terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Igreja que sofre



Pertence à mais lídima tradição cristã vir em socorro dos que sofrem lá onde estiverem. Mateus consagrou-a numa das páginas mais belas do evangelho quando ele simula o juízo final. Lá está o Filho do homem, Jesus Cristo, em sua glória, acompanhado de todos os anjos, assentado no trono de glória (Mt 25, 31). Que introdução solene! Que fará tal juiz? Ele se reconhecerá presente em todo faminto, sedento, estrangeiro, desnudo, enfermo, encarcerado, que foram atendidos, e agradecerá a quem fez esse serviço com frase de extrema consolação: Vinde, benditos do meu Pai, recebei em partilha o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo.

Talvez tenhamos meditado pouco nesse texto. Quem serve, quem ajuda, pessoa ou comunidade, indivíduo ou grupo, Jesus o considera “bendito de seu Pai”. E lhe fala de um Reino preparado desde sempre para ele. Que maravilha! Se realmente acreditássemos nisso como pessoa, como nação, como humanidade, tudo seria bem diferente. O Haiti não teria sofrido aquela terrível destruição. A pobreza básica do país fez que uma catástrofe da natureza se tornasse abissal. Terremotos piores aconteceram no Japão sem nenhum prédio derrubado, sem nenhuma morte. A causa de tanto sofrimento tem raiz social. E a solução só virá de mudanças estruturais do sistema de fora e de dentro do país. Não sei se a França, nesse momento, teve algum sentimento de dor por ter colonizado e explorado tanto aquela nação, deixando-a à porta da miséria. Que, agora, ao menos, tente compensar e indenizar o mal praticado em séculos passados!

Essas situações extremas servem para acordar-nos pelo rastro de maldade e de injustiça social que o sistema colonial e seus sucessores fizeram e ainda fazem nos países colonizados. O arrependimento de nossos males passa pela tomada de consciência e pela consequente reparação. Há um grau que pertence ao nível da justiça. Virtude básica e incontornável para a existência de qualquer sociedade e de toda a humanidade. Exigência ética sem a qual o ser humano se degrada. Ainda não pensamos as catástrofes naturais e sociais à sua luz. Na publicidade aparece como momento de generosidade superrogatória o que não passa de justiça estrita.

Para além da justiça, existe a generosidade. Virtude pouco própria do sistema capitalista que nem atinge as raias da justiça social. No entanto, grupos humanos, autônomos, ONGs têm mostrado, nessas horas de extrema carência, gestos que lembram a mensagem de Jesus. As igrejas cristãs, e dentro delas, as instituições religiosas carregam o carisma do serviço. E em vez de disputarem espaços propagandísticos de proselitismo, soou-lhes a hora de mostrarem a que vieram: realizar o reino de solidariedade com os carentes desse mundo no espírito de Jesus. Em verdade eu vos declaro, todas as vezes que fizestes o menor gesto de ajuda e serviço a um dos pequeninos do Haiti a mim o fizestes (Mt 25,40).

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação. 

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