sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Festa de Todos os Santos, a festa de todos nós

Esta é data em que lembramos todos os que foram chamados a viver o programa proposto pelo Senhor.

Por Marcel Domergue*
Comentários anteriores podem nos levar a imaginar que é forçosamente restrito o número dos que encontram a verdadeira alegria no reconhecimento do dom de Deus, dom totalmente gratuito, pois sem “mérito” algum de nossa parte. A doutrina do “pequeno número dos que são salvos” teve muitos partidários na Igreja e não contribuiu em nada para dar ao Evangelho o seu aspecto de Boa Nova. A festa do Todos os Santos vem denunciar a falsidade desta interpretação desastrosa da fé cristã: tanto que, hoje, somos convidados a nos alegrar com a multidão dos seres humanos assumidos e acolhidos por Deus. A primeira leitura (Apocalipse) insiste em números simbólicos para nos fazer compreender que “esta multidão imensa não pode ser contada”.
Muita gente, com certa hesitação, é verdade, pensa que, aqui, é preciso traduzir “multidão” por “totalidade”. A Igreja não chegou a recusar a afirmação, mantida por alguns, de que Judas teria sido “condenado”? Pois então Todos os Santos é a celebração do sucesso de Deus e da humanidade inteira. É uma festa de alegria, mesmo se a proximidade da festa dos defuntos, sempre enfim tão mal interpretada, e o próprio clima do início de novembro quase sempre meio tristonho, acabem marcando a nossa festa com certo ar de melancolia. À alegria da consciência da superabundância do amor que nos faz ser, juntemos o calor da solidariedade: junto com todos os “santos”, fazemos um só corpo.

Comunidade de bens

Não há limites ao amor de Deus, não há limites a este Deus que é amor. Não há limites para as dimensões deste corpo que o Cristo se deu, reunindo todos os homens de todas as etnias, de todas as línguas, de todos os níveis culturais. E, até mesmo, de todas as religiões. Para ser o que sou, tenho necessidade dos outros. Como diz Paulo, em 1 Coríntios 12,20: “Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: ‘Não preciso de ti’; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés ‘Não preciso de vós’.” Vamos, pois, olhar de um modo novo esta multidão de desconhecidos que nos precederam: não são estranhos, mas, de alguma forma, são parte de nós mesmos. É junto com eles e por eles que somos membros do único corpo do Cristo.
Torno-me herdeiro da pobreza vivida por Francisco de Assis e por tantos outros; sou creditado pela doçura de quantos passaram sua vida ajudando o seu próximo; sou consolado por todas as lágrimas que outros derramaram. Não posso viver as bem-aventuranças todas sozinho, é claro; ser perseguido por causa da justiça não depende de decisão minha. Ainda que meu destino seja diferente do de Tereza de Lisieux, de Francisco Xavier ou de São Lourenço que foi queimado vivo, mesmo assim, tudo isto me pertence. A comunhão dos bens praticada pela Igreja primitiva, ao que parece, significa esta partilha de todos os valores espirituais e humanos dos membros do Corpo. Por isso é que se fala em “comunhão dos santos”, mesmo que esta linguagem esteja já um pouco em desuso.

Um novo modo de olhar os outros

Isto que foi dito não se refere apenas à nossa ligação com os homens e mulheres do passado. Temos também de aprender a olhar de um modo novo todos e todas que estão à nossa volta, ao longe e de perto. Mas podemos considerá-los todos como “santos”? Devemos aí nos entender muito bem quanto ao sentido da palavra “santidade”. Se a tomamos no sentido de perfeição moral, de excelência em todas as virtudes, fica evidente, então, que ninguém poderá se prevalecer disto. Mas a palavra tem também outro sentido: é santo o que pertence a Deus.
Somos santos porque fomos assumidos por Deus e ninguém pode ser excluído da sua misericórdia, deste Amor que não conhece limites. Deus vê o homem, até mesmo o mais perverso, através do olhar de seu Filho. Fazer um julgamento, qualquer que seja, está fora de nossas competências. Um dia, quem sabe, descobriremos que muitos destes que hoje consideramos maus, são de fato apenas pessoas infelizes, frustradas por algum motivo, portadoras de alguma herança familiar desastrosa. Talvez cheguemos também a constatar que, sendo privilegiados, temos aproveitado muito pouco das boas cartas que temos em mãos. Felizmente, fomos todos listados à margem do tesouro comum da santidade de Deus. As portas do Reino abrem-se todas, para todos e para cada um, quando se abre o sepulcro do Cristo. Mais que “Todos os Santos”, seria melhor dizer “Todos os Santificados”.
Croire, 01-11-2013.
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta.

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