segunda-feira, 6 de abril de 2015

O coração e a história de nossa Igreja


A vida familiar de Jesus na simplicidade de Nazaré.
Por Dom Agenor Girardi*
A sinagoga era o espaço da Palavra de Deus: - Normalmente, aos sábados, a família de José, Maria e Jesus, freqüentavam a sinagoga de Nazaré, onde os membros da comunidade ouviam atentamente um texto da Escritura do Antigo Testamento. O leitor pronunciava as palavras dos hinos e cânticos sacros e todo o povo respondia. Os homens formavam um grupo e as mulheres outro grupo a parte. Quem lia, fazia também os comentários referentes ao texto que fora proclamado. Esta prática religiosa se repetia todos os sábados, em todas as aldeias onde houvesse uma sinagoga. Mas, o sonho de todos eram chegar uma vez por ano a Jerusalém, onde estava o templo do Senhor. A festa da páscoa era sempre esperada com muita expectativa e vibração por todos. Como todos os judeus tementes a Deus, José dirigia-se cada ano para lá. As mulheres não tinham a obrigação de participar desta peregrinação, mas Maria, que amava o templo, ia sempre a Jerusalém também.

O caminho para Jerusalém: - Ao completar doze anos, todo menino de Israel já podia ler a Sagrada Escritura em voz alta na sinagoga. Era a chamada “maior idade”. Assim aconteceu com Jesus. José e Maria o levaram a Jerusalém. Naqueles dias, longas caravanas coloridas de viajantes percorriam as estradas que conduziam à capital. Cantos e salmos ecoavam por todo o vale e em todo o caminho. Era uma alegria sem fim dos peregrinos. Para Jerusalém afluíam milhares de romeiros e os guardas do templo, com muito esforço é que conseguiam manter a ordem pública. A praça diante do templo transbordava de gente e os sacrifícios de animais eram oferecidos sem cessar, dia e noite.

Um menino pleno de graça e sabedoria: - Quando terminou a semana da festa, era hora de voltar à vida normal na pequena aldeia de Nazaré. Em geral, os homens formavam uma caravana e as mulheres outra. As crianças permaneciam juntas sob os cuidados de um parente designado para isso. No começo da viagem de volta, José e Maria não viram Jesus por perto, mas como ia junto com parentes e vizinhos, não se preocuparam. Jesus com doze anos, assume suas obrigações legais. Cheio de graça e sabedoria, dá uma lição surpreendente em seus pais. Dá também uma lição das Escrituras nos doutores da lei no templo de Jerusalém. Quando se deram conta de que o menino ficou em Jerusalém, José e Maria voltam assustados e correndo para a cidade. Era um período de desordens e Maria sente o coração apertar de angústia. É hora de provar a maturidade de sua fé.

O mistério que paira no ar: - Encontrar o filho na cidade de Jerusalém no final da festa, apinhada de gente, não foi tarefa fácil para José e Maria. Por longo tempo o procuraram, refazendo muitos caminhos percorridos, pedindo informações. Jesus é filho carnal de Maria, pela qual está ligado fisicamente à humanidade. Está ligado a ela por afeto e submissão filiar. Mas essa convivência se torna relativa e submetida a uma obediência superior. Jesus é filho legal de José, pelo qual fica registrado oficialmente como descendente do rei Davi. Mas também sua convivência com seu pai adotivo José, passa a ser relativa em vista de sua intimidade com Pai. Não pede permissão para estar no templo. É a primeira iniciativa independente e consciente de Jesus. O mistério de Jesus é profundo e ainda não está totalmente revelado, paira no ar, especialmente para José e Maria.

O encontro no terceiro dia: - Os Mestres da Lei ensinavam nos átrios do Templo, como Jesus fará mais tarde. Os ensinamentos deles tinham também, muitas vezes, a forma de diálogo. Conforme o evangelho de Lucas, a primeira palavra de Jesus, bem como a última, é para mencionar o “seu Pai” (Lc 2,49; 23,46). O mistério da filiação de Jesus ultrapassa toda inteligência humana, mesmo a mais aberta à Palavra de Deus. Sua atitude traz perturbação nos tranqüilos costumes familiares. Jesus “encontrado três dias depois” é um traço que prefigura o acontecimento de sua morte e ressurreição. As palavras de Maria são expressões espontâneas da dor e da angústia de uma verdadeira mãe na vida do filho.

Uma vida normal entre os seus: - Jesus não freqüentou nenhuma escola de teologia dos Rabinos de seu tempo. Ele se tornou carpinteiro, pedreiro, pastor de ovelhas, entre outros. Após a morte de José, sustentava a casa com o trabalho de suas próprias mãos. Em seus discursos e parábolas, Jesus usa com freqüência imagens referentes aos trabalhos de construção, basta lembrar a parábola da casa construída sobre a rocha e da casa construída sobre a areia (Mt 7,24-27). Jesus cresceu e se tornou homem, como qualquer outro. Até os 30 anos de idade, o povo de Nazaré não percebeu nele qualquer marca sobrenatural. Por isso, quando Jesus começou a pregar o Reino de Deus em público, a cidade de Nazaré foi pega de surpresa e todos ficaram profundamente espantados e admirados.

A rejeição violenta de seu próprio povo: - Entre os seus conterrâneos de Nazaré, Jesus não tinha amigos em quem confiar plenamente e, nenhum dos habitantes daí, foi escolhido para fazer parte dos Doze apóstolos; com exceção feita a duas ou três mulheres. Em nenhum momento os evangelhos falam que alguns dos Doze fossem de Nazaré. A falta de fé do povo de Nazaré surpreendia o próprio Jesus. Mesmo os parentes de Jesus permaneceram afastados dele. Neste período de sua vida em Nazaré, a única pessoa realmente próxima era sua mãe. Na visita que ele faz a Nazaré, há uma reviravolta surpreendente dos seus, que passa da admiração à rejeição e agressividade. Há uma descrença total. Jesus não é mais aceito em sua própria terra. De favoráveis que eram os ouvintes, tornam-se bruscamente hostis. Sua imagem do Messias ou do Profeta não é compatível com as origens familiares e profissionais de Jesus (Lc 4,16-30; Mc 6,1-5).

A desconhecida aldeia de Nazaré: - Jesus aparece de repente como um profeta itinerante que percorre inicialmente, os caminhos da Galiléia, depois de ter recebido o batismo no rio Jordão. Afasta-se até mesmo de João Batista. É como se antes não tivesse existido. No entanto, Jesus não era um desconhecido. As pessoas sabem que ele foi criado em Nazaré. Seus pais e parentes são conhecidos e conforme sabia ele era “filho de um carpinteiro”. Nazaré era um pequeno povoado, situada na Baixa Galiléia. Estava a 340 metros de altitude, numa encosta, longe das grandes rotas, na região da tribo de Zabulon. Um desfiladeiro conduzia em rápida descida ao lago de Genesaré. Nazaré era uma aldeia pequena, devia ter em torno de 500 pessoas, onde todos se conheciam, mas era desconhecida dos grandes centros. Nunca aparece mencionada no Antigo Testamento.

A simplicidade e o aconchego familiar: - As casas de Nazaré, no geral, só tinham um cômodo, no qual se alojava e dormia toda a família, inclusive os animais. As casas davam para um pátio que era compartilhado por três ou quatro famílias do mesmo grupo e, onde transcorria a maior parte da vida doméstica e familiar. Neste pátio comum tinham o pequeno moinho onde as mulheres moíam os cereais e o forno para assar os pães. No interior das casas havia uma cavidade para guardar os cereais e até mesmo um pequeno poço para armazenar água. Este pátio era o lugar preferido para as crianças brincarem e os mais velhos conversarem no final da tarde. As casas eram baixas e primitivas, de paredes escuras de adobe ou pedra, com telhados feitos de ramos secos ou de argila. Alguns de seus habitantes viviam em cavernas escavadas nas encostas dos montes.

Os ensinamentos familiares para a vida: - Jesus viveu numa destas humildes casas e captou até em seus mínimos detalhes a vida diária. Sabia qual é o melhor lugar para pendurar um candeeiro, de modo que o interior da casa ficasse todo iluminado. Viu as mulheres varrendo o chão pedregoso com uma folha de palmeira para procurar alguma moeda perdida em algum canto. Ele passou muitas horas no pátio de sua casa e conheceu bem o que se vivia nas famílias. Ali não há segredos para ninguém. Jesus viu como sua mãe e as vizinhas preparavam o pão logo ao amanhecer com um pouco de fermento. Observava como remendavam as roupas, para não colocar pano novo em roupas velhas. Aprendeu que não devia colocar vinho novo em odres velhos (Mc 2,21-22).
Arquidiocese Poa
*Dom Agenor Girardi - Bispo Auxiliar de Porto Alegre

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