros ainda que, talvez, dirão que tudo isso nada tem a ver com educação... Será?

Certo é que encontramos tantas realidades onde respeito, valores, aptidões, desejos, sonhos, impulsos, regras, aspectos fundamentais do convívio humano civilizado são simplesmente transcurados, senão ignorados. E no empurra-empurra das responsabilidades, vemos um número crescente de pessoas sendo lançadas para as ‘periferias existenciais’.

Não resta dúvidas que um número sempre maior de pessoas tem acesso à instituição escola; que cresceu o número daqueles que chegaram à universidade. Mas sob que condições? Quais seriam os resultados objetivos desta realidade? Melhorou o convívio social? Vemos pessoas melhor formadas, melhor informadas? Ora, informação não pode ser considerado sinônimo de formação! Quem, afinal, define o projeto sócio-educativo de um povo, duma nação? E para além de opiniões difusas, não é raro encontrar adolescentes analfabetos que a anos frequentam a instituição escola; também não é raro encontrar pessoas que passaram pelo terceiro grau e que não conhecem regras básicas da língua madre. Também não é rato encontrar professores – em alguns países possuem lugar social de destaque; são considerados mestres; gozam de respeito público! – apavorados, reféns de grupos que agem impunemente...

Corações educados, orientados, formados e informados crescem em sabedoria e graça diante dos demais e do Eterno!
CNBB, 17-01-2014.
*Dom Jaime Spengler é arcebispo de Porto Alegre (RS).