terça-feira, 9 de outubro de 2012

Guerra declarada contra Deus


Carros-bomba, homens-bomba, brinquedos-bomba, tudo vale para destruir até aqueles que talvez creiam em Deus

Por Evaldo D´Assumpção*

Os meios de comunicação nos revelam, nas entrelinhas das notícias, uma verdade estarrecedora: a humanidade tenta apoderar-se de Deus como um objeto pessoal.  Se não, vejamos: Em seu nome, explodem-se mesquitas, igrejas e sinagogas. Em seu nome, trucidam-se grupos étnicos, grupos de turistas, famílias em suas casas, em mercados e centros de diversões. Carros-bomba, homens-bomba, brinquedos-bomba, tudo vale para ser utilizado para destruir aqueles que até podem crer em Deus, porém não lhe dão o nome que damos.

E mais ainda, também se busca destruir os que não creem em nada, talvez pela própria maneira dos que dizem crer, agirem em nome de um Deus pessoal. Mas, qual a procuração que possuem para agir em Seu nome? Pergunta mais importante: será Deus tão impotente ou incompetente, que necessita de paladinos e defensores autonomeados para defender seus interesses? E quem definiu para eles, e com precisão,esses interesses?

Cuido-me, ao escrever esse texto, para não cair na mesma vaidosa armadilha que pegãos eventuais Dom Quixotes de Deus. Prefiro então tomar algumas frases que não são minhas, mas tiradas do livro mais lido do mundo, para refletir um pouco. Nele, diz o profeta Jeremias: “Todos, pequenos e grandes, são gananciosos. Todos, profetas e sacerdotes praticam a mentira... Dizem Paz! Paz! Quando não há paz.” (Jr 6, 13-14) e ainda: “Vossos holocaustos não me agradam e não sinto prazer em vossos sacrifícios” (Jr 6, 20).

Também disse Oséias, inspirado por Deus: “Eu quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais que holocaustos” (Os 6,6). Ensinamentos que foram repetidos pelo próprio Cristo quando disse: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (Mt 9,13). E finalizo essas citações com a frase de Cristo quando repreendeu seus discípulos que queriam fazer calar outras pessoas que pregavam a palavra de Deus, sem serem do seu grupo: “Não os proibais, pois quem não estiver contra vós estará convosco”. (Lc 9,50).

Consequentemente, todos os grupos que se dizem cristãos deveriam ter, bem diante de si, esses ensinamentos que são comuns a todos, e vivê-los coerentemente. 

Mas, saindo do judaísmo-cristianismo, e procurarmos conhecer um pouco do budismo, descobriremos seus ensinamentos básicos: “Todo sofrimento nesta vida é causado pelo desejo e pelo apego”. E para se libertar, ensina: “seguir as oito vias nobres:o entendimento correto, o pensamento correto, a palavra correta, a ação correta, o modo correto de existência, o esforço correto, a atenção correta e a concentração correta”.

Na religião muçulmana, destaca-se a misericórdia como o grande prêmio a ser recebido pelos que foram governantes justos, aqueles que passaram a vida adorando a Deus, as pessoas que se amam, aqueles que recusam às tentações, aqueles que são generosos e praticam a caridade.

Se prosseguirmos, sem qualquer preconceito, olhando todas as religiões do mundo, descobriremos que, no âmago de cada uma, Deus é sempre o mesmo em todas elas, ainda que com denominações diferentes. Seus ensinamentos estão em todas elas, e quando não há distorções interesseiras,confluem para o amor, para a compaixão e para o respeito à dignidade de todas as criaturas.

Assim sendo, surgem as perguntas que nunca se calam: por que as pessoas se digladiam querendo sempre impor a “sua verdade”? Por que elas perdem tanto tempo argumentando com aqueles não têm a sua mesma denominação religiosa? Por que imaginamos que a nossa “verdade” é mais autêntica do que a do outro?

E, como conclusão final: se todos seguem ensinamentos que confluem para a paz e a concórdia, para a compreensão e o perdão, para a justiça e a tolerância, e se todos foram criados por um único e mesmo Criador, a quem nossas diferentes culturas atribuem nomes diversos como Deus, Jeová, Javé, Alá, Eloim, Quetzalcoatl, Manitu, Tupã, etc., por que estamos constantemente brigando com palavras, obras, armas e o que mais pudermos utilizar, tentando impor ao outro o que não aceitamos sequer que tentem impor a nós mesmos?

Já não será tempo de criarmos juízo e tentarmos dar-nos as mãos e caminhar ombro a ombro, ao invés de continuarmos, estupidamente, batendo-nos peito a peito, sem perceber que nunca, em nossos milhares de anos como humanidade, conseguimos qualquer resultado positivo passando os que estão de outro lado, pelo fio da espada, ou os explodindo em ataques terroristas?
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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