quarta-feira, 22 de maio de 2013

'Doutrina da Igreja não muda, mas suas leis podem mudar'


"Como em qualquer sociedade, a Igreja Católica tem leis, e embora os princípios da sua fé não mudem, as suas leis precisam se adaptar às novas situações"
Por Cindy Wooden
Dom Juan Ignacio Arrieta tem uma pasta especial que ele usa exclusivamente para carregar a documentação sobre um projeto que revisaria completamente uma seção inteira de lei básica da Igreja Católica.
A caixa preta contém o esboço de um texto de 40 páginas para uma nova seção "Livro VI: Sanções na Igreja" do Código de Direito Canônico, assim como a síntese de 800 páginas das emendas e objeções recomendadas às mudanças propostas.
Arrieta, secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, mergulha na pasta de trabalho em seu escritório com vista para a Praça de São Pedro e em casa à noite.
Como em qualquer sociedade, a Igreja Católica tem leis, diz Arrieta, e embora os princípios da sua fé não mudem, as suas leis precisam se adaptar às novas situações em que os seus membros tentam viver a sua fé.
Embora o Pontifício Conselho busque pequenos ajustes para diversas seções do Código de Direito Canônico, promulgado em 1983, e formas para acelerar o processo de avaliação da validade dos casamentos, julgou-se que a seção referente a infrações e penalidades precisa de mais do que um retoque.
O atual Código foi elaborado nos anos 1970, disse Arrieta, "um período um pouco ingênuo" no que diz respeito à necessidade de uma descrição detalhada das infrações, dos procedimentos para investigá-los e das penalidades a serem impostas ao culpado. Ele refletia um sentimento de que "todos nós somos bons", disse, e que "as penalidades devem ser raramente aplicadas".
"A Congregação para a Doutrina da Fé, quando o papa Bento XVI era prefeito, foi obrigado a agir como consequência do fato de que a lei penal da Igreja não estava funcionando", disse.
A ingenuidade da lei ficou evidente com a crise dos abusos sexuais, disse Arrieta. Além disso, a seção de sanções do Código de 1983 foi escrita com tanta ênfase sobre o papel do bispo individual em sua diocese local que cada bispo suportava o peso de decidir quando e como intervir e que tipo de sanção ou punição deveria ser imposta sobre o culpado.
A lei acabou sendo muito vaga, e as sanções da Igreja eram aplicadas tão casualmente que a Igreja parecia estar dividida, afirmou.
O projeto para revisar a seção começou em 2008. O esboço foi concluído em 2011 e foi enviado para as conferências episcopais e para as faculdades pontifícias de Direito Canônico, que tiveram um ano para responder. As sugestões foram organizadas e sintetizadas, e agora as autoridades e consultores do Conselho – principalmente professores de Direito Canônico – se encontram para uma tarde a cada duas semanas para repassá-las, linha por linha.
Arrieta disse que serão necessários ao menos dois anos para que um novo esboço esteja pronto para ser apresentado ao papa Francisco. Como o principal legislador da Igreja, é o papa quem decide se o texto deve ou não ser promulgado e ordena que ele substitua a lei vigente.
O esboço proposto incorpora a definição atualizada dos "delicta graviora" do Vaticano de 2010 – em latim, os "crimes mais graves", incluindo o abuso sexual clerical de menores, a "tentativa de ordenação de mulheres" e os atos cometidos por padres contra a santidade da Eucaristia e contra o sacramento da penitência.
As duas principais preocupações da nova seção, assim como em toda a lei da Igreja, afirmou, são "salvaguardar a verdade e proteger a dignidade das pessoas". Ao mesmo tempo, as regras são mais rigorosas – "se alguém fizer isso, deve ser punido", disse o bispo. Embora retire o poder discricionário do bispo em certos casos, disse, "é pelo bem do bispo".
Outro conjunto de modificações no Código de Direito Canônico já estão sobre a mesa do Papa Francisco, aguardando o seu julgamento. Eles lidam com as áreas em que o código da maioria católica de rito latino difere do Código dos Cânones das Igrejas Católicas Orientais.
Arrieta disse que, na maioria dos casos, são regras para situações que o Código de rito latino nunca imaginou, ao contrário do Código oriental, publicado em 1990. Com o grande número de cristãos orientais – católicos e ortodoxos – que migraram para territórios predominantemente latinos nos últimos 25 anos, os pastores de rito latino precisam de orientação, disse.
Por exemplo, os católicos orientais que não têm acesso a um padre ou a uma paróquia do seu rito são livres para receber os sacramentos em uma paróquia de rito latino, incluindo o batismo e o matrimônio. As revisões propostas para o Código especificam que, em tais situações, o registro sacramental da paróquia deve incluir uma anotação de que as pessoas envolvidas pertencem a uma Igreja Católica Oriental, disse. Além disso, os pastores de rito latino devem saber que, embora um matrimônio de rito latino seja válido na presença de um diácono, nas Igrejas de rito oriental um padre deve presidir.
Muitos católicos pensam que o Direito Canônico é algo com o qual precisa se preocupar somente se o casamento se rompe e eles querem uma anulação.
O processo de anulação é outra área atualmente em fase de estudo e análise pelo Pontifício Conselho, disse o bispo. A lei da Igreja deve defender a doutrina da Igreja, mas respondendo às situações concretas dos fiéis.
"A lei da Igreja segue a realidade teológica das coisas", disse. "Não é o Direito Canônico que proíbe o divórcio; é a fé que proíbe. O Direito Canônico, então, transforma isso em linguagem jurídica".
Assim, embora o Conselho não esteja tentando encontrar formas de facilitar as anulações, "estamos tentando identificar os gargalos que atrasam" os julgamentos no processo de anulação e identificar procedimentos melhorados, afirmou.
Catholic News Service, 17/05/13.

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