segunda-feira, 30 de setembro de 2013

'Será difícil voltar atrás depois do papado de Francisco'


O mundo recebeu recentemente de Francisco algumas declarações infalíveis. Ele mudou para sempre a conversação católica. Nós nunca poderemos voltar atrás completamente.

Por Richard Rohr*

"A pessoa mais importante nunca pode estar errada". Eu me lembro de ter ficado totalmente chocado, insultado e em total desacordo quando ouvi pela primeira vez essa afirmação de uma consultor organizacional anos atrás. Somente depois que eu lhe pedi para explicá-la é que eu finalmente fui forçado a ceder e a concordar relutantemente.

Por essa afirmação, os especialistas em governança querem dizer que, quando o diretor-executivo, o fundador ou o presidente de qualquer grupo faz qualquer declaração ou ação públicas, ela deve ser tratada como tal. Ela se sustenta, e o fardo de refutação fica em outro lugar. Ela agora é um dado que deve ser respondido, refinado, mudado ou provado como errado. Nunca pode ser simplesmente descartada como se não tivesse acontecido.

Se você tentar, você estará sendo muito ingênuo, mesmo que isso faça você se sentir forte e mesmo que você esteja finalmente certo. Mesmo o seu grito "Ele/a está errado/a!" deve ser sustentado por argumentos e ações superiores de sua parte. Nesse sentido válido, a pessoa mais importante nunca está "errada". Elas ainda determinam a agenda, mesmo forçando-nos a lutar contra ela.

No meu mundo secreto, eu sempre fui convencido de que esse é o único sentido útil à infalibilidade papal. Nesse sentido, o Concílio Vaticano I estava totalmente certo, e nesse sentido o Papa Francisco certamente é infalível.

Eu começo com essas ideias talvez controversas porque eu acho que o mundo recebeu recentemente de Francisco algumas declarações infalíveis. Ele mudou para sempre a conversação católica. Nós nunca poderemos voltar atrás completamente. Ninguém jamais pode dizer que um papa legitimamente eleito, com tudo o que isso implica na mente de alguém, não disse as coisas que Francisco disse na entrevista publicada na quinta-feira, 19 de setembro. Elas serão citadas por um longo tempo ainda. Agora elas fazem parte dos dados oficiais, como os próprios Evangelhos, e devem ser levadas em consideração.

Ele fez isso não tanto em termos de asserções doutrinais ou morais, mas simplesmente em termos de uma mudança radical de estilo, de personalidade e de ênfase, que, ironicamente, tem um enorme substância. Pela primeira vez, temos um papa falando pessoalmente, honestamente, pastoralmente, sem ser meticuloso e detalhista. Um papa sendo vulnerável! Alguém já ouviu falar disso antes? Será que a história já permitiu isso alguma vez? Pelo registro histórico, talvez só quando o papa Pedro disse: "Afasta-te de mim, Senhor, porque eu sou um homem pecador" (Lucas 5, 8).

Quando ouvimos uma fala tão sincera de um vigário de Pedro – que parece ser como Francisco quer ser conhecido e deve ser conhecido? Como você pode falar de tu a tu e de uma forma humilde quando lhe dizem que você é o próprio "vigário de Cristo"? Esse é um fardo que apenas o corpo inteiro de Cristo pode carregar, e de alguma forma todos os cristãos também devem carregar. Até o próprio Jesus é considerado apenas a "cabeça" do corpo (Efésios 5, 23), e não o corpo todo, mas o papa ultrapassou o próprio Cristo em ter que ser o vigário pleno de Cristo. Essa é uma arrogância com a qual nenhum indivíduo pode conviver, mas eles tinham que fingir e tentar. Eu não os odeio por isso; eles estavam meramente seguindo o impossível script que nós lhes demos.

A própria maneira de Francisco falar é não papal e assustador para qualquer um que sinta que um papa lhes deve respostas absolutas e certeza perfeita sobre tudo – e eles têm um direito absoluto a essas respostas absolutas. Agora, nós temos um papa que sabe o seu papel: ser um pastor, um amigo, um companheiro de jornada e um cirurgião no "hospital de campanha depois de uma batalha".

Francisco vai ainda mais longe ao dizer: "Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, essa é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio".

Irmãos e irmãs da Igreja, devemos saber que nesse tipo de ensino Francisco está nos fazendo retornar, depois de séculos de "tomismo decadente" e de racionalismo pós-iluminista, ao gênio bíblico que nós chamamos de fé, que ainda é o nosso grande dom ao mundo. A fé madura sempre será um equilíbrio de saber com não saber, de dizer com uma incapacidade de dizer, de certeza profunda combinada com uma humildade igualmente profunda, tolerância e paciência.

No entanto, Francisco vai mais longe: "O risco em procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, portanto, a vontade de explicar demais, de dizer com certeza humana e arrogância: ´Deus está aqui´. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar Deus para encontrá-Lo, e encontrá-Lo para procurá-lo sempre".

Francisco, de fato, é um verdadeiro tradicionalista nos ensinando não novas doutrinas ou moralidades, mas sim uma nova forma de saber que é profundamente formado pelo Evangelho. Até agora, o catolicismo enfatizou amplamente a metafísica ("o que nós pensamos que sabemos") e negligenciou severamente a epistemologia ("exatamente como nós sabemos o que pensamos que sabemos?").

Francisco não está nos dizendo tanto o que ver (o que as nossas mentes dualistas irão meramente lutar e resistir), mas sim ensinando-nos a como ver e em que prestar atenção. De alguma forma, ele está nos dizendo que a visão da verdade é, primeiro, ver através dos olhos do amor e da misericórdia. E isso é o próprio cristianismo.

Francisco se tornou um convite vivo e feliz a toda a humanidade, até mesmo além dos limites muito apertados do cristianismo, em vez de um segurança exclusivista que fica junto às portas sempre abertas do céu. Nisso apenas ele mudou o papado – talvez para sempre. Vai ser muito difícil voltar atrás completamente de novo.

Sim, é verdade, a pessoa mais importante nunca pode estar errada. O papa, de alguma forma, ainda é infalível.
National Catholic Reporter, 24-09-2013.
*Richard Rohr é frei franciscano e diretor fundador do Center for Action and Contemplation, em Albuquerque, Estados Unidos.

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