
O jurista disse ter aceitado o convite sem pretensão de revelar algo novo para os bispos que vivem em contato com o povo e com o dia-a-dia, considerando até que esses bispos podem saber mais do que ele sobre a realidade: “quero apenas oferecer uma ajuda ´pensando alto´ a respeito da realidade a partir da sensibilidade de um cristão”.
Ele considera que é muito difícil prever o movimento dos acontecimentos pela velocidade das mudanças. Como ilustração, disse que poderia dizer outra coisa um mês atrás, após manifestações populares e antes de um apoio mais explícito do governo federal ao Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a delegação ao vice-presidente, Michel Temer, para realizar a articulação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso.
“Precisamos do mínimo denominador comum que poderia nos unir a todos, todos os brasileiros de boa vontade, acima das visões divergentes: tudo fazer para que o Brasil não sofra nenhum retrocesso nas conquistas nos últimos 30 anos. Conquistas no plano político, institucional e, principalmente, no combate à pobreza”, disse. “Qualquer sociedade será julgada pela maneira como trata os mais pobres, os mais frágeis, os mais vulneráveis. Esse é o sentido principal da ação política”, acrescentou.
Realidade atual
Ricupero também pediu atenção especial para uma visão histórica dos últimos 30 anos. “Os militares deixaram o poder porque, na verdade, eles tinham fracassado, tinham destruído as instituições e se declaravam, no fundo, vencidos por duas crises econômicas que, apesar dos poderes que tinham, não conseguiram controlar: a hiperinflação e a dívida externa. O novo governo civil começou sobre piores auspícios. A morte do presidente eleito e o presidente Sarney teve de governar com dificuldade. Mas, esse período trouxe uma conquista muito importante: aprovar uma Constituição progressista, aberta”.
Na análise, Ricupero mostrou que é preciso atenção para algo fundamental da realidade atual: o país não somente não está crescendo, mas está recuando. O crescimento não é tudo, mas pode-se dizer que não sendo tudo, é quase tudo. Sem crescimento não há base para melhorar a vida social”. E lembrou que se o crescimento não for retomado em pouco tempo, as conquistas sociais estão ameaçadas. “As faixas da população que saíram da pobreza extrema fizeram isso graças ao crescimento. Se não voltarmos a crescer, essas conquistas já começam a mostrar corrosão. Desemprego cresce, perda do valor real dos salários. Quando fui ministro, em fins de março de 1994, a inflação estava em 55% ao mês. A inflação pesa, sobretudo, no bolso de quem depende de salários. Essas pessoas já começam a diminuir o consumo e a inflação pode trazer uma intensificação dos mecanismos distributivos que é o radicaliza a opinião público”, ponderou.
“Temos que rapidamente deter esse movimento. Precisamos de um ajuste que poupe os que são mais frágeis, que permita o equilíbrio da dívida pública e que atraia o investimento”, acrescentou. Segundo Ricupero o governo está consciente dessa realidade. “Conheço os ministros da fazenda e do planejamento e creio que eles merecem apoio”, disse Ele acha que a popularidade do governo deve deixar de cair e que sejam criadas as condições para que o governo possa conduzir o processo. “É possível que o mandato atual seja turbulento, mas o valor da Constituição, da lei e da participação deve ser preservado”, reforçar.
Situação do Brasil
“Nós criamos uma democracia de massa. Na primeira eleição para o Congresso, em 2 de dezembro de 1945, que elegeu o Marechal Eurico Gaspar Dutra, votaram 35% da população adulta. Metade da população estava fora do jogo. Em 1930, apenas 10% da população adulta teve direito de votar. Nós melhoramos muito. O Brasil teve avanços consideráveis. Teve avanço na luta contra a pobreza e desigualdade, embora os resultados sejam frágeis porque partimos de muito baixo”, disse.
Uma leitura, em preparação para a análise que faria aos bispos, Ricupero leu a Bula Misericordiae Vultus do papa Francisco sobre o Ano Santo da Misericórdia. Nesse documento, o papa cita uma frase de Paulo VI, pronunciada no encerramento do Concílio Vaticano II, em 7 de dezembro de 1965: “em vez de diagnósticos desalentadores, se dessem remédios cheios de esperança; para que o Concílio falasse ao mundo atual não com presságios funestos mas com mensagens de esperança e palavras de confiança”. Para Ricupero, essa frase representa muito para os cristãos nesse momento social, político e econômico do Brasil. Ricupero concluiu com outra citação do papa Francisco em discurso feito no Brasil, em 2013: “Quando me pedem um conselho, minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. Ou se aposta no diálogo e na cultura do encontro ou todos perdemos”.
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