Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18
Ainda sob o impacto da
renúncia do Santo Padre, o papa Bento XVI e na expectativa da eleição do
seu sucessor, iniciamos mais uma Quaresma, tempo litúrgico em que a
Igreja nos convida a conversão. “Convertei-vos e crede no Evangelho!” é o
convite que escutaremos logo mais, no momento da imposição das cinzas
sobre nossas cabeças. Outra fórmula utilizada para esse momento é bem
realista: “lembra-te que és pó e em pó te hás de tornar”. Na vida tudo
passa, somente Deus permanece! Portanto, vale a pena voltar,
inteiramente, nosso coração e todo o nosso ser para os valores do Reino,
para estarmos seguros dos ganhos espirituais que são eternos. Estes 40
dias de retiro espiritual nos confirmam a misericórdia de Deus, diante
de gestos sinceros de arrependimento e disposição de mudar, conforme nos
ensina o profeta Joel na 1ª leitura: “rasgai o coração e não as vestes;
e voltai para o Senhor vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente
e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo”.
A Quarta-feira de Cinzas propõe a esmola, o jejum e a oração como
metodologia segura para a conversão e o encontro com Deus. Conforme o
Evangelho nos aconselha, tudo deve ser feito com discrição no propósito
de ser visto, apenas, pelo Pai que está nos céus. “E o teu Pai que vê o
que está escondido, te dará a recompensa”, palavra que escutamos três
vezes neste pequeno texto Mateus. No mundo atual, cheio de ilusões
enganosas, cuja segurança está posta em valores momentâneos, as pessoas
sentem necessidade de serem vistas e reconhecidas. Esta atitude
contradiz a Palavra de Deus que nos convida à imitação “daquele que não
cometeu nenhum pecado e Deus o fez pecado por nós, para que nele nos
tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21), conforme escutamos na segunda
leitura. Ao grande dom de amor que nos fez o Pai enviando-nos seu filho
como preço do nosso resgate, mistério que celebraremos no tríduo pascal,
respondamos com igual gesto de amor e misericórdia para com os nossos
semelhantes.
No ano em que o Brasil tem a honra de acolher a Jornada Mundial da
Juventude na cidade do Rio de Janeiro, em julho próximo, a CNBB lança a
segunda Campanha da Fraternidade sobre a “Evangelização da Juventude”. A
primeira foi em 1992 e teve por Lema: “juventude: caminho aberto”.
Desta vez, “Eis-me aqui, envia-me (Is 6,8), em sintonia com o tema “”Ide
e fazei discípulos entre todas as nações (cf. Mt 28,19), escolhido pelo
Papa Bento XVI para a próxima JMJ. É mais uma ocasião em que a Igreja
insiste na proposta missionária, chamando especial atenção da juventude,
para que se sinta protagonista, especialmente, junto aos companheiros
da mesma faixa etária.
A Campanha da Fraternidade que teve início na Arquidiocese de Natal e
logo foi recebendo adesões de dioceses vizinhas. Este ano está
celebrando jubileu de 50 anos que foi assumida nacionalmente pela CNBB.
Para comemorar o acontecimento haverá especial celebração em Natal com a
presença de todo o nosso Regional Nordeste II e representantes da sede
nacional.
O objetivo geral da CF-2013 é: “Acolher os jovens no contexto de
mudança de época, propiciando caminhos para seu protagonismo no
seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma
sociedade fraterna fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz.
Os objetivos específicos são três: 1º) Propiciar aos jovens um encontro
pessoal com Jesus Cristo a fim de contribuir para sua vocação de
discípulo missionário e para a elaboração de seu projeto pessoal de
vida; 2º) Possibilitar aos jovens uma participação ativa na comunidade
eclesial, que lhes seja apoio e sustento em sua caminhada, para que eles
possam contribuir com seus dons e talentos; 3º) Sensibilizar os jovens
para serem agentes transformadores da sociedade, protagonistas da
civilização do amor e do bem comum”.
Neste tempo de “mudança de época” a humanidade e, muito
especialmente, a juventude tem sofrido grandes influências na sua
estrutura psicológica, social e intelectual. Está escrito no ver
texto-base: “Hoje, a relação entre pais e filhos é muito diferente da
observada nas gerações anteriores. Há uma considerável influência das
novas tecnologias no modo de estruturar e viver a vida familiar. Tais
tecnologias podem atuar positivamente ou negativamente. Muitas vezes
percebemos que alguns adolescentes e jovens tendem a um isolamento,
quando usam essas ferramentas tecnológicas, com consequências
prejudiciais para o seu desenvolvimento social e psicológico. A família,
principalmente nas grandes cidades, transformou-se num grupo de pessoas
que moram juntas, uma vez que pais e filhos se isolam diante da TV ou
do computador, em detrimento do diálogo e da partilha”. Esta realidade
exige, portanto da parte de todos, família, Igrejas e sociedade,
especial atenção para adaptar-se aos novos tempos de maneira sábia e
eficaz para o bem daqueles/as que Deus confiou aos nossos cuidados.
A Igreja, em todo o mundo e muito especialmente no Brasil, tem
voltado atencioso olhar para a juventude, pondo em prática a “opção
preferencial pelos jovens e pelos pobres”, assumida oficialmente em
Puebla (México), no ano de 1979. Isto vem se confirmando desde os velhos
tempos da “Ação Católica” com as organizações juvenis: JAC, JEC, JIC,
JOC e JUC e, mais recentemente, a 44ª Assembléia Geral da CNBB de 2007
que gerou o Doc. 85 “Evangelização da Juventude” e criação da Comissão
Episcopal para a Juventude. Não resta dúvida que, a Jornada Mundial da
Juventude que, de fato, já começou a acontecer no Brasil, desde a
conclusão da jornada de Madri, na Espanha, tem motivado os nossos jovens
a participar ativamente da vida paroquial e diocesana, e despertado
interesse em participar, do grande momento no Rio de Janeiro, com a
presença do novo papa.
Dados do Censo 2010 do IBGE indicam que 76,3% dos jovens têm uma
religião, dentre eles: 54,9% se declaram católicos e 21,4% evangélicos
(protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais). 2% se dizem
ateus e 14,3% sem religião. Sem dúvida, percentuais elevados e que
representam desafio pastoral para mantê-los na fé e motivar os
incrédulos e indiferentes. Comenta a pesquisa: “o temor de Deus está
entre os quatro valores mais importantes para os jovens”. Em junho de
2011, o papa Bento XVI afirmou aos jovens da Diocese de San Marino
“Permiti que o mistério de Cristo ilumine toda a vossa pessoa! Então,
podereis levar aos vários ambientes aquela novidade que pode mudar os
relacionamentos, as instituições e as estruturas, para edificar um mundo
mais justo e solidário, animado pela busca do bem comum. Não cedais a
lógicas individualistas e egoístas! Que vos conforte o testemunho de
muitos jovens que alcançaram a meta da santidade”. Trata-se, portanto,
de convocação para o acolhimento da Palavra de Deus, com coragem,
alegria e muito compromisso social. É animador constatar jovens
evangelizando jovens, com sua linguagem própria e peculiar maneira de
ser.
É motivo de preocupação a situação de violência em nosso pais
atingindo, sobretudo, a juventude. O Brasil é o sexto país no ranking de
homicídios entre jovens. De acordo com o mapa da violência de 2011,
elaborado pelo Instituto Sangari, a taxa de homicídios entre pessoas de
15 a 24 anos subiu de 30 mortes por 100 mil jovens em 1998 para 52,9 em
2008. Nesse período, o número total de homicídios registrados no país
cresceu 17,8%. Os homicídios são responsáveis por 39,7% das mortes de
jovens no Brasil. Na população adulta, 1,8% dos óbitos foi causado por
homicídio. O sociólogo Julio Jacobo, que coordenou o estudo, afirmou que
a situação no Brasil é “epidêmica”. A taxa de homicídios entre jovens
está três vezes acima da média internacional. Também cresceu o
percentual de morte de jovens por acidentes de trânsito e suicídio.
Entre 1998 e 2008 a taxa de mortes no trânsito entre a população jovem
foi de 32,4%. Entre a população adulta, a taxa foi de 26,5%, portanto,
6% menor.
Foi essa razão que nos levou a escolher o Cenip (Centro de Internação
Provisória de Menores Infratores da Funase) para o lançamento
arquidiocesano da CF-2013. O setor juventude da CNBB, inclusive, iniciou
alguns anos atrás movimento profético de denúncia contra o extermínio
da juventude. A Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), pensada
inicialmente para ressocializar os menores infratores, através da
educação escolar, convivência fraterna e profissionalização, precisa
avançar mais para atingir essa meta. É frequente chegar ao conhecimento
público atos de violência, sobretudo, nas unidades de Abreu e Lima e do
Cabo de Santo Agostinho, inclusive, com mortes chocantes de menores de
idade. A superlotação e maus tratos, somados às disputas internas de
força e liderança, além da ociosidade numa idade em que a pessoa está
transbordando de energia, contribuem para lamentáveis ocorrências dessa
natureza.
Estamos aqui para dizer a vocês, meus caros jovens reeducandos, que
nós os amamos e queremos colocar em prática o Evangelho quando ensina:
“Eu estava na prisão e viestes a mim” (Mt 25,36). Nós acreditamos no
potencial de vocês e queremos que ele seja utilizado para o bem e não
para o mal. Queremos solidarizar-nos com todos diante da situação
desigual de que são vítimas e não tiveram, talvez, o discernimento
necessário para superar as barreiras. Desejamos, especialmente, através
da Comissão para Juventude e Pastoral Carcerária, acompanhá-los de perto
e ajudá-los a encontrar o verdadeiro sentido para suas vidas. Estamos
desejosos de libertá-los da prisão física e, ainda mais, da prisão
psicológica e espiritual que os acorrenta.
Além do ano da Fé que iniciamos em outubro próximo passado, a
população católica do Brasil está com o olhar voltado para os jovens,
por conta da Jornada Mundial da Juventude e Campanha da Fraternidade que
estamos iniciando hoje. Em janeiro de 2012 a cruz missionária e o ícone
de Nossa senhora, que continuam peregrinando pelo Brasil, passaram pela
Funase de Abreu e Lima e muitos dos ré-educandos tiveram oportunidade
de tocá-los. Hoje, é mais uma ocasião em que o Cristo Jesus vem ao
encontro de vocês. É preciso, apenas um gesto simples, dizer sim, como
fez nossa mãe Maria, e abrir o coração para acolher o Senhor que muito
os ama e lhes garante vida e vida em plenitude (Jo 10,10).
A Quaresma é tempo de revisão de vida, de decisão, tempo da Graça do
Senhor. Não podemos desperdiçar o kairós (tempo de Deus), e sim procurar
imitar o jovem filho pródigo que se arrependeu do seu erro e voltou
confiante para os braços do pai misericordioso (Lc 15,11-32).
Amém!
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo Metropolitano