Por Andrea Tornielli
"Quem quer pregar deve, em primeiro lugar, estar disposto a deixar-se
comover pela Palavra e fazê-la sua carne, sua existência concreta". Em
torno dessa informação, estão as 18 páginas da exortação apostólica
"Evangelii gaudium", dedicadas à homilia e a sua preparação. Um espaço
considerável, que demonstra a preocupação do papa pelo "ministério" da
pregação, integrado pela mensagem cristã e a celebração eucarística.
"Irei me deter, particularmente, e até com certa meticulosidade, na
homilia e na sua preparação, porque são muitas as reclamações dirigidas
em relação a este grande ministério, as quais não podemos nos fazer de
surdos. A homilia é pedra fundamental para avaliar a proximidade e a
capacidade de encontro de um Pastor com seu povo".
Não se pode esquecer que justamente as homilias, e as homilias
cotidianas da missa em Santa Marta, representam uma das novidades mais
significativas do seu pontificado: pregações breves, eficazes, simples,
cheias de imagens para que mesmo as pessoas simples as compreendam.
Ainda que não sejam escritas, as homilias do magistério cotidiano de
Francisco são o fruto de uma longa meditação matinal sobre as Leituras,
realizada durante as primeiras horas da madrugada.
Francisco lembra que a pregação durante a missa "não é tanto um momento
de meditação e catequese, mas de diálogo de Deus com seu povo", que "a
homilia não pode ser um espetáculo de entretenimento, não corresponde à
lógica dos recursos midiáticos, mas deve ter o fervor e o sentido de uma
celebração” e que, portanto, “deve ser breve e evitar a aparência de
uma palestra ou de uma aula”, para não prejudicar “a harmonia” entre as
diferentes partes da missa. O Papa convida o pregador a falar "como uma
mãe que fala com seu filho”, “mediante a aproximação cordial do
pregador”, “o calor da sua voz, a delicadeza do estilo de suas frases, a
alegria de seus gestos”. Explica que “a pregação puramente moralista ou
doutrinária, assim como aquela que se converte em uma aula de exegese,
reduzem esta comunicação entre corações que se dá na homilia”. Na
homilia, de fato, “a verdade vai de mãos dadas com a beleza e o bem. Não
se trata de verdades abstratas ou de frios silogismos, porque também se
comunica na beleza das imagens que o Senhor utilizava para estimular a
prática do bem”.
Quem prega deve transmitir “a síntese da mensagem evangélica”, e não
“ideias ou valores soltos. Onde está sua essência, ali está seu coração.
A diferença entre iluminar o lugar com esta essência e iluminar com
ideias soltas é a mesma que há entre o aborrecimento e o ardor do
coração. O pregador tem a linda e difícil missão de juntar os corações
que se amam, o do Senhor com os de seu povo”.
Ao se olhar de perto a preparação da homilia, Francisco pede que se
dedique a ela “um tempo prolongado de estudo, oração, reflexão e
criatividade pastoral”, além de todos os assuntos que deve seguir um
padre: “Um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’; é desonesto e
irresponsável com os dons que recebeu”.
Há que se “prestar toda a atenção ao texto bíblico, que deve ser o
fundamento para a pregação”; a Palavra deve ser venerada e estudada “com
sumo cuidado e com um santo temor em manipulá-la. Para poder
interpretar um texto bíblico necessita-se de paciência e de se abandonar
toda a ansiedade”. A preparação da pregação “requer amor. Só se dedica
tempo livre e sem pressa às coisas ou as pessoas que se ama e aqui se
trata de amar a Deus que está querendo falar”.
Também é importante captar a mensagem central do texto: “Se um texto foi
escrito para consolar, não deve ser utilizado para corrigir erros; se
foi escrito para encorajar, não deveria ser utilizado para doutrinar; se
foi escrito para ensinar algo sobre Deus, não deveria ser utilizado
para explicar diversas opiniões teológicas; se foi escrito para motivar
os louvores ou o trabalho missionário, não utilizemos para informar
sobre as últimas notícias”. Além disto, deve-se saber apresentar o texto
em plena harmonia como toda a mensagem cristã, sem “prejudicar o tom
próprio e específico do texto que irá pregar”.
“Quem quer pregar, primeiro deve estar disposto a se deixar comover pela
Palavra e fazê-la carne em sua existência concreta. Desta maneira, a
pregação consistirá nesta atividade tão intensa e fecunda que é
‘comunicar aos outros o que se contemplou’”, como escrevia São Tomás.
Deus quer usar os pregadores “como seres vivos, livres e criativos, que
se deixam penetrar por sua Palavra antes de transmiti-la; sua mensagem
deve passar realmente através do pregador, mas não apenas por sua razão,
mas tomando todo o seu ser”.
Francisco fala depois sobre a importância da “lectio divina”, a leitura
espiritual de um texto a partir de seu significado literal, para fazer
com que não se diga: “o que lhe convém, o que lhe serve para confirmar
suas próprias decisões, o que se adapta aos seus próprios esquemas
mentais. Isto, em definitivo, será utilizar algo sagrado para o próprio
benefício e passar essa confusão ao Povo de Deus”. Para fazê-lo, é
necessário que o sacerdote se pergunte: “Senhor, o que este texto diz a
mim? O que quer mudar na minha vida com esta mensagem? O que me incomoda
neste texto? Por que isto não me interessa?”, ou melhor: “O que me
agrada? Como esta Palavra me estimula? O que me atrai? Por que me
atrai?”. Evitando a tentação, “muito comum” de “pensar o que o texto diz
aos outros, para evitar aplicá-lo a própria vida”.
Os que pregam necessitam “também ouvir o povo, para descobrir o que os
fiéis necessitam escutar. Um pregador é um contemplador da Palavra e
também um contemplador do povo”. Deve conectar “a mensagem do texto
bíblico com a situação humana”, com algo que as pessoas vivem. “Esta
preocupação não corresponde a uma atitude oportunista ou diplomática,
mas é profundamente religiosa e pastoral”. Não tem que “oferecer
crônicas da atualidade para despertar os interesses: para isto já
existem os programas televisivos”, mas podem ser tomados como pontos de
partida “alguns fatos para que a Palavra possa ressoar com força, como
convite à conversão, adoração, atitudes concretas de fraternidade e de
servidão”.
Além do conteúdo, a forma para transmiti-lo é importante. “Alguns creem
que podem ser bons pregadores por saber o que devem dizer, mas descuidam
de como, a forma concreta de desenvolver uma pregação. Queixam-se
quando os demais não os escutam ou não os valorizam, mas talvez não se
tenham se empenhado na buscar de uma forma adequada de apresentar a
mensagem”.
Para que uma homilia seja atrativa e rica, Francisco sugere “aprender a
usar imagens na pregação, quer dizer, a falar com as imagens”. E a
linguagem deve ser simples: “Deve ser uma linguagem que seus receptores
compreendam, para não correr o risco de falar para o vazio.
Frequentemente, os pregadores usam palavras que aprenderam em estudos e
em determinados ambientes, mas que não são parte do linguajar comum das
pessoas que os escutam”. Para poder falar para as pessoas deve-se
“escutar muito”, há que “compartilhar a vida das pessoas e prestar uma
deliciosa atenção”. Bergoglio explica que a simplicidade e a clareza não
são as mesmas coisas, e que se pode falar com a primeira, enquanto
linguagem, ao mesmo tempo em que se carece de clareza por falta de
lógica, de ordem, de unidade temática.
A linguagem deve ser positiva: “Não diz tanto o que não deve se fazer,
mas propõe o que podemos fazer melhor. Em todo caso, se indicar algo
negativo, também se atenta em mostrar seu valor positivo que atraia,
para não ficar apenas na queixa, no lamento, na crítica e no remorso”.
Sacerdotes e pregadores, como forem, têm à sua disposição um detalhado
vade mecum para preparar suas homilias. E têm, sobretudo, um exemplo
cotidiano no papa.
Vatican Insider, 27-11-2013.