segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A Loucura de Deus


O Espírito Santo está em nós assim como num templo, para permitir que realizemos o programa divino.
Por Marcel Domergue*
Isto que Jesus nos fala no evangelho é, com certeza, um programa para nós ou, se quisermos, um ideal a não se perder de vista. É uma concepção do mundo e da vida que está em contradição com o comportamento habitual da maior parte dos homens. Jesus pede que nos afastemos do espírito do mundo: estais no mundo, mas não sois do mundo, diz ele, no evangelho de João. De alcance bem mais amplo do que a Lei, que aqui é resumida sob a forma do talião, as suas prescrições, com certeza, não são para serem tomadas ao pé da letra.

Em João 18,22-23, quando um guarda o esbofeteia durante o processo, não apresenta a outra face, mas o interroga: "Por que me bates?" Notemos que não se deixa levar pela raiva nem procura se vingar, mas faz o guarda voltar-se para si mesmo, convidando-o a indagar-se sobre o seu comportamento. Jesus não o julga, mas encarrega-o de julgar-se a si mesmo.

No Evangelho de hoje, vai mais longe: pede que nos submetamos à vontade do outro, mesmo se esta vontade seja maldosa. Ele próprio aceitará dar a sua carne e o seu sangue e nos pedirá para fazer o mesmo, em sua memória.

Não pensemos imediatamente em martírio: quantos pais são levados a se submeterem às escolhas imprevistas de seus filhos e filhas, quando se tornam adultos? E os esposos entre eles? A cada instante, somos de um modo ou de outro, convidados a dar a nossa própria vida, enquanto esperamos oferecer o nosso último e definitivo dom.

A perspectiva da Paixão já está presente no Sermão da Montanha, o primeiro discurso de Jesus, em São Mateus. Portanto, o fim está presente já desde o início. Tudo o que vem em seguida só virá demarcar esta caminhada rumo ao dom de si absoluto. Sabedoria de Deus que é loucura para os homens, conforme diz São Paulo.

Como Deus é?

As maneiras que temos de representar Deus são todas antropomórficas, quer dizer, tiradas de tudo o que vemos acontecer entre nós, homens. Isso acontece porque o Todo Outro nos escapa. No entanto, atribuir a Deus o que vemos acontecer entre os homens não é de modo algum um absurdo, já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.

Sim, está certo, estamos ainda a caminho da nossa criação perfeita e acabada; e a única imagem autêntica que temos é, enfim, o Cristo, "imagem do Deus invisível" (Colossenses 1,15). Ele é o homem completo, realizado. É ele que é "perfeito como o nosso Pai celeste é perfeito" (conforme as últimas palavras deste evangelho). E eis que ele nos pede que o encontremos aí, nesta perfeição da semelhança. Só então é que Deus será verdadeiramente o nosso pai, pois o que caracteriza a paternidade ou a maternidade é a semelhança (Gênesis 5,3).

Assim, quando Jesus nos pede para sermos perfeitos como nosso Pai é perfeito, está nos pedindo para irmos até ao fundo, até ao limite final da nossa humanidade. Podemos retomar as instruções que ele nos dá (não contra-atacar o malvado, dar além daquilo que te querem tirar, amar os nossos inimigos) sem perder de vista que elas nos descrevem a "conduta" de Deus para conosco.

Temos aqui, então, quem pode e deve nos reconfortar. Conforto este que precede e desencadeia a imitação. Temos que ser como Deus. Era esse o projeto de Adão e Eva, o "homem antigo" que se mantém no fundo de nós. Exceto no que este homem velho se engana sobre Deus. Escutemos a este respeito o que nos diz o Cristo, o Homem Novo.
Croire.
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta.

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