quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Compreender o Deus vivo em perspectiva cósmica


“Com que direito nos denominamos homo sapiens se destroçamos o imenso investimento que foi feito para produzir a terra?” É a indagação de Elizabeth A. Johnson, autora do texto “O Deus vivo em perspectiva cósmica”, publicado pelos Cadernos Teologia Pública, no. 51. A resenha é de Afonso Maria das Chagas, mestrando no PPG em Direito da Unisinos.

Para Elizabeth A. Johnson a perspectiva cósmica emerge como consciência da grandeza e singularidade da Terra como planeta onde a vida humana e a vida deste planeta estão entrelaçadas. As recentes descobertas da formação da galáxia, a Teoria do Big Bang, os estudos sobre a origem da vida na terra nos dão conta que o universo é insondavelmente velho, incompreensivelmente grande, profundamente dinâmico e complexamente interconectado.
Desta forma, a cosmologia contemporânea ensina que a terra não é simplesmente um palco, onde se desenrola o drama humano, ou seja, a terra tem mais do que um só valor instrumental para nosso uso, não somos exclusivos. Quanto ao enfoque teológico, Por um longo tempo a atenção da teologia expressou sua atenção de forma estreita nos seres humanos, na sua pecaminosidade e consequente necessidade de redenção. Ignorava-se toda a comunidade de vida com a qual compartilhávamos a existência.
Nesta abordagem, portanto, um primeiro passo da teologia deve voltar-se para a dimensão do “cuidado ético”, que nasce com a percepção renovada do Deus vivo e presente na sua obra criada. Se a terra, como criação é um sacramento da glória de Deus, a sua destruição, na perspectiva cristã, apresenta as marcas da profanação desta obra criada. “Com que direito nos denominamos homo sapiens se destroçamos o imenso investimento que foi feito para produzir a terra?”
Um segundo passo na abordagem teológica remete-nos às profundas conexões entre a injustiça social e a devastação ecológica. Se o objetivo é assegurar as mais dignas condições de vida para todos não tem como negar a desproporcionalidade que existe, sobretudo porque os países pobres e, nestes, a população mais pobre, é quem mais sofre com a destruição ambiental. Em outras palavras, a devastação de pessoas e a devastação da terra andam juntas.  Perceber a presença e a ação de Deus no mundo deveria levar o cristão a um envolvimento ético com o mundo natural que o hospeda.
Estes passos, no entanto, pressupõem uma nova forma de compreender a presença de Deus no mundo. Sob este novo olhar, Deus não será mais visto no ápice de uma pirâmide, fora do mundo, mas habitando a criação, dentro dela. O Espírito Criador é o fluxo incessante e dinâmico do poder amoroso que sustenta o mundo, gera a vida, tece conexões entre as criaturas e continua renovando a face da terra. Eis a gramática de uma teologia ecológica do Espirito Santo de Deus.
Trata-se, portanto, de perceber o mundo criado, a matéria, como portadora da marca do sagrado. Ela própria contém uma radiância espiritual. Por este filtro teológico torna-se possível fazer uma revisita às tradicionais expressões cristãs e ao sentido dado a conceitos fundantes da doutrina cristã como: criação, aliança, encarnação, a cruz e a ressurreição e a escatologia.
Mas trata-se também de enfrentar algumas questões controvertidas que o “senso comum” muitas vezes sustenta, como o problema do mal no mundo, o porquê do sofrimento frente o sentido do poder de Deus, entre outras. São questões para quais os cristãos não têm uma resposta teórica. Da mesma forma, seria ilógico considerar como “vontade de Deus”, a responsabilidade pelo sofrimento no mundo. Esta imagem de Deus traduz o poder divino nos moldes do poder dos monarcas e não no sentido que os evangelhos explicitam.
Se prender a este círculo vicioso indagativo é fechar-se à compreensão do poder como amor relacional da parte de Deus com sua obra criada. O Espírito de Deus se move no mundo com amor compassivo que respeita a natureza própria e a autonomia de todas as criaturas. Em outras palavras, não se trata de um amor intrusivo, mas um amor que respeita e permite a organização do universo conforme suas próprias regras. Não se nega a onipotência, mas expressa a sua redefinição. Por essa perspectiva é que ressoa a seguinte questão: a kenosis divina não se expressa e continua se expressando na ação de Deus no mundo desde o princípio?
Nesta releitura a ação do Espírito Criador passa a ser compreendida como fonte imanente do novo. No entanto, em vez de interferir a partir de fora, o Espírito Criador possibilita a criação contínua a partir de dentro. E assim, a fé no Espírito da Vida não dará jamais motivos para a complacência ou para o desespero. Somente para a esperança.
A versão completa dos Cadernos Teologia Pública nº 51, encontra-se disponível no Portal do IHU-Unisnos.
Instituto Humanitas - Unisinos, 13/12/12.

Nenhum comentário:

Postar um comentário