segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Educação com o coração

Informação não pode ser considerado sinônimo de formação.


Corações educados, orientados, formados e informados crescem em sabedoria. (Foto: Arquivo)
Por Dom Jaime Spengler*
Pascal, pensador do século XVII, afirmava que "o coração tem razões que a própria razão desconhece: percebe-se isso de mil modos(...)". Essa afirmação tornou-se célebre. O que entendia o pensador por coração? Teria o coração alguma relação com o grande e nobre desafio da educação?

O coração é um órgão vital do corpo humano, muito estudado, acompanhado e cuidado. A arte médica realizou muitas conquistas no tocante ao cuidado deste órgão vital. No entanto, o coração humano tem conotação mais ampla: é considerado a sede dos sentimentos, expressão da intimidade do ser humano, centro das grandes decisões existenciais e da vida. Para além de considerações fisiológicas, queremos centrar a atenção para aquilo que o coração representa.

Podemos dizer que o coração representa o horizonte no qual o ser humano pode atingir o conhecimento de si, de seus sentimentos, paixões, impulsos, tendências, desejos, capacidades, valores, aptidões. São aspectos da existência humana que ultrapassam a mera racionalidade; não são aspectos contrários à razão, mas mais profundos. Assim, o âmbito do coração recebe uma amplidão de possibilidades que está além da razão, sem ignorá-la; indica para experiências originárias de conhecimento! Nesta perspectiva, podemos identificar um horizonte de experiências, onde a razão lógica não pode penetrar e que, todavia, toca dados objetivos autênticos, segundo uma ordem sua própria.

Tendo presente tais considerações, poderemos perguntar: o que a educação pode fazer pelo coração humano? No que a educação pode cooperar para que esta dimensão decisiva da existência humana receba justas orientações para o desenvolvimento de uma existência humana verdadeiramente integrada e integradora? Como as instituições educativas abordam tais aspectos da existência humana, decisivos para o convívio social integrado, harmonioso, respeitoso?

Há, talvez, especialistas e técnicos na arte da educação que desconsideram tais afirmações e indicações. Haveria, talvez, daqueles que considerem tudo isto tarefa exclusiva dos genitores, da família. Encontraremos outros ainda que, talvez, dirão que tudo isso nada tem a ver com educação... Será?

Certo é que encontramos tantas realidades onde respeito, valores, aptidões, desejos, sonhos, impulsos, regras, aspectos fundamentais do convívio humano civilizado são simplesmente transcurados, senão ignorados. E no empurra-empurra das responsabilidades, vemos um número crescente de pessoas sendo lançadas para as ‘periferias existenciais’.

Não resta dúvidas que um número sempre maior de pessoas tem acesso à instituição escola; que cresceu o número daqueles que chegaram à universidade. Mas sob que condições? Quais seriam os resultados objetivos desta realidade? Melhorou o convívio social? Vemos pessoas melhor formadas, melhor informadas? Ora, informação não pode ser considerado sinônimo de formação! Quem, afinal, define o projeto sócio-educativo de um povo, duma nação? E para além de opiniões difusas, não é raro encontrar adolescentes analfabetos que a anos frequentam a instituição escola; também não é raro encontrar pessoas que passaram pelo terceiro grau e que não conhecem regras básicas da língua madre. Também não é rato encontrar professores – em alguns países possuem lugar social de destaque; são considerados mestres; gozam de respeito público! – apavorados, reféns de grupos que agem impunemente...

Corações educados, orientados, formados e informados crescem em sabedoria e graça diante dos demais e do Eterno!
CNBB, 17-01-2014.
*Dom Jaime Spengler é arcebispo de Porto Alegre (RS).

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