terça-feira, 20 de novembro de 2012

A Igreja do Vaticano II




Há 50 anos começava o Concílio Vaticano II, um evento que mudaria a face da Igreja Católica. Em 11 de outubro de 1962, o papa João XXIII convocava o Concílio Vaticano II, considerado hoje o acontecimento mais importante da Igreja no século XX e descrito pelo próprio pontífice como “um novo Pentecostes”. Uma das instituições mais poderosas e influentes do mundo, que tinha dominado o Ocidente nos séculos anteriores, agora se encaminhava para a modernidade.
O Bem-Aventurado João XXIII apresentou a finalidade principal do Concílio: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. Por isso, o objetivo principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal. É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo.
O Concilio Vaticano II se apresenta, ao mesmo tempo, como o resultado de cerca de cinquenta anos de pesquisas pastorais e teológicas e como uma ruptura em relação à Igreja originária do Concílio de Trento. Ao concretizar a manifestação da Igreja num mundo em plena evolução, o Concílio despertou grandes esperanças. O mal-entendido entre a Igreja e o mundo parecia dissipado. Contudo, outras dificuldades surgiram. O Concílio liberou a palavra e uma crise geral da civilização não podia deixar de ter consequências para a própria Igreja.
Em 28 de outubro de 1958, sucedia a Pio XII o cardeal Roncalli, que assumiu o nome de João XXIII. Aos setenta e sete anos e de origem camponesa, ele tivera uma carreira diplomática variada. Era patriarca de Veneza desde 1953 e tinha a reputação de um bravo homem. De suas estadias em vários países, entre os quais a França, guardou a lição de que o mundo evoluíra muito e de que a Igreja estava ausente de diversos setores da vida. João XXIII, no espírito do Evangelho, desejava simplificar as coisas complicadas. Ele adota um novo estilo pontifical. Primeiro papa a sair do Vaticano desde 1870, ele visita a prisão de Roma, partindo em peregrinação para Loreto e para Assis. Mas, em outros aspectos, permanece inteiramente tradicional.
No dia 25 de janeiro de 1959, João XXIII anunciava sua tríplice intenção de reunir um sínodo para a diocese de Roma, de reformar o direto canônico e de reunir um Concílio para Igreja universal.
Sem ter ideias muito precisas sobre o conteúdo do concílio, João XXIII lhe atribui dois objetivos bastante amplos: Uma adaptação da Igreja e do apostolado a um mundo em plena transformação e o retorno à unidade dos cristãos, que o papa parece planejar para prazos muito curtos, um pouco como a parusia para os primeiros cristãos. Para a Igreja, trata-se menos de lutar contra adversários do que de encontrar um modo de expressão para o mundo no qual vive e que a ignora. É preciso sacudir a poeira imperial que recobre a Igreja.
Em abril de 1963, a encíclica de João XXIII, Pacem in terris, tem uma grande repercussão, porque o papa se dirige a todos os homens de boa vontade e não mais unicamente aos cristãos. Pouco depois, o mundo inteiro segue com emoção a lenta agonia de João XXIII, que morre no dia 3 de junho de 1963. No dia 21 de junho, é eleito papa o cardeal Montini, que assume o nome de Paulo VI. Arcebispo de Milão desde 1954, ele fizera outrora sua carreira no Vaticano na secretaria de Estado. Bastante tímido, de inteligência brilhante, grande trabalhador, místico, ele contrasta com João XXIII e dá uma impressão de fragilidade. Paulo VI decide imediatamente dar prosseguimento ao Concílio.
A segunda sessão (outono de 1963) aborda diversos temas, colegialidade episcopal, ecumenismo e liberdade religiosa, e promulga a constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia, e o decreto Inter mirifica, sobre as comunicações sociais.
No decorrer da terceira sessão (outono de 1964), os padres se confrontam acerca da liberdade religiosa. Vários textos são votados e promulgados: sobre a Igreja (Lumen gentium), o Ecumenismo, as Igrejas Orientais. O Concílio propõe a constituição de um sínodo episcopal que o papa consultará periodicamente.
Na quarta e última sessão (setembro-dezembro de 1965) desembocava no voto e na promulgação de todos os textos discutidos anteriormente. No dia 4 de outubro, Paulo VI fora a Nova Iorque, na tribuna da ONU, na qual sua exortação, “Nunca mais a guerra”, causou uma forte impressão. No dia 4 de dezembro, numa celebração comum, a primeira do tipo para um papa, o Concílio se despede dos observadores não-católicos. No dia 7 de dezembro, em São Pedro de Roma, Paulo VI e o patriarca Atenágoras suspendem as excomunhões mútuas pronunciadas em 1054 entre Roma e Constantinopla. Esse gesto constitui uma etapa importante no caminho da unidade. No dia 8 de dezembro de 1965 ocorre o encerramento solene do Concílio. Tudo se acaba numa grande esperança.
De maneira geral, o Concílio pretendeu ser um Concílio pastoral destinado a falar aos homens desta época. Embora profundamente doutrinal, o Concílio não propôs definições nem condenações.
Com uma teologia que volta às suas fontes, a Constituição sobre a Revelação, Dei Verbum, insiste na unidade da revelação, tradição viva na qual não se devem distinguir artificialmente uma Escritura e uma Tradição oral. A revelação não está cristalizada num texto, mas se conserva no povo crente que nela descobre sem cessar as novas riquezas. O retorno à Palavra de Deus permite uma revalorização, na Igreja Católica, de aspectos tradicionais um tanto esquecidos em função das polêmicas antiprotestantes ou antiortodoxas, o sacerdócio universal dos fiéis, a Igreja como povo de Deus mais que como órgão jurídico, assim como a colegialidade episcopal. Com este último termo designa-se o fato de que, em torno do bispo de Roma, os bispos assumem a responsabilidade coletiva pelo povo cristão.
A abertura para os outros cristãos e para outras religiões e o decreto sobre o Ecumenismo, Unitatio redintegratio, pede que as diferentes confissões cristãs considerem inicialmente aquilo que têm em comum, Cristo e o Evangelho. Não se devem acusar os cristãos não-católicos do pecado de cisma. Mas que os católicos reconheçam também suas diferenças e suas responsabilidades históricas nos cismas, como na declaração do dia 7 de dezembro de 1965 de Paulo VI e de Atenágoras - um dos textos mais novos do Concílios. Nele, o Concílio se esforça por descobrir a parte do conhecimento de Deus mantida em todas as religiões, desde aquelas que são designadas como primitivas até as herdeiras da revelação monoteísta, o judaísmo e o islamismo.
Baseado nisto, o Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: “Se o Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar afirmações do Concílio (...) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé, que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal” (Catequese na Audiência Geral de 8 de março de 1967).


 
                                                                       Carlos Queiroz

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