quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Maria Victoria e a vitória da vida sobre o Kronos


Bebê recém-nascido: verdadeira aula de teologia.
Quem disse que a vida se resume ao tempo cronológico e se submete a seus limites e padrões?  Quem pensa que há ocasiões em que já passou da hora, já é tarde, não é mais tempo para certas coisas?  Quem não acredita que o tempo de Deus independe da sucessão dos dias e da caducidade dos seres criados?

Maria Victoria, nascida no último dia 19 de julho, responde a todas essas perguntas.  Chegou com mais de quatro quilos e muito mais de 50 centímetros.  Linda, rosada, bochechuda. Chegou quando todos pensavam que já estava encerrado o capítulo dos nascimentos na família.  Chegou surpreendendo, espantando, trazendo o novo e o imprevisível para dentro do previsível e do provável.  E lá estávamos nós todos que achávamos que já tínhamos vivido todas as emoções ligadas a nascimentos, partos e gestações, ansiosos e emocionados à espera do anúncio de sua vinda ao mundo.

Quando a cortina se abriu, e ela apareceu atrás do vidro, chorando valentemente e fazendo biquinho, o mundo voltou a começar, em clima de estreia, novinho em folha e cheio de frescor.  Para nós, irmãos, avós, tios e tias, primos e primas, era novamente uma experiência única, a de ver seu rostinho e com sua pessoinha travar conhecimento.

A rotina que se seguiu, qual seja, fraldas, banhos, leite, chorinho, etc. parecia ser vivida como por vez primeira.  Porque sua protagonista era única e nunca havia antes experimentado essa louca aventura antes.  Sua irmã de seis anos, que antes, naquele mesmo hospital, também cometia a audácia de nascer, agora a carregava no colo, cheia de cuidados e desvelos.  A irmã maior tirava fotos sobre fotos e mandava para todos no celular.  E mãe e pai trocavam olhares carinhosos, se davam as mãos e contemplavam o fruto bendito de suas entranhas como se fosse a primeira vez. 

Maria Victoria chegou desmentindo estatísticas e prognósticos que marcam limites para a vida acontecer. Chegou depois, posterior.  E, no entanto com sabor de primeira. De única.  De primogênita. Assim, dissolveu preocupações e temores com seu primeiro choro e seu rostinho redondo.  Instalou-se na vida com uma naturalidade de fazer gosto.  E ali segue.  Mamando, dormindo, sorrindo para os anjos enquanto sonha.  E fazendo a casa gravitar em torno de sua pessoinha.

Já participa da família que se tornou maior com sua chegada.  No Dia dos Pais teve até o pezinho pintado de “guache” vermelho para ser “impresso” na cartolina onde os outros irmãos registraram as palmas das mãos e escreveram declarações de amor ao paizão orgulhoso.  Já não se imagina a família sem ela.  Já é membro pleno e integral desse grupo humano que se pergunta como conseguiu viver até agora sem sua presença adorável.

Sem nem desconfiar disso, nossa mais nova bebezinha está nos dando uma aula de teologia.  Ela nos ensina que no âmbito da fé as leis do kronos (do tempo submetido à caducidade e que se esvai e é contado em dias, horas e minutos) é substituído pelo kairós, tempo de Deus, que só em Deus encontra sua unidade de medida.  Não se trata mais, pois, de um tempo submetido à erosão, à decadência e à caducidade, mas um tempo onde as coisas são permanentemente renovadas, feitas novas, pelo Espírito que a tudo recria e renova. 

É isso que diz São Paulo em sua segunda carta aos cristãos de Corinto.  Somos todos novas criaturas, novas “crianças”.  Pois em Cristo as coisas velhas passaram e tudo se fez novo.  E por isso, as coisas não mais podem ser medidas com os parâmetros temporais de antes.  O cristão não apenas espera um novo céu e uma nova terra, mas já vive de fato, agora, uma nova ordem de coisas, uma nova criação.

E embora esta novidade esteja ainda sendo parida, às vezes dolorosamente, na verdade já está acontecendo plenamente para todos aqueles que vivem em Cristo.  Para eles e elas, para nós, já chegou a plenitude dos tempos.  E é o Espírito Santo, Espírito Criador e vivificador quem realiza e atesta todo este novo, essas coisas tornadas novas, fazendo de todos novas criaturas.

Maria Victoria, minha quinta neta, com seu menos de um mês de idade, revela isso de maneira esplendida e bela.   É só olhar para ela que não se pode deixar de crer que em Deus tudo é renovado e as coisas antigas passam, assim como a figura deste mundo.  É só vê-la dormir, mamar, mexer as perninhas que é fácil crer na lufada de ar fresco que o Espírito envia sobre toda a humanidade a cada momento e a cada minuto.

Resta pedir a Deus que a partir dela e de todas as demonstrações de beleza e fidelidade que o Criador não para de derramar sobre nós, possamos igualmente perceber sua novidade, que não passa mesmo quando esta não apresentar o rostinho redondo, rosado e lindo de Maria Victoria.  Pois a primeira coisa que o Espírito renova, se nós assim o consentirmos humildemente, é nosso olhar, que passa a ver tudo de uma nova maneira e em nova perspectiva.

Querida Vicky – Maria Victoria nossa – seja bem-vinda!  E continue a dar-nos essas maravilhosas aulas de teologia com o simples fato de sua existência.  Nós te amamos muito!

Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de diversos livros, entre eles, ¿Un rostro para Dios?, de 2008, e A globalização e os jesuítas, de 2007. Escreveu também vários artigos no campo da Teologia. 

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