domingo, 15 de fevereiro de 2015

Roteiro Homilético

15 de fevereiro / 2015 – 6º Domingo do Tempo Comum /B

O PODER SOBRE A EXCLUSÃO SOCIAL

 1ª leitura: (Lv 13,1-2.44-46) Os leprosos: marginalizados – As leis de Israel concernentes à lepra são severas. Mesmo sem que se saiba a natureza da doença, quem demonstra seus sintomas deve ser afastado da comunidade, e seus objetos, destruídos. Estas medidas parecem inspiradas pela higiene, mas não deixam de sugerir a presença de uma força maligna nos infelizes. Trata-se de um verdadeiro tabu e discriminação social. * Cf. Dt 24,8-9; Nm 12,10-15.

2ª leitura: (1Cor 10,31–11,1) Fazer tudo para a glória de Deus – Ao fim da discussão sobre os banquetes idolátricos (1Cor 8–10; cf. dom. passado), Paulo tira as conclusões práticas. Que se compre carne destes banquetes no mercado, sem ninguém o saber, não tem importância (10,25). Se, porém, alguém o sabe e se escandaliza, então não se deve comer desta carne, por amor ao fraco na fé (10,28-29), pois não seria possível comê-la agradecendo a Deus (10,30). Daí, a atitude geral: fazer tudo de sorte que seja um agradecimento a Deus, o que acontece quando é para o bem dos outros. Por final, Paulo atreve-se a colocar-se como exemplo, sendo que Cristo é o exemplo dele. * 10,31-32 cf. Cl 3,17; 1Pd 4,11; 1Cor 9,20-22. Rm 15,2 * 10,33–11,1 cf. 1Cor 4,16; Fl 3,17.

Evangelho: (Mc 1,40-45) Jesus cura um leproso – Sempre no exercício da “autoridade” divina sobre as forças do mal e, ao mesmo tempo, levado por uma compaixão humana que não deixa de ser divina também, Jesus quebra o tabu da lepra, toca o leproso e faz desaparecer a lepra. Depois, manda o homem oferecer o sacrifício prescrito, selando assim sua reintegração na comunidade. Jesus lhe proíbe publicar o ocorrido, porque a publicidade não dá acesso à verdadeira personalidade de Jesus (que não apenas cura, mas também assume o sofrimento humano). Mas o homem não é capaz de silenciar o fato... * cf. Mt 8,2-4; Lc 5,12-16; Lv 14,1-32 (1ª leitura). 
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 A lepra era um sofrimento duplamente cruel, em Israel, por causa da doença em si e por causa da exclusão prevista pela Lei (1ª leitura, Lv 13; mas Lv 14 traz prescrições para curar os leprosos e reintegrá-los). Na opinião do povo, a lepra devia ser obra de algum espírito muito ruim. Os leprosos eram intocáveis, tabu! Jesus quebra este tabu (evangelho). O leproso reconhece em Jesus sua misteriosa “autoridade”, seu poder sobre os espíritos maus. “Se quiseres, tens o poder de me purificar” (Mc 6,40). Jesus não pensa nas severas restrições da Lei, mas em compaixão, aquela qualidade divina que ele encarna. Toca no leproso, apesar da proibição. Diz: “Eu quero, sê purificado”, e acontece. Como aos exorcizados, Jesus proíbe ao ex-leproso publicar o que o “poder” nele operou. Mas quem poderia esconder tanta felicidade? O homem, até então marginalizado, encontrou a reintegração e aproveitou-a para contar o que lhe acontecera. Mais: Jesus foi ocupar o lugar do leproso, nos “lugares desertos” (1,45).
Como as narrações precedentes, também esta é concebida como uma revelação velada da personalidade de Jesus. Poder e compaixão: duas qualidades de Deus, dificilmente compatíveis no homem, são as feições que se deixam entrever no agir de Jesus. E também: a superioridade em relação à Lei. Pois a Lei é para o bem das pessoas; se se pode curar alguém pelo “poder”, não é preciso primeiro consultar os guardiães da Lei. Basta que, depois do benefício de Deus, o leproso ofereça o sacrifício de agradecimento a Deus, conforme o rito costumeiro.
Chegamos aqui a um ponto central na atuação de Jesus, e que provocará a crescente e mortal oposição das autoridades religiosas: Jesus sabe melhor que a Lei (na interpretação dos escribas) o que é o bem do homem. Reintegra, por “autoridade” própria, o homem que a letra da Lei marginalizava. Restaura a comunhão com o excomungado (a aclamação ao evangelho é tirada, precisamente, de um dos salmos de reintegração dos excomungados), passando para trás os que tinham o monopólio da reintegração. Aceitar este Jesus significa aceitar alguém que supera as mais altas autoridades religiosas. Neste sentido, a cura da lepra funciona como um sinal: significa que, de fato, Jesus está acima das prescrições legais e pode prescindir delas. Este é o ponto central da revelação velada que se expressa neste milagre.
Este tema convida a uma catequese sobre a reintegração dos que são marginalizados (não necessariamente por causa de lepra). Uma pista: a reintegração baseia-se na “autoridade” que Jesus demonstra; autoridade que neutraliza, por assim dizer, as prescrições da Lei. Em Jesus, temos uma autoridade superior. Para que nós, operando como membros do Cristo, possamos realmente vencer a marginalização, será preciso desenvolver um poder que esteja acima das convenções constrangedoras do sistema em que vivemos. Precisamos demonstrar tal poder, exatamente como Jesus. Precisamos de uma encarnação operante da compaixão reintegradora; precisamos de uma força que neutralize os mecanismos de marginalização. Uma força de origem divina: a força da verdadeira solidariedade, baseada no amor.
A 2ª leitura tira das “questões particulares” dos coríntios uma regra de vida que vale para todas as circunstâncias. Paulo chega ao termo de suas considerações com relação ao participar dos banquetes religiosos pagãos (que eram, ao mesmo tempo, festas civis) (1Cor 8) e com relação ao comer carne sacrificada aos ídolos e depois vendida no mercado (10,23-30). Acha que não convém usar de seu direito em coisas tão secundárias, se isso causa confusão nos “fracos na fé”, que não sabem distinguir o que é idolátrico e o que não o é. Inclusive, as refeições se fazem sob ação de graça; ora, como render graças se o irmão fica na confusão pelo que estou fazendo (10,30)? Daí a regra geral, adaptável a muitas circunstâncias: fazer tudo, comer, beber e tudo o mais, de modo que se possa dar graças e louvor a Deus (10,31). Paulo se coloca a si mesmo como exemplo (cf. dom. passado): o pregador deve ser a ilustração daquilo que ele prega. Paulo quer agradar a todos, não para lograr sucesso pessoal, mas para o bem da maioria, a fim de que todos se deixem atrair por Cristo. Este texto é uma das mais lindas exortações que a Bíblia contém.

Deus e os excluídos
 A exclusão social virou princípio de organização socioeconômica: a lei do mercado, da competitividade. Quem não consegue competir, desapareça. Quem não consegue consumir, deve sumir. Escondemos favelas por trás de paredões ou placares de publicidade para que feios, aleijados, idosos e doentes não poluam os nossos cartões postais!
Em tempos idos, a exclusão muitas vezes provinha da impotência ou da superstição. Assim a exclusão dos cegos e coxos do templo de Jerusalém. Ou a marginalização dos leprosos, ilustrada abundantemente em Lv 13–14 (cf. 1ª leitura). Enquanto não se tivesse constatado a cura por um complicado ritual, o leproso era considerado impuro, intocável. Jesus, porém, toca no leproso – e o cura (evangelho). É um sinal do Reino de Deus. Jesus torna o mundo mais conforme ao sonho de Deus. Pois Deus não deseja sofrimento nem discriminação. O Antigo Testamento pode não ter encontrado outra solução para esses doentes contagiosos que a marginalização; mas Jesus mostra que um novo tempo começou.
Começou, mas não terminou. Reintegrar os marginalizados não foi uma fase passageira no projeto de Deus, como os benefícios que os políticos realizam nas vésperas das eleições. O plano messiânico continua através do povo messiânico, como se concebe a Igreja. Devemos continuar inventando, quando pudermos, soluções contra toda e qualquer marginalização. Pois somos todos irmãos e irmãs.
Seremos impotentes para excluir a exclusão, como os antigos israelitas em relação à lepra? Que fazer com os criminosos perigosos, viciados no crime? Será nosso mundo tão bom que possa reintegrar tais pessoas, sem que se enrosquem de novo? O fato de ter de marginalizar alguém é um reconhecimento da não-perfeição de nossa sociedade. Toda forma de marginalização é uma denúncia contra nossa sociedade, e ao mesmo tempo um desafio. Isso é muito mais ainda o caso em se tratando de pessoas inocentes. A marginalização é sinal de que não está acontecendo o que Deus deseja.
Onde existe marginalização, o Reino de Deus ainda não chegou, pelo menos não completamente. E aonde chega o Reino de Deus, a marginalização não deve mais existir. Por isso, Jesus reintegra os marginalizados, como é o caso do leproso, dos pecadores, publicanos, prostitutas… Essa reintegração está baseada no poder-autoridade que Jesus detém como enviado de Deus: “Se quiseres, tens o poder de me purificar” (Mc 1,40). Jesus passa por cima das prescrições levíticas, toca no leproso e “purifica”-o por sua palavra em virtude da autoridade que lhe é conferida como “Filho do Homem” (= “executivo” de Deus, cf. Mc 2,10.28).
Há quem pense que os mecanismos auto reguladores do mercado são o fim da história e a realização completa da racionalidade humana. E os que são (e sempre serão) excluídos por esse processo, onde ficam? Não será esse raciocínio o de um varejista que se imagina ser o criador do universo? A liturgia de hoje nos mostra outro caminho, o de Jesus: solidarizar-se com os marginalizados, os excluídos, tocar naqueles que a “lei” proíbe tocar, para reintegrá-los, obrigando a sociedade a se abrir e a criar estruturas mais acolhedoras. Mais messiânicas.
 (Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB  e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. 

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