sexta-feira, 29 de novembro de 2013

'Evangelii gaudium', o vade mecum do papa


Por Andrea Tornielli
"Quem quer pregar deve, em primeiro lugar, estar disposto a deixar-se comover pela Palavra e fazê-la sua carne, sua existência concreta". Em torno dessa informação, estão as 18 páginas da exortação apostólica "Evangelii gaudium", dedicadas à homilia e a sua preparação. Um espaço considerável, que demonstra a preocupação do papa pelo "ministério" da pregação, integrado pela mensagem cristã e a celebração eucarística. "Irei me deter, particularmente, e até com certa meticulosidade, na homilia e na sua preparação, porque são muitas as reclamações dirigidas em relação a este grande ministério, as quais não podemos nos fazer de surdos. A homilia é pedra fundamental para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com seu povo".

Não se pode esquecer que justamente as homilias, e as homilias cotidianas da missa em Santa Marta, representam uma das novidades mais significativas do seu pontificado: pregações breves, eficazes, simples, cheias de imagens para que mesmo as pessoas simples as compreendam. Ainda que não sejam escritas, as homilias do magistério cotidiano de Francisco são o fruto de uma longa meditação matinal sobre as Leituras, realizada durante as primeiras horas da madrugada.

Francisco lembra que a pregação durante a missa "não é tanto um momento de meditação e catequese, mas de diálogo de Deus com seu povo", que "a homilia não pode ser um espetáculo de entretenimento, não corresponde à lógica dos recursos midiáticos, mas deve ter o fervor e o sentido de uma celebração” e que, portanto, “deve ser breve e evitar a aparência de uma palestra ou de uma aula”, para não prejudicar “a harmonia” entre as diferentes partes da missa. O Papa convida o pregador a falar "como uma mãe que fala com seu filho”, “mediante a aproximação cordial do pregador”, “o calor da sua voz, a delicadeza do estilo de suas frases, a alegria de seus gestos”. Explica que “a pregação puramente moralista ou doutrinária, assim como aquela que se converte em uma aula de exegese, reduzem esta comunicação entre corações que se dá na homilia”. Na homilia, de fato, “a verdade vai de mãos dadas com a beleza e o bem. Não se trata de verdades abstratas ou de frios silogismos, porque também se comunica na beleza das imagens que o Senhor utilizava para estimular a prática do bem”.

Quem prega deve transmitir “a síntese da mensagem evangélica”, e não “ideias ou valores soltos. Onde está sua essência, ali está seu coração. A diferença entre iluminar o lugar com esta essência e iluminar com ideias soltas é a mesma que há entre o aborrecimento e o ardor do coração. O pregador tem a linda e difícil missão de juntar os corações que se amam, o do Senhor com os de seu povo”.

Ao se olhar de perto a preparação da homilia, Francisco pede que se dedique a ela “um tempo prolongado de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral”, além de todos os assuntos que deve seguir um padre: “Um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’; é desonesto e irresponsável com os dons que recebeu”.

Há que se “prestar toda a atenção ao texto bíblico, que deve ser o fundamento para a pregação”; a Palavra deve ser venerada e estudada “com sumo cuidado e com um santo temor em manipulá-la. Para poder interpretar um texto bíblico necessita-se de paciência e de se abandonar toda a ansiedade”. A preparação da pregação “requer amor. Só se dedica tempo livre e sem pressa às coisas ou as pessoas que se ama e aqui se trata de amar a Deus que está querendo falar”.

Também é importante captar a mensagem central do texto: “Se um texto foi escrito para consolar, não deve ser utilizado para corrigir erros; se foi escrito para encorajar, não deveria ser utilizado para doutrinar; se foi escrito para ensinar algo sobre Deus, não deveria ser utilizado para explicar diversas opiniões teológicas; se foi escrito para motivar os louvores ou o trabalho missionário, não utilizemos para informar sobre as últimas notícias”. Além disto, deve-se saber apresentar o texto em plena harmonia como toda a mensagem cristã, sem “prejudicar o tom próprio e específico do texto que irá pregar”.

“Quem quer pregar, primeiro deve estar disposto a se deixar comover pela Palavra e fazê-la carne em sua existência concreta. Desta maneira, a pregação consistirá nesta atividade tão intensa e fecunda que é ‘comunicar aos outros o que se contemplou’”, como escrevia São Tomás. Deus quer usar os pregadores “como seres vivos, livres e criativos, que se deixam penetrar por sua Palavra antes de transmiti-la; sua mensagem deve passar realmente através do pregador, mas não apenas por sua razão, mas tomando todo o seu ser”.

Francisco fala depois sobre a importância da “lectio divina”, a leitura espiritual de um texto a partir de seu significado literal, para fazer com que não se diga: “o que lhe convém, o que lhe serve para confirmar suas próprias decisões, o que se adapta aos seus próprios esquemas mentais. Isto, em definitivo, será utilizar algo sagrado para o próprio benefício e passar essa confusão ao Povo de Deus”. Para fazê-lo, é necessário que o sacerdote se pergunte: “Senhor, o que este texto diz a mim? O que quer mudar na minha vida com esta mensagem? O que me incomoda neste texto? Por que isto não me interessa?”, ou melhor: “O que me agrada? Como esta Palavra me estimula? O que me atrai? Por que me atrai?”. Evitando a tentação, “muito comum” de “pensar o que o texto diz aos outros, para evitar aplicá-lo a própria vida”.

Os que pregam necessitam “também ouvir o povo, para descobrir o que os fiéis necessitam escutar. Um pregador é um contemplador da Palavra e também um contemplador do povo”. Deve conectar “a mensagem do texto bíblico com a situação humana”, com algo que as pessoas vivem. “Esta preocupação não corresponde a uma atitude oportunista ou diplomática, mas é profundamente religiosa e pastoral”. Não tem que “oferecer crônicas da atualidade para despertar os interesses: para isto já existem os programas televisivos”, mas podem ser tomados como pontos de partida “alguns fatos para que a Palavra possa ressoar com força, como convite à conversão, adoração, atitudes concretas de fraternidade e de servidão”.

Além do conteúdo, a forma para transmiti-lo é importante. “Alguns creem que podem ser bons pregadores por saber o que devem dizer, mas descuidam de como, a forma concreta de desenvolver uma pregação. Queixam-se quando os demais não os escutam ou não os valorizam, mas talvez não se tenham se empenhado na buscar de uma forma adequada de apresentar a mensagem”.

Para que uma homilia seja atrativa e rica, Francisco sugere “aprender a usar imagens na pregação, quer dizer, a falar com as imagens”. E a linguagem deve ser simples: “Deve ser uma linguagem que seus receptores compreendam, para não correr o risco de falar para o vazio. Frequentemente, os pregadores usam palavras que aprenderam em estudos e em determinados ambientes, mas que não são parte do linguajar comum das pessoas que os escutam”. Para poder falar para as pessoas deve-se “escutar muito”, há que “compartilhar a vida das pessoas e prestar uma deliciosa atenção”. Bergoglio explica que a simplicidade e a clareza não são as mesmas coisas, e que se pode falar com a primeira, enquanto linguagem, ao mesmo tempo em que se carece de clareza por falta de lógica, de ordem, de unidade temática.

A linguagem deve ser positiva: “Não diz tanto o que não deve se fazer, mas propõe o que podemos fazer melhor. Em todo caso, se indicar algo negativo, também se atenta em mostrar seu valor positivo que atraia, para não ficar apenas na queixa, no lamento, na crítica e no remorso”.

Sacerdotes e pregadores, como forem, têm à sua disposição um detalhado vade mecum para preparar suas homilias. E têm, sobretudo, um exemplo cotidiano no papa.
Vatican Insider, 27-11-2013.

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