domingo, 21 de outubro de 2012

Bíblia e teologia



A teologia caminha pelos meandros da fé em busca de inteligência. O ser humano, à medida que avança em cultura e em exigências de racionalidade, pede à fé que lhe dê razões de si mesma.
A Sagrada Escritura cumpre a função de alma da teologia, ensina o Concílio Vaticano II. Sistema teológico sem os alicerces da Escritura constrói-se sobre a areia. E por quê?
A teologia caminha pelos meandros da fé em busca de inteligência. O ser humano, à medida que avança em cultura e em exigências de racionalidade, pede à fé que lhe dê razões de si mesma. Devemos estar dispostos a dar respostas a quem pede razões de nossa esperança, ensina S. Pedro (1 Pe 3, 15). Só espera quem crê no amor. Razões da esperança implicam razões da fé. E a teologia vem oferecer subsídios para tal.
E como encontrar razões para a fé? Por ela aceitamos, como fundamento último de toda a realidade e de nossa existência, o próprio Deus. Crer significa dar o coração a Deus, sabendo que dEle viemos, nEle vivemos e para Ele caminhamos. Mas como conhecer a Deus? Que sabemos de Deus?
Arriscamos muitas vezes inventar um Deus que corresponda aos nossos desejos e sonhos de grandeza, de poder, de ações mágicas sobre o mundo, sobre a história das pessoas. Se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26), o ser humano corre o risco de criar um deus a sua imagem e semelhança. Já não se trata de Deus, mas de um ídolo.
Quem vai precaver-nos do perigo, da tentação de querermos ser deuses, de moldar deuses como nós (Gn 3,5)? A fé, refletida pela teologia, mas fundada na Revelação. Pela revelação, a Palavra de Deus nos veio ao encontro na experiência do Povo de Israel e, de modo sublime e perfeito, em Jesus Cristo. E como ter acesso a essa Palavra? Aí estão as Escrituras Sagradas, o que chamamos "o Livro", traduzido em grego, "a Bíblia". Bíblia significa exatamente livro. Porque ela se tornou para nós o verdadeiro livro de salvação.
A teologia escuta a Palavra. Momento de audição, de humildade, de aprendizado. Aprende e ouve a revelação para depois refletir sobre ela e ensinar às pessoas o que a Escritura diz. Por que precisamos dessa reflexão ulterior da teologia?
A Palavra de Deus, eterna, infinita e imutável, bastaria por si mesma. Não precisaríamos de nenhuma outra. Então a teologia não passaria de pretensão exagerada, até mesmo de ousadia blasfema. De fato, lemos que a Palavra estava em Deus, era Deus (Jn 1, 1). E então? Ficaríamos nós aqui na história humana em jejum perpétuo. No entanto, João continua: E a Palavra se fez carne (1, 14), se fez humanidade, se fez história, se fez palavras humanas. Nesse momento, entram as escrituras dos homens, a necessidade de traduzirmos essas palavras em todos tempos e para todas as pessoas. Nasce a teologia.
Enquanto a Palavra de Deus habitava o seio eterno de Deus, reinava para nós silêncio insuperável. No momento em que este Verbo quis sair do seio da Trindade e fazer-se humano, começou a falar palavras nossas. Chegou a plenitude da revelação.
Evento tão sublime necessitou de preparação. Antes de o Filho falar, Deus Pai falou pelos profetas. Humanos, pessoas situadas numa época, numa cultura. Eles pregaram, escreveram, deixaram após si os livros. Uma vez que existe escritura, há inteligência que busca entendê-la, interpretá-la para as diversas culturas. De novo, faz-se necessária a teologia.
A ponte da teologia liga a Escritura à nossa cultura, a Palavra de Deus falada e escrita na Bíblia ao nosso cotidiano tão diferente do tempo da Bíblia. Sem teologia, corremos o risco de inventar deuses, de escolher da Escritura frases que nos interessam, de entendê-las segundo nossos caprichos sem respeitar o sentido que ela foi adquirindo ao longo da Tradição da Igreja.
A teologia lê a Escritura com o olhar da tradição eclesial, para evitar o literalismo, o fanatismo, o interesse arbitrário, a polêmica. A teologia se constrói no duplo movimento de fidelidade à Palavra de Deus e de compreensão dos tempos de hoje. Sem Escritura, a teologia não passa de pura invenção humana. Não serve à fé. Sem teologia, a Escritura corre o risco de perder-se no desconhecido e cair na mão de aventureiros que a manipulam a seu gosto. Escritura e teologia: matrimônio que gera vida.

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