sábado, 18 de outubro de 2014

Dize-nos o que pensas sobre Deus


Sede cidadãos do mundo, diz Jesus, mas não esqueçais que sois cidadãos do Reino.
Nada escapa a este Ser que é o fundamento de tudo o que existe.
Por Marcel Domergue*

A resposta de Jesus aos fariseus parece à primeira vista uma pirueta verbal, destinada a desarmar a arapuca que tramaram contra ele. A armadilha é evidente: se responde que Deus aceita que se pague o imposto, vai se por contra todos os que resistem à ocupação romana, ativos ou não. Vai se passar por uma espécie de "colaborador".  Se, ao contrário, responder que não se deve pagar o imposto, os seus adversários irão imediatamente a Pilatos, para denunciá-lo.

Jesus, na realidade, irá aproveitar-se desta armadilha para revelar uma verdade fundamental. É em nome da fé e do "verdadeiro caminho de Deus" que os fariseus pedem que ele se pronuncie. Em outras palavras, pagar ou não pagar o imposto ao imperador seria um problema que se resolveria a partir do culto prestado a Deus; seria, portanto, uma questão de fé.

A armadilha é sutil porque, em certo sentido, tudo o que temos de fazer e de viver deve se realizar na fé; tudo diz respeito a Deus. De fato, tudo o que é verdadeiramente humano é, ao mesmo tempo divino, uma vez que ser homem consiste em ser imagem e semelhança de Deus.

Nada escapa a este Ser que é o fundamento de tudo o que existe. Por isso, pagar ou não pagar o imposto tem algo a ver com Deus. Mas o que significa, então, a resposta de Jesus que parece distinguir um domínio que é divino e um domínio que é simplesmente humano? Isto nos lembra outra resposta, dada a alguém que lhe pedia para fazer com que o irmão repartisse a sua herança (Lc 12,13): "Quem me estabeleceu juiz ou árbitro da vossa partilha?"

O permitido e o proibido

O que, então, Jesus quer dizer? É importante dar a esta questão a resposta certa, pois ela é que comanda a nossa atitude para com a sociedade "laica", no bom sentido da palavra. E, também, o valor que podemos reconhecer nas escolhas feitas por tantos homens e mulheres sem qualquer referência religiosa.

Digamos que livremente é que o homem deve aceitar se construir à imagem de Deus. As Escrituras não nos fornecem nenhuma lista do que é "permitido". Ao contrário, somente do que é "proibido": as 10 palavras (Decálogo) que, depois de nos terem dito que a nossa verdade consiste em amar, enumeram os limites além dos quais não há amor possível. Já foi dito que estas proibições podem se resumir no "Não matarás", que ocupa o centro da lista. Entendendo-se que matar o outro começa quando o desprezamos, quando não o levamos em conta, quando o reduzimos ao silêncio ou ao estado de objeto utilizável na "produção".

Tendo dito isto, notemos que Deus não nos prescreve como amar. Cabe a nós inventá-lo: "Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade. Escolhe, pois, a vida, para que vivas» (Dt 30,15 e 19). Mas onde está a felicidade? Onde, a infelicidade? Cabe a nós decidir. Pois, não comemos o fruto da árvore do bem e do mal? Deus não nos prescreve; não se pronuncia em termos do que seja permitido e proibido. Seria bom se, um dia, a Igreja imitasse esta maneira divina de se comportar.

Deus e César

Ao pedir que os fariseus identificassem a efígie de César na moeda que usavam todos os dias, Jesus quer que tomem consciência da lógica das suas vidas: se não querem pagar o imposto, que se recusem também a fazer as compras com estas moedas. E ainda, da mesma forma, que renunciem a se fazerem pagar com esta moeda estrangeira. Somos assim convidados a tomar as nossas decisões não em virtude de uma suposta vontade de Deus, mas segundo a lógica, a que estiver ao nosso alcance, de tudo o que temos de viver.

Sob a condição, é claro, de que estas decisões provenham da nossa escolha fundamental, de ter no amor a nossa linha de conduta. Isto evidentemente é o que deve dominar o nosso discernimento a respeito das condutas a manter. Com isto dito, podemos tomar consciência de que "dar a César o que é de César" é o melhor meio de "dar a Deus o que é de Deus".

De fato, através dos outros é que Deus vem nos encontrar e, também, através dos outros é que nós O encontramos. Mas cheguemos até o fim: quanto mais os outros nos são estranhos e estrangeiros, mais eles nos trazem a presença daquele que é o "Todo Outro". Notemos, no entanto, que os fariseus não perguntam se é permitido ou proibido pagar um imposto injusto, mas simplesmente pagar o imposto. O que aqui está em causa não é o justo ou o injusto, mas a imagem que se faz de Deus: em vez de um Deus que prevê e prescreve todas as nossas condutas, somos convidados a descobrir um Deus que nos convoca à liberdade.
Croire
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras do 29º Domingo do Tempo Comum (19 de outubro de 2014). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

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