sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Formação humana




Em alguns lugares dos Estados Unidos já não se ensinar a escrever, mas apenas a digitar (Foto: Divulgação)
Nos meus contatos com professores e outras pessoas que se interessam pela educação, volta continuamente o tema da falta de percepção básica. Isso, desde o ensino fundamental até o universitário. Os alunos não percebem o seu mundo real, fenômeno que se agrava ainda pela intrusão do mundo virtual, que – como mostram alguns filmes – chega a tomar o lugar do mundo real.

A culpa disso, porém, não está nos meios eletrônico informativos.  Está no fato de não saber lidar com eles. Com também não se sabe lidar com muitas outras coisas: carros, geladeiras, bebidas (tanto refrigerantes como estimulantes ou alcoólicas), comida, som etc.

Paremos de dar a culpa aos objetos. Voltemo-nos para os sujeitos, tanto os ‘em formação’ quanto os considerados formados. É o problema da formação humana integral, que já tratei diversas vezes nesta rubrica.

Tem a ver com a sabedoria. Existe, porém, o preconceito de que sábio se nasce, não se faz. Talvez surja uma luz quando traduzo o português ‘criança comportada’ por seu equivalente francês: ‘un enfant sage’, um criança sábia, que sabe viver. ‘Comportar-se’ parece sugerir dar satisfação a alguma instância exterior; ‘ser sábio’ refere-se ao que a pessoa tem dentro de si. E isso não é necessariamente mero dom da natureza. Também se aprende. Pela educação (familiar, escolar ou de outra instância).

Por exemplo: os ‘trecos’ eletrônicos nas mãos dos alunos na escola. Há pedagogos e professores que defendem o uso desses meios no ensino, a ponto de – em alguns lugares dos Estados Unidos – já não se ensinar a escrever, mas apenas a digitar. Há professores que acham de si mesmos que pensam melhor diante do computador do que escrevendo à  mão. Não sei... A mim, o esforço de escrever me faz pensar com mais profundidade, mas por facilidade (= pressa ou preguiça) prefiro digitar. O que importa, porém, é não deixar a máquina se tornar dono da gente.

Imagino que um professor versado nessas coisas prepare alguns exercícios que os alunos podem executar nos seus laptops, i-pads, tablets, smartphones ou seja lá o que for. Será um momento ao mesmo tempo divertido e instrutivo, revelando as possibilidades dos meios eletrônicos e aguçando a habilidade dos alunos. Promovendo inclusive a inclusão digital, importante para que os de origem humilde tenham as mesmas chances de acesso ao emprego que os economicamente mais fortes. Mas a lógica das coisas vai necessitar de boa explicação da parte do professor e intensa atenção da parte dos alunos. E, sobretudo, não se pode deixar que a criançada fique apenas brincando com os ‘trecos’. Deve prevalecer a percepção da realidade real...

Por outro lado, avaliações nas Faculdades mostram que os alunos começam a se cansar de aulas em power point, programas enlatados em que só devem seguir o que o computador manda etc. E, sobretudo, reclamam de não poder dialogar com o professor de modo normal. A interatividade é programada eletrônicamente, a sabedoria humana fica excluída.

Tudo isso tem a ver com a formação humana integral, que deve permear o ensino inteiro – e, naturalmente também, os outros âmbitos educativos. Mas não somente de modo transversal, como dimensão supostamente presente em todas as atividades. Deve também ser ensinado explicitamente, desde os primeiros anos, pois se trata de comportamentos que não são automáticos, mas precisam ser instruídos.

E, como já expliquei, não se trata de conhecimentos eruditos, como antigamente às vezes se entendia a cultura geral. Trata-se da percepção do cotidiano e da arte de lidar com ele. Decerto, isso está intimamente relacionado com os conteúdos ensinados em outras disciplinas escolares. O cotidiano tem a ver com o uso padrão da língua pátria, com a habilidade matemática essencial, com o conhecimento do espaço geográfico e histórico, não por decoreba, mas para criar “o mundo” da pessoa que se está formando. Além das muitas coisas que atualmente não estão no programa escolar, como conhecimentos básicos de saúde, cuidado corporal e psicoafetivo, percepção dos processos sociais e políticos, o perigo dos vícios, drogas etc. Tudo isso está esperando um lugar no programa de ensino.

Não se trata, enfim, de adestrar pessoas para o desenvolvimento econômico e industrial, embora se saiba que uma boa cultura geral é um trunfo importante no atual mercado de emprego. Porém, antes disso, trata-se do valor da pessoa humana. Cada pessoa, por mais pobre que seja, e mesmo tendo problemas de desenvolvimento mental, tem direito a receber as melhores condições de conhecimento do seu mundo e do seu cotidiano, para viver de modo pessoal e responsável.

Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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