sábado, 26 de outubro de 2013

Grupos de fé e política


A Igreja Católica, à luz da consciência de sua missão de anunciar o Evangelho da vida, assume o compromisso essencial com a caridade e a justiça. A caridade, coração da experiência da fé, não pode jamais ser dissociada da justiça. Sua autenticidade se comprova pelo permanente respeito e empenho para a efetivação de tudo o que é justo. Óbvio se torna que todos os que professam a sua fé em Cristo Jesus, cultivando a sua condição cidadã, têm responsabilidades e compromissos com a política. A arte da política é instrumento de busca e efetivação da justiça.

O compromisso cidadão de participar na política agrega ao horizonte dos que creem os parâmetros e princípios da fé. Na vivência dos valores do Evangelho de Jesus Cristo, brota uma moralidade indispensável na prática política que tem força para correção de rumos e propriedade para importantes contribuições. Qualifica, assim, todos os ordenamentos - a área econômica, social, legislativa, administrativa e cultural - na busca pelo bem comum. A participação na política é, portanto, um direito e um dever. E esse compromisso de participar se fortalece com a fé.

O bem comum se alcança quando a justiça é assumida como virtude, gerando uma força moral sustentadora que impede a perda de rumos e promove o respeito a cada pessoa e a toda sociedade, particularmente ao que se configura como patrimônio público. A Constituição Gaudium et Spes n.76 do Concílio Vaticano II, iluminando o caminho da sociedade e a participação cidadã e de fé dos discípulos de Jesus Cristo, faz uma preciosa indicação para clarear entendimentos: “É de grande importância, sobretudo onde existe uma sociedade pluralista, que se tenha uma compreensão exata das relações entre a comunidade política e a Igreja, e ainda que se distingam as atividades que os fiéis, isoladamente ou em grupo, desempenham em próprio nome, como cidadãos guiados pela consciência de cristãos, e aquelas que eles exercem em nome da Igreja, e em união com os seus pastores. A Igreja, que em razão de sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado, é, ao mesmo tempo, o sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana”.

As devidas distinções são importantes para se tecer adequadamente a dinâmica da vivência da fé na comunidade eclesial e o exercício da própria cidadania sem jamais perder o horizonte largo e límpido que o Evangelho desenha. O entendimento lúcido da experiência da fé e o nobre sentido do que é a política, conforme indicado no Concílio Vaticano II, impulsionaram a formação dos grupos de fé e política. Trata-se de uma rede com a desafiadora meta de ajudar os cristãos na vivência de sua cidadania civil e de sua cidadania eclesial, marcadas pelos valores do Evangelho e pelos compromissos daí decorrentes. Isso significa um olhar sobre a realidade capaz de promover o sentido da solidariedade e sua vivência, fazendo diferença nas dinâmicas que configuram os rumos da sociedade contemporânea.

Os grupos de fé e política cumprem uma imprescindível tarefa educativa e prestam um serviço qualificado, acima de simples interesse partidário. Exercem a cidadania à luz do Evangelho. Eles são uma efetiva possibilidade de corrigir descompassos notados na sociedade quando se confunde a relação entre fé, religião e política, especialmente no que diz respeito a instituições e eleições. É lamentável quando se fala de bancada confessional. Um parlamento se configura por razões políticas nobres e cidadãs. Jamais por interesses cartoriais de grupos religiosos.

Os que exercem cargos importantes em instituições, têm responsabilidades e participam da vida cidadã, devem fazer do seu testemunho de fé um raio luminoso. Grupos de fé e política não são reforço partidário e ideológico. Constituem-se em espaços educativos que animam a cidadania à luz da fé, oferecendo contribuição indispensável à sociedade. Em comunhão com outras comunidades eclesiais pelo Brasil afora, a Arquidiocese de Belo Horizonte já tem tradição em investir na formação desses grupos, por meio de seu Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp), da PUC Minas e do Vicariato Episcopal para a Ação Social e Política. Vivencia assim, como compromisso de fé, a qualificação no exercício da política.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo O arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante os exercícios de 2003 a 2007 e de 2007 a 2011. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas. 

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