Esta é a festa do Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o Espírito de Deus Pai.
Por Raymond Gravel*
O Pentecostes é uma festa pascal; ela é o desenvolvimento do mistério
da Páscoa. Não é uma festa independente do Espírito Santo; é a festa do
Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o seu Espírito, que é o
Espírito de Deus Pai. É por isso que esta festa se situa, ao mesmo
tempo, na noite da Páscoa no evangelho de São João, e 50 dias depois da
Páscoa no livro dos Atos dos Apóstolos, inclusive na cruz da Sexta-Feira
Santa em todos os evangelistas, em particular em João: “Tudo está
realizado. E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30).
No mistério pascal, todos os elementos desse mistério – a Morte, a
Ressurreição, a Ascensão e o Pentecostes – são tão importantes que os
primeiros cristãos fizeram deles acontecimentos distintos separados no
tempo: três dias para a Ressurreição, 40 dias para a Ascensão e 50 dias
para o Pentecostes. Mas, na realidade, trata-se de um mesmo e único
acontecimento teológico que nos fala simultaneamente de Deus, do homem,
de Cristo e da Igreja. Não há, portanto, contradições entre os escritos e
seus autores; encontramos simplesmente maneiras diferentes de descrever
a riqueza do mistério cristão.
Desde o início do tempo pascal, nós lemos os relatos da Páscoa e da
Ascensão. Hoje, celebramos o Pentecostes, a festa do Espírito de Cristo,
o Espírito de Deus, a festa da Igreja. O que nos dizem os textos
bíblicos que a Igreja nos propõe hoje?
1. Atos dos Apóstolos 2,1-11
Neste texto de Lucas, sobre o dom do Espírito Santo dado aos
apóstolos reunidos, o autor não procura descrever um acontecimento
material e histórico que aconteceu num dado momento da história da
Igreja nascente. O fato de que Lucas tenha escolhido compor seu relato
por meio de uma série de alusões ao Antigo Testamento, pode desviar a
nossa atenção para uma leitura de tipo histórico, que procurasse
determinar como as coisas se passaram. Devemos, ao contrário,
compreender as mensagens que Lucas quer dar à sua comunidade sobre o
papel e a força do Espírito:
1) O Pentecostes judaico celebrava o dom da Lei ao Povo de Israel, o
povo da antiga Aliança. O Pentecostes cristão celebra o dom do Espírito
ao novo Povo de Deus, a Igreja, o povo da nova Aliança.
2) Assim como Moisés subiu ao Sinai para dar ao povo a Lei de Deus,
Cristo subiu ao céu para derramar o Espírito de Deus, o Espírito da nova
Aliança.
3) Assim como para Moisés o barulho do trovão e o fogo das luzes
acompanham o dom da Lei de Deus, aqui o barulho, o vento e o fogo
acompanham a vinda do Espírito Santo.
4) No Sinai, de acordo com tradições judaicas, Deus propôs os
mandamentos nas diversas línguas do mundo, mas apenas Israel os aceitou.
No livro dos Atos dos Apóstolos, Deus repara esse fracasso: todas as
nações compreendem a linguagem do Espírito: “Cheios de espanto e de
admiração, diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos
galileus? Como é que nós os escutamos na nossa própria língua?’” (At
2,7-8)
5) No Antigo Testamento, as 12 tribos de Israel estão reunidas para
ouvir Moisés. Aqui, os 12 povos são chamados para ouvir os 12 apóstolos
investidos pelo Espírito do Cristo, proclamar as maravilhas de Deus:
“todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa
própria língua!” (At 2,11b)
Em suma, este relato de Lucas é o inverso de Babel, é a abertura à
universalidade e o sopro do Espírito da nova Aliança que abole as
fronteiras; não há mais exclusão nem rejeição.
2. 1 Cor 12,3b-7.12-13
Os coríntios acreditavam que o dom do Espírito Santo estava reservado
a uma elite. Eles só reconheciam sua presença no sensacional, nos
cristãos que tinham o dom de falar em línguas e, particularmente,
naqueles que eram eloquentes na animação das assembleias. Paulo quer,
aqui, restabelecer a realidade do Espírito Santo:
1) Todo fiel que proclamar que “Jesus é o Senhor” (1 Cor 12,3), é
habitado pelo Espírito Santo. Portanto, o mais humilde e o menor dos
batizados também recebeu o Espírito Santo.
2) O Espírito, o Senhor e Deus são inseparáveis. Sem mesmo chamá-lo
pelo nome, Paulo nos fala da Trindade que se dispensa em carismas: dons
da graça, mas o Espírito é o mesmo (v. 4), dons dos serviços na Igreja,
mas o Senhor é o mesmo (v. 5) e dons das atividades, mas é o mesmo Deus
que as realiza (v. 6). O Espírito põe, portanto, todos os fiéis a agir,
cada um segundo seus carismas, em vista do bem de todos (v. 7).
3) Esta unidade na diversidade Paulo a exprime através de uma fábula,
conhecida na sua época, sobre o corpo e seus membros, para significar
que todos os cristãos, em sua diversidade, pertencem ao mesmo corpo, o
Corpo do Cristo ressuscitado. Esta pertença transcende as clivagens
étnicas: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres,
fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e
todos nós bebemos de um único Espírito” (1 Cor 12,13).
3. João 20,19-23
Para João, é na noite da Páscoa que o Espírito Santo é dado aos
discípulos reunidos. Que mensagens podemos tirar dessa passagem bíblica?
1) O medo: os discípulos têm medo, eles são fracos,
eles se sentem abandonados. As portas estão trancadas. Apesar disso,
Jesus se apresenta a eles (v. 19). É, portanto, na humanidade dos
discípulos que Cristo se faz presente.
2) A Paz: duas vezes Cristo oferece a sua paz (vv.
19.21). Mas, por que esta insistência? O sentido bíblico da palavra paz
não é a ausência de guerra ou de conflitos; é a plenitude de vida que
lembra a presença do Ressuscitado (cf. TOB, Lc 1,79 nota J). É,
portanto, a sua Vida de Ressuscitado que Cristo dá aos seus discípulos. É
uma promessa de Ressurreição também para eles.
3) A Alegria: João sublinha que o Ressuscitado da
Páscoa é o Crucificado da Sexta-Feira Santa: “mostrou-lhes as mãos e o
lado” (Jo 20,20a). O evangelista não quer dizer que se trata do cadáver
de Jesus reanimado; o Ressuscitado se apresenta como aquele que fica
para sempre marcado por sua humanidade, aquele que, pela cruz,
testemunhou o Amor infinito de Deus. Do seu lado aberto nasceu a Igreja,
ápice do sangue da Vida nova e da água viva do Espírito. Esta é a
Alegria pascal experimentada pelos discípulos reunidos na noite da
Páscoa.
4) O perdão: o sopro do Cristo sobre os seus
discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida
ao ser humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos
discípulos, pelo dom do Espírito Santo, para que advenha um mundo novo.
Entretanto, uma coisa é essencial para que nasça esse mundo novo: é o
perdão. Deus deve, em primeiro lugar, apagar a nossa história passada,
derramando sobre nós o sopro do perdão dos pecados: “A quem perdoardes
os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles
lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe a nós, portanto, fazer nascer esse
mundo novo e é com toda a liberdade que nós podemos fazê-lo ou
recusá-lo. Que responsabilidade!
Para terminar, é uma missão que nos é confiada: nós temos a
responsabilidade de fazer nascer o mundo novo desejado pelo Cristo da
Páscoa. Esta missão é confiada a todos os cristãos em geral e, em
particular, aos padres no ministério do perdão. É, portanto, pela nossa
abertura ao outro, pela nossa acolhida da sua diferença que nós
testemunhamos o Cristo ressuscitado e que nós trabalhamos para fazer
nascer esse mundo novo. O Espírito que nos habita não é um Espírito de
medo que recusaria a novidade; é um Espírito que nos torna capazes de
inventar, criar, decifrar, abrir novos caminhos, a fim de permitir às
mulheres e aos homens de hoje encontrar e reconhecer o Cristo sempre
vivo através dos seus discípulos. O perdão é fundamental para a
recriação do mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de dá-lo ao
outro e de recebê-lo do outro, a fim de que nasça esse mundo novo
desejado pelo Cristo da Páscoa.
Réflexions de Raymond Gravel
*Raymond
Gravel é padre da Diocese de Joliette, Canadá. O texto é baseado nas
leituras do Domingo de Pentecostes – Ciclo A do Ano Litúrgico (08 de
junho de 2014). A tradução é de André Langer.