quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O ''golpe'' do Papa Bento XVI



Pela primeira vez, o pontífice anuncia um consistório sem nem mesmo um único nome italiano na lista, curial ou diocesano que seja. Pela primeira vez, o prefeito de uma das mais importantes congregações vaticanas, como a da Doutrina da Fé, antigamente chama de "la Suprema", pula um turno e não recebe o barrete vermelho.

Uma primeira evidência, percorrendo a lista dos novos cardeais que o Papa Ratzinger leu no fim da audiência geral de hoje, é que o consistório do próximo novembro aparece como o prolongamento necessário daquele que foi celebrado recém em fevereiro passado e que havia provocado notáveis reações críticas pela presença maciça de púrpuras curiais e italianas, diversas das quais notoriamente próximas do secretário de Estado, Tarcisio Bertone. Na lista de fevereiro, não apareciam africanos e as Igrejas particulares, e os bispos dos territórios de fronteira pareciam não ter sido considerados, quando, ao invés, haviam sido levados em consideração prelados de rápidas carreiras curiais.
Com o anúncio dessa quarta-feira, Bento XVI quer equilibrar as duas últimas criações cardinalícias, e é significativo que tenha decidido não incluir italianos nem europeus. Não é difícil compreender as razões que guiaram o papa na escolha dos nomes: Bechara Boutros Rai, patriarca de Antioquia, dos maronitas (Líbano) recém-acolheu Ratzinger no país dos cedros, e a púrpura é um sinal de proximidade aos cristãos de todo o Oriente Médio neste momento tão difícil da sua história.
Baselios Cleemis Thottunkal, arcebispo-maior de Trivandrum, dos siro-malancareses (Índia), assim como o jovem arcebispo de Manila (Filipinas), Luis Antonio Tagle, indicam a atenção ao grande continente asiático.
John Olorunfermi Onaiyekan, arcebispo de Abuja (Nigéria), é uma púrpura doada à África, mas também a uma Igreja mártir que vive sob a ameaça dos ataques terroristas.
Rubén Salazar Gómez, arcebispo de Bogotá (Colômbia) é o barrete destinado à América Latina.
Todos os neocardeais têm antecessores com mais de 80 anos, e, portanto, é respeitada a regra não escrita de fazer esperar que os titulares de dioceses com o emérito ainda votante em caso de conclave.
A verdadeira surpresa da lista é o nome do norte-americano James Michael Harvey, prefeito da Casa Pontifícia, chefe da prefeitura que regula audiências e afins do papa há 14 anos. Várias vezes no passado falara-se da possibilidade de que ele deixaria o cargo para uma diocese nos Estados Unidos. Ratzinger o premia com a púrpura, confiando-lhe a arciprestado da Basílica de São Paulo Fora dos Muros, geralmente porto de eclesiásticos com mais de 75 anos, que permaneciam no cargo, às vezes, além dos 80 anos, como aconteceu recentemente com o cardeal Montezemolo. Harvey, que tem 63 anos, substitui o cardeal Francesco Monterisi, de 78 anos.
A nomeação de Harvey é a única que pode ser considerada, de algum modo, relacionada com os recentes acontecimentos do Vatileaks que abalaram o entorno papal mais próximo. Justamente o atual prefeito da Casa Pontifícia havia sido determinante na escolha de Paolo Gabriele quando se tratou de escolher o substituto do ajudante de quarto Angelo Gugel. É preciso dizer, no entanto, que Harvey deixa o Palácio Apostólico, mas não Roma e sobretudo que ele se despede da Prefeitura da Casa Pontifícia com todas as honras e com o barrete vermelho. O que significa que, mesmo querendo reorganizar o seu entorno, o papa continua tendo confiança em Harvey, que, além disso, não está envolvido na investigação que levou à condenação de Paolo Gabriele pelo furto das cartas papais depois divulgadas.
Será interessante ver quem irá tomar o posto do prelado norte-americano na Prefeitura: o seu vice, o padre Leonardo Sapienza, foi recém-promovido a esse cargo, enquanto, no passado, havia sido pensada a hipótese da designação do secretário particular do papa, o padre Georg Gänswein, mesmo que a circunstância foi considerada pouco provável.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 24-10-2012.

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