sábado, 8 de novembro de 2014

Crer é também se envolver


Quanto mais nos aproximamos do povo, mais compreendem nossa missão.
Por Luiz Carlos de Oliveira*

Papa Francisco, em sua exortação Alegria do Evangelho nº 24, criou a palavra "primeireiam". Este termo significa a capacidade de tomar iniciativas. Podemos dizer: os discípulos procuram chegar primeiro.

O termo é novo, mas a realidade é velha, mais ainda, Divina, pois Deus sempre chega primeiro, como nos explica S. João: "Nisto consiste o amor: Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem os amou e enviou seu Filho” (1Jo 4,10).

Paulo diz na carta aos Romanos: "Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores" (Rm 5,8). Em nossa formação espiritual, insistiu-se em buscar Deus, como se tudo dependesse de nós. Sabemos que já o desejo de buscar Deus, já é provocado por Ele.

A comunidade que sente esse a amor de Deus que chegou primeiro, "sabe tomar iniciativas sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e convidar os excluídos" (EG 24). Porque recebeu a misericórdia de Deus, a comunidade quer oferecer esta misericórdia. Nós vivemos uma espiritualidade egoísta que pensa só em receber de Deus e não pensa em sair de si.

A moleza dos bons aumenta a desgraça dos fracos. Se cada cristão levasse a outro esse amor, mesmo que fosse um só, o mundo já teria mudado. A fé tem que sair da sacristia e do grupinho dos ineficientes “piedosos” e envolver-se com as situações de miséria e sofrimento.

Referindo-se a seu gesto de lavar os pés dos apóstolos Jesus manda que O imitemos suas atitudes: “Sereis felizes se o puserdes em prática” (Jo 13,17). Tomar iniciativas é envolver-se na vida diária com obras e gestos. Cristo envolveu-se totalmente e tocou a vida das pessoas com sua humildade. Envolver-se para servir, não para imiscuir-se.

Acompanhar pelo caminho

Envolver-se supõe acompanhar. Papa Francisco continua: “Em seguida, a comunidade evangelizado dispõe-se a ‘acompanhar’. Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam”.

Todos os fiéis devem também envolver-se e tocar o Cristo na carne sofrida do povo. Por isso é preciso estar presente na caminhada. É necessário paciência e suportar, como Jesus disse no evangelho: Deixar crescer o joio no meio do trigo. Trata-se de entregar a vida. Foi este o caminho de tantos que acreditaram na força do Evangelho. Os frutos virão. Quem sabe não vamos ver nem a planta crescer. Outros colherão onde plantamos. Muitos foram mártires porque estiveram presentes.

Durante a guerra civil da Angola, muitos missionários fugiram. Os que não quiseram fugir e ficaram acompanhando o povo em seu sofrimento, são muito respeitados e amados pelo povo.

Cheiro de ovelha

O envolvimento com o povo em sua situação nos dará, como diz o Papa, o cheiro das ovelhas. Nem sempre são perfumadas. Este vai além. Vai exigir muito desprendimento para passar a viver como o povo vive, falar sua língua, viver seus costumes, comer como comem, alegrar-se como se alegram. O povo é festivo e feliz.

Quanto mais nos aproximamos, mais compreendem nossa missão. Esse modo de evangelizar é o que dá consistência à liturgia celebrada na festa do povo.

Quando não entendemos o que o padre diz na homilia, é porque não fala nossa língua, isto é, não vive conosco. Estando acostumados com sua presença, entendemos o que diz no altar.
A12, 01-11-2014.
*Luiz Carlos de Oliveira, CSsR, é padre.

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