quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Alienação religiosa e congênere


Permito-me um desabafo. Blog é para isso.

Fico impressionado, ultimamente, com a alienação religiosa ou congênere que se espalha em nosso país. Digo religiosa ou congênere, pois creio que, quanto à estrutura psicológica, há pouca diferença entre um fanático religioso ou um fanático de futebol ou fórmula 1. O objeto do fanatismo faz pouca diferença. O que conta é a fuga fora da responsabilidade e das pequenas coisas do dia a dia.

Os programas das redes religiosos de TV são, geralmente, altamente alienantes. Do lado chamado evangélico (que, no caso, com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo pouco tem a ver), milagres fabricados, histeria midiática e montes de dinheiro. Do lado católico, devoções água com açúcar, manipulação de imagens de santos, não sem fins lucrativos, teatralização da liturgia da missa, que deveria ser um momento de profunda compenetração em torno da palavra e do gesto de doação radical de Jesus. Pedidos de “graças” materiais pessoais, individualismo curtido em massa, sem laço comunitário, sem responsabilidade ética. E, por todos os lados, músicas estranhas, desengonçadas, ou uma pretensa música gospel que se desviou totalmente de suas origens, mais de cem anos atrás, na Américo do Norte negra.

Pior é que essa alienação passeia da tela para o dia a dia e vice-versa, reforçando a notável dose de superstição que já estava presente no meio de todas as classes sociais, “do menor até o maior”, como a Bíblia gosta de dizer.

Fico estarrecido quando vejo que pessoas que, do ponto de vista ético, não valem nada, passam por muito religiosas, quase santas. Têm a boca cheia de palavras edulcoradas ou misteriosas, anunciam curas e milagres a cada passo, enquanto os hospitais e o sistema de saúde ficam largados às traças. Percorrem terra e mar para ganhar adeptos, como disse são Paulo dos missionários judaizantes no mundo helenístico, mas não se interessam pela educação do povo nem pela integridade política.

Dói-me, sobretudo, ver quão pouco a sociedade reage diante da visível e crescente degeneração do ambiente humano em nossas cidades. Não só por causa do excesso de carros particulares – fruto de uma política econômica que a mim, pelo menos, não me convence. Degeneração humana em consequência do afluxo das massas de imigrantes rurais e também de pessoas vindas do exterior, que não encontram condições dignas de viver em nossas periferias. O aumento da mendicância, os “desperados” do crack, as filas noturnas diante dos postos de saúde, as escolas públicas que viraram depósitos para os que, ao saírem de lá, não terão chances de encontrar um caminho decente na vida, porque, simplesmente, não aprenderam nada. E também porque não houve integração da suposta educação escolar com o contexto familiar, social e cultural. (Sei que tudo isso está previsto em teoria, mas estou falando da prática).

Você sente o desespero de um médico, de uma enfermeira, que deve escolher entre a quem atender e a quem deixar morrer? Você imagina o coração de uma professora que prevê, sem meio de fazer algo, o êxodo de seus alunos da última série rumo ao mundo do crime?

E ninguém parece reagir. Uns fúteis protestos, esvaziados pela falta de organização. A ambiguidade da nova mídia. Se é fácil convocar pelo twitter, difícil é dar algum conteúdo consistente no ritmo da curtição. As entidades corporativas dão a impressão de defender apenas os interesses materiais de seus associados, não o bem coletivo da sociedade toda e muito menos o futura do planeta.

Reina um materialismo rasteiro, e o que passa por religião não muda nada disso, é só um verniz barroco por cima de uma sociedade tomada pelo cupim.

Decerto, há exceções, há pessoas que mantiveram o autêntico impulso do Concílio Vaticano II ou, mais recentemente, de alguns movimentos verdadeiramente evangélicos e evangelizadores. Mas não é essa seriedade e realismo que de modo geral se mostra na vitrine religiosa.

Fico feliz por termos um Papa que tenta colocar o Igreja católica com os dois pés no chão (por isso ele prefere os sólidos sapatos do pampa argentino aos sapatinhos rococó de certa tradição romana). Oxalá consiga. Com a ajuda do Céu, mas também de todos nós.

Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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