sábado, 7 de junho de 2014

"Quem fala?"

 



Estou cansado de ouvir, ao telefone: “Quem fala?”. Geralmente respondo: “Com quem o senhor quer falar?” Talvez um pouco grosseiro, mas serve para conscientizar o outro de que sua pergunta soa estranha, como se quisesse descobrir quem está no meu gabinete. Ou como se estivesse preparando um assalto ou um sequestro. Normalmente, quem liga diz o nome do destinatário da chamada e, se for solicitado, seu próprio nome. Ou se autoapresenta e logo diz com quem deseja falar.
Outra pergunta: “Que é que senhor vai fazer no fim de semana?” Acho tal pergunta muito indiscreta, pois não preciso dizer a todo mundo o que vou fazer no fim de semana. Respondo: “Que é que a senhora deseja?”
Uma funcionária me pergunta: “O senhor vai fazer o que hoje?”. Respondo que isso não lhe diz respeito. Depois vem a explicação da pergunta: “A portaria telefonou para dizer que o táxi chegou para alguém que pediu para ir ao aeroporto. Não é o senhor?” “A portaria não disse o nome?” “Sim, mas o senhor Beltrano não atende ao telefone. Pensei que talvez fosse o senhor que pediu.” “Não me chamo Beltrano.” “Então vou ligar para ele novamente.” “Faça isso”.
Se eu me desse o tempo de lembrar, poderia escrever toda uma crônica a respeito desse jeito desajeitado de se comunicar. O famoso “De onde fala?”, como se o telefone hoje ainda tivesse manivela...
Mas o que quero dizer, mesmo, é que está na hora de que se aprenda a telefonar na escola. Afinal, não foi ontem ou anteontem que o telefone foi inventado. E não só telefonar, mas o modo de se apresentar, de tratar as pessoas, de se comportar na rua, como pedestre, como ciclista, como motoqueiro... E não faria mal se as autoescolas ensinassem aos condutores as devidas maneiras de se comportar no volante.
A cultura da pessoa no cotidiano, é disso que se trata. Cultura não são em primeiro lugar shows, eventos ou exposições. Sem o cultivo pessoal dos visitantes – por exemplo, uma turma de escolares –, as exposições se tornam cenário de invasão dos bárbaros... Quanto aos shows, esses geralmente não exigem muita cultura pessoal: os visitantes podem conversar à vontade, gritar até, pois os megawatts do som achatam tudo. Não é por nada que se fala em “som” em vez de “música”, pois nenhuma musa aguentaria.
Não estou pleiteando a favor de “maneirinhas burguesas”, passadas sobre as pessoas como um verniz. Encontra-se muita delicadeza genuína em pessoas bem simples, quando estão num afazer que lhes é familiar. Mas elas perdem o jeito certo quando devem agir em contextos um pouco mais complicados, como, por exemplo, passar um recado de telefone... (complicado, né?). Esse jeito desajeitado poderia ser evitado com um quê de instrução escolar. Vale a pena investir nisso.
Formas de tratamento adequadas. Palavras acertadas, sem delongas ou floreios, mas suficientes para criar e manter uma atmosfera de discreta presença e comunicação mútua, tanto na família como no escritório. Bom trato não é cerimônia excessiva, sufocante, mas objetividade acertada: não demais, não de menos. São coisas que se aprendem, talvez até na escola...



Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara.

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