sábado, 16 de maio de 2015

A Ascensão está no futuro


A presença de Cristo está na fé dos discípulos e faz-se ativa por meio da evangelização.
Por Marcel Domergue*

A imagem de Jesus, elevando-se acima das nuvens, é evidentemente a transposição cósmica de um acontecimento espiritual imperceptível aos nossos sentidos corporais. O que isto quer dizer? Que, daí em diante, Jesus mantém o domínio sobre todas as coisas; que, nele e por ele, a humanidade toma o poder sobre tudo o que lhe é contrário. Ser posto acima, ficar por cima, dominar a situação… não se terminaria mais de enumerar as expressões populares que utilizam a imagem espacial para significar o poder.
Poder? Palavra cheia de conotações desfavoráveis, porque evoca o arbítrio e a restrição da liberdade "aos inferiores" condenados à obediência. A Ascensão do Cristo, ao contrário, significa libertação. Efésios 4,8, citando o Salmo 48, diz: "Tendo subido às alturas, levou os cativos, concedeu dons aos homens". A antiga tradução latina dizia: “Tendo subido às alturas, levou cativo o nosso cativeiro".
Menos literal, mas muito mais significativa! Para melhor compreender, lembremos que os Hebreus viam o nosso universo povoado de potestades, principados e dominações. São termos que designam o que Efésios chama de “dominadores deste mundo de trevas, espíritos do mal que povoam os ares”. Trata-se ora das sujeições impostas pelas leis da natureza, figuradas pelos astros, ora dos poderes políticos ou sociais em operação na humanidade. E também, por fim, d’”o último inimigo, a morte” (1 Coríntios 15,26). O Cristo “pôs tudo isso debaixo dos seus pés” (versículo 27).

Para nós, a Ascensão está no futuro

Em nossa linguagem comum, estas “dominações que povoam os ares” são chamadas de vontade de poder, sede de dominar, idolatria do dinheiro, busca pela admiração dos outros, etc. Tudo o que, de outra forma, vamos encontrar nas tentações do Cristo, apresentadas por Mateus e Lucas, no início dos seus evangelhos. Diante deste desvario, de ocupar o primeiro lugar, Deus veio em Cristo assumir o último. E, fazendo isto, matou em Si mesmo toda a vontade de poder; não se deixou manipular pelos nossos demônios do poder. Na Cruz, a Ressurreição e a Ascensão já se fazem presentes, uma vez que o Cristo se antecipa, dominando tudo o que nos destrói. Recusando defender-se e pôr de joelhos todos os que queriam a sua morte, mata em Si mesmo o ódio, a violência e até a exigência de justiça. Já “se eleva”, pois, “acima de todas as coisas”.
Devemos repetir: é a humanidade que, n’ Ele, obtém esta vitória. Desde então, podemos nos perguntar como nos encontramos ainda submetidos a todas estas “dominações” que envenenam as nossas sociedades. “Para onde vou, dizia Jesus, não podeis seguir-me agora, mas me seguireis mais tarde” (João 13,36). É que resta ainda aos discípulos de então, e aos discípulos que somos hoje, aceitar com toda a sua liberdade tomar o caminho que Jesus tomou. Este “mais tarde” de que Jesus fala recobre toda a nossa história pessoal e a história universal.

A nova presença do Cristo

É notável que os “relatos” da Ascensão sempre se façam acompanhar, nos evangelhos, do envio dos discípulos pelo mundo, para anunciar a Boa Nova (Marcos 16,19-20; Lucas 24,46-53; Atos 1,6-11). Ao deslocamento vertical do Cristo, “levado ao céu”, corresponde o deslocamento horizontal dos discípulos, pela superfície da terra. E mais, a instantaneidade da Ascensão desdobra-se na duração da nossa história. A localização inscrita nos evangelhos (Betânia para Lucas, Galiléia para Mateus e Jerusalém para os Atos) vai, dali em diante, dilatar-se e estender-se para toda a terra.
O mundo inteiro, com a humanidade ao cume, é que está em trabalho de ascensão. O deslocamento vertical do Cristo significa que, daí para frente, Ele escapa às nossas percepções. O evangelho segundo Mateus, contudo, termina com o “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”. A presença do Cristo vai, portanto, mudar de natureza; ela reside agora na fé dos discípulos e faz-se ativa através do seu trabalho de evangelização. O “Eu vou estar convosco” de Mateus se realiza através do testemunho que eles se encarregaram de levar, desde Jerusalém até as extremidades da terra. Por isso irão receber o Espírito e serão “inspirados” pelo próprio Deus.
Croire.
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras da Festa da Ascensão do Senhor (17 de maio de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

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