quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ser médico hoje


Diante de sua vocação e missão, o médico é chamado a conjugar três verbos: lembrar, reconhecer e agradecer.
Para o médico, cada pessoa deve ser única.
Por Dom Murilo S. R. Krieger*

Tendo em vista a festa de seu padroeiro – São Lucas, no dia 18 de outubro –, os médicos da Associação Bahiana de Medicina me convidaram para lhes dar uma palestra sobre "As possibilidades e os desafios do médico hoje". Não tenho condições de transcrever neste espaço tudo o que lhes falei; posso, sim, recordar algumas ideias que traduzirão minha gratidão por sua presença e missão na sociedade e em minha vida.

São Lucas é padroeiro dos médicos porque ele próprio foi um médico. Quem testemunhou isso foi o apóstolo S. Paulo que, no final de sua carta aos Colossenses (de Colossas, cidade da Ásia Menor – hoje, Turquia), escreveu: “Saúdam-vos, enfim, Lucas, o querido médico, e Demas” (Cl 4,14).

Há médicos porque existem doenças e existe a dor: "A enfermidade e o sofrimento sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude. (...) A enfermidade pode levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma e, às vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Também pode, no entanto, tornar a pessoa mais madura, ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para voltar-se àquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca a busca de Deus, um retorno a Ele”. (CIC, 1500-1501).

Jesus Cristo, ao longo de sua vida, demonstrou compaixão para com os doentes, e os curou. Com essa sua atitude, deixava claro que, para Deus, o ser humano ideal é o saudável. De quem é a “culpa” pela doença e pelo sofrimento? A fé nos responde que a causa do sofrimento é o pecado. O Papa emérito Bento XVI lembrou que “... o sofrimento faz parte da existência humana. Este deriva, por um lado, da nossa finitude e, por outro, do volume de culpa que se acumulou ao longo da história e, mesmo atualmente, cresce de modo irreprimível. Certamente, é preciso fazer tudo o que for possível para diminuir o sofrimento... mas eliminá-lo completamente do mundo não entra nas nossas possibilidades, simplesmente porque não podemos desfazer-nos da nossa finitude e porque nenhum de nós é capaz de eliminar o poder do mal, da culpa que – como constatamos - é fonte contínua de sofrimento” (Bento XVI, Spes salvi, 36).

As atividades que os médicos realizam todos os dias são um nobre serviço em benefício da vida. Sua missão os coloca diariamente em contato com a misteriosa e maravilhosa realidade da vida humana, impelindo-os a se ocuparem dos sofrimentos e das esperanças de inúmeros irmãos e irmãs. O doente deve ser ajudado a reencontrar o bem-estar não só físico, mas também psicológico e moral; isso supõe do médico, além de competência profissional, uma atitude de solicitude amorosa, inspirada na imagem evangélica do bom Samaritano.

Dentre os valores que devem guiar os trabalhos dos médicos merecem destaque o respeito à vida – que deve ser defendida e salva também quando no ventre materno ou em seu estágio final –, e o respeito pela unidade do ser humano, com suas dimensões corporal, afetiva, intelectual e espiritual.

Diante de sua vocação e missão, o médico é chamado a conjugar três verbos: lembrar, reconhecer e agradecer. (1º) Lembrar que a saúde é um dom preciso. Muitas vezes a pessoa só percebe isso quando a saúde lhe falta ou parece fugir de suas mãos. (2º) Reconhecer que ele, médico, é limitado. Longe de ser um “deus” – apesar de todo valor que a sociedade lhe dá –, não terá resposta para muitas situações que enfrentará.

Cada pessoa é única e, portanto, cada doente tem direito de receber toda a sua atenção. Como médico, estará sempre diante de pessoas frágeis e fragilizadas, capazes de valorizar tanto a saúde que, em função dela, se disporão a desfazer-se de seus bens para pagar o tratamento. (3º) Agradecer a Deus pela importância de seu trabalho, feito em favor do próximo – imagem de Deus. Quanto mais frágil for uma pessoa, mais forte é a imagem divina nela impressa. Agradecer, enfim, o privilégio de viver em função de uma missão que ocupou um lugar privilegiado na vida de Jesus Cristo.
CNBB, 21-10-2014.
*Dom Murilo S. R. Krieger, scj, é arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil.

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