terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O assombro de crer

O arcebispo emérito de Poitiers aborda um tema importante: a indiferença religiosa atual, que, nos revela, devia ser o assunto do Relatório Dagens, mas foi rejeitado pelos bispos franceses que defendiam que não se podia falar de indiferença em um período em que peregrinações, Jornadas Mundiais da Juventude e outras manifestações atraíam tantas pessoas. Albert Rouet conclui que a Igreja está cega diante desse problema.

Como costuma fazer, o autor apresenta uma análise da nossa sociedade dominada pelo individualismo e pela globalização, e também pela "universalização das finanças [que] nivela as culturas e os modos de vida", fomentando assim reações identitárias e, consequentemente, o medo do outro.
Nesse contexto, o indivíduo, para existir, faz escolhas próprias. Deriva daí que o pertencimento e as crenças estão misturadas: há pessoas "indiferentes", que, no entanto, têm formas de vida espiritual; outras que sentem seu pertencimento como exigente demais e se contentam com gestos ocasionais; outros que, ao contrário, são "adeptas" à religião católica, sem se reconhecer nas suas instituições nem nas suas comunidades.
Em síntese, espiritualidade e pertencimento comunitário estão separados, e a identidade cristã é incerta. Mas acontece também que a indiferença se transforma em desconfiança, "porque os monoteísmos são suspeitos de intolerância querendo ser conquistadores e porque impõem aos comportamentos individuais exigências de tipo ético que, pensa-se, têm a ver com a consciência de cada um. Há ´violação de domicílio´".
O problema também é que a Igreja tornou-se "como que civilmente impotente" depois dos "16 séculos de relação entre religião, poder e cultura". Nesse panorama, Albert Rouet lembra que o Concílio Vaticano II quis "se tornar conversa" com todos. E a conversa se realiza no encontro, no processo de construção de uma relação com os próprios interlocutores, sem se refugiar no medo, multiplicando "os sinais identitários" e os "regulamentos minuciosos". E para realizar isso é preciso uma conversão, uma metanoia: renunciar a ter a última palavra, abaixar as armas, ajudar-se reciprocamente na busca da verdade.
A pessoa que classificamos entre os indiferentes não se reduz à sua indiferença: é um ser que existe, que busca, que é vulnerável. A indiferença, defende Albert Rouet, caracteriza acima de tudo "uma humanidade exausta e prostrada, como ovelhas sem pastor". "A multidão se desagregou. Marcos especifica que, antes de multiplicar os pães, Jesus a recompôs em grupos de 100 e de 50... Ele a constitui em grupos de escala humana..."
Essa multidão precisa de locais onde possa ser ouvida e de encontros verdadeiros. O diálogo, portanto, deve "manter a modéstia do que continua em escala humana". Isso pressupõe que a Igreja renuncie "à hegemonia e à superioridade" e se reconheça também como ferida.
"É dentro dessa fraqueza compartilhada, desse lento caminho comum de homens feridos, dessa participação nas suas chagas – porque ela também sofre das mesmas feridas humanas – que a Igreja se torna suportável e crível. Faltando enraizamento, a sua palavra, embora ressoando, flutua e não consegue atravessar o barro que isola os corações".
Não será com argumentações que se tocará os corações e que se abrirá uma brecha na indiferença, mas sim prestando atenção a cada um e restituindo-lhes o domínio sobre a sua própria história. Jesus traz alívio àqueles que se curvam sob o peso da vida (Mt 11, 28), mas lhes diz: "O que queres que eu faça por ti?" ou "tome a sua cama". Desse modo, ele lhes demonstra a sua confiança: tem fé neles.
Então, é preciso "inventar uma Igreja da ternura". E é preciso que a Igreja reconheça que lhe falta legibilidade (que não deve ser confundida com visibilidade, que muitas vezes é uma forma de mostrar a sua força; a legibilidade é aquilo que as pessoas compreendem). Ela deve adquirir uma flexibilidade que pode ser obtida pela descentralização ("essa real consagração do poder"), para alcançar as pessoas, sem o peso da instituição e com a gratuidade de Jesus na Galileia.
Isso também requer uma conversão da nossa visão de Deus. Não devemos pô-lo acima dos homens ("então é divindade da ordem (…), portanto, da hierarquia"), nem abaixo. Em ambos os casos, mantém-se o poder: o da organização ou o das emoções. Deus procede de forma diferente: ele se coloca "na altura do rosto" com a Aliança.
O livro nem sempre é de fácil leitura, porque o pensamento precede às vezes de maneira não linear, mas está cheio de expressões magníficas e ousa a radicalidade da conversão, através da qual a Igreja pode voltar a ser "legível" e pode chegar a falar ao coração. Uma conversão urgente e essencial que Albert Rouet percebeu muito bem.

• Albert Rouet. L´étonnement de croire. Editions de l´Atelier.
A análise é de Monique Hébrard, publicada no sítio Baptises.fr, 23-01-2013.

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