terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Por uma paternidade responsável


Papa reafirma posição sobre contracepção, mas diz que não é preciso 'fazer filhos em série'.
Papa alerta para para o perigo de se 'pôr Deus à prova'.
CIDADE DO VATICANO - O papa voltou a defender nessa segunda-feira (19) a posição da Igreja sobre métodos contraceptivos artificiais, mas ressalvou que os cristãos não precisam de “fazer filhos em série”, havendo mesmo situações em que isso será um exemplo de paternidade irresponsável. Falando com os jornalistas a bordo do avião que o transportou de volta pra Roma, depois de uma viagem de vários dias pelas Filipinas e pelo Sri Lanka, Francisco abordou ainda outros temas, como a liberdade de expressão e a corrupção.

Sobre o planejamento familiar, Francisco voltou a apelidar o Papa Paulo VI, que formulou a posição da Igreja no documento Humanae Vitae, que continua a ser muito contestada, de "profeta" pela sua visão da humanidade. "A recusa de Paulo VI não era apenas por causa dos problemas das pessoas – pois recomendou aos confessores para serem misericordiosos e compreensivos. O que considerou foi o neo-malthusianismo à escala universal, que estava então em curso", disse o papa, referindo-se à filosofia criada por Malthus, que defendia a necessidade de se controlar a população, sobretudo entre as camadas pobres, para evitar uma catástrofe demográfica.

"E hoje, como se chama este neo-malthusianismo? É o -1% de natalidade em Itália e o mesmo em Espanha! É o efeito daquele neo-malthusianismo que procurava um controle da humanidade por parte das potências". Contudo, explicou o papa: “Isso não significa que os cristãos devem fazer filhos em série, Paulo VI fala de paternidade responsável. É esse o caminho. Paulo VI não foi um antiquado nem um retrógrado, nada disso, foi um profeta!"

Francisco deu mesmo como exemplo de paternidade irresponsável um caso que se passou com uma conhecida sua, que engravidou pela oitava vez, depois de ter tido já sete cesarianas. O papa diz que lhe “ralhou”, perguntando se ela queria “deixar sete órfãos” e avisou para o perigo de “pôr Deus à prova” com esse tipo de atitude. “Há muitas maneiras lícitas de limitar a reprodução”, afirmou Francisco.

Colonização ideológica

O papa aproveitou ainda a conversa com os jornalistas para elaborar sobre um termo que usou durante a sua visita às Filipinas, em que criticou a "colonização ideológica". “Sobre a colonização ideológica, dou apenas um exemplo que eu próprio vi: há 20 anos, em 1995, uma ministra da Educação pediu um empréstimo considerável, para construir escolas para os pobres. Deram-lhe o empréstimo, na condição de, nessas escolas, haver um livro para as crianças, muito bem preparado didaticamente, onde se ensinava a teoria do gênero. Isto é a colonização ideológica!”

"Entram num povo com uma ideia e colonizam o povo com uma ideia que muda, ou pretende mudar, uma mentalidade ou uma estrutura", critica o papa, salientando que isso acontece sobretudo em países que precisam de auxílio financeiro ou humanitário. "Durante o sínodo, os bispos africanos lamentavam-se disto". A atitude atual, diz Francisco, não é nova: “O mesmo já fizeram as ditaduras do século passado".

O papa usou ainda palavras fortes para condenar a corrupção e os corruptos: “Hoje no mundo, a corrupção está na ordem do dia. A atitude corrupta, aninha-se de imediato e com facilidade nas instituições. A corrupção é tirar ao povo. Aquela pessoa corrupta, que faz negócios corruptos, ou que governa corruptamente, ou vai associar-se com outros para fazer um negócio corrupto, rouba o povo”.

A esse propósito, o papa deu mesmo um exemplo pessoal, recordando que enquanto arcebispo em Buenos Aires tinha sido abordado por pessoas que se ofereceram para fazer um donativo de grande valor à Igreja, mas na condição que depois, ele devolvesse uma parte, sem que isso ficasse declarado. Francisco diz que na altura teve de escolher entre “fazer barulho” ou “fazer-se de estúpido” e optou pela segunda, dizendo que todos os donativos tinham de passar pela contabilidade da arquidiocese, mediante recibo, perante o que a proposta foi retirada.

Liberdade de expressão e prudência

Durante a viagem à Ásia, uma declaração de Francisco a propósito do caso Charlie Hebdo causou alguma discussão. Francisco tinha dito que não se deve ofender as crenças religiosas das pessoas e explicou melhor a sua ideia nesta viagem de avião: "Em teoria podemos dizer que não se deve reagir de forma violenta perante uma ofensa ou uma provocação. Podemos dizer que temos a liberdade de expressão, estamos todos de acordo, mas somos humanos e, por isso, existe a prudência, que é uma virtude da convivência humana".

"Eu não posso insultar e provocar uma pessoa continuamente, porque arrisco-me que ela se zangue e arrisco-me a ter uma reação não justa, mas isso é humano. Por isso digo que a liberdade de expressão deve ter em conta a realidade humana, ou seja, deve ser prudente. É uma forma de dizer que deve ser educada", esclareceu Francisco.

Por fim, o Papa adiantou alguns detalhes das suas próximas viagens fora de Itália. A ida aos Estados Unidos já estava confirmada. Francisco vai participar num encontro de famílias em Filadélfia, mas irá também a Nova Iorque e Washington. A tão desejada visita à fronteira com o México, solicitada pelos bispos americanos para sublinhar o drama da imigração ilegal, não vai, contudo, realizar-se.

Em novembro, o papa espera ir à República Centro-Africana, onde houve recentemente um grave conflito de contornos interétnicos e inter-religiosos e também ao Uganda. Depois, realizará duas viagens à América Latina. A primeira, em 2015, inclui Equador, Bolívia e Paraguai e a segunda, em 2016, ao Chile, Argentina e Uruguai. Todos estes planos são, porém, provisórios, uma vez que o papa também queria incluir o Peru em uma das visitas.
SIR

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