sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Paz, segundo o Cardeal Etchegaray

A Paz, segundo o Cardeal Etchegaray

Extrato da intervenção do cardeal Roger Etchegaray em Pequim, durante um simpósio na Academia de ciências sociais, em setembro de 2000. A tradução é de Nilo Ribeiro.

A Igreja confia o dever da paz às nações, e não apenas aos indivíduos. Ela desenvolve uma intensa e generalizada atividade no seio das organizações e das conferências internacionais ...

"A Igreja se depara atualmente com duas realidades contrastantes que na verdade se ao invés de serem consideradas realidades opostas. Por um lado, nunca antes na história a guerra foi tão desaprovada, abominada pelos papas como hoje a ponto de eles por vezes serem acusados de pacifistas em excesso: não há lugar para uma guerra agressiva, apenas para uma guerra defensiva justificada (...) Por outro lado, nunca antes na história a guerra tem sido promovido e justificada de maneira tão sutil em nome da paz como na atualidade. A lógica da guerra parece solapar a paz como um parasita: a violência polimórfa se espalha sorrateiramente a ponto  de tornar a paz belicosa. (...)
A Igreja confia o dever da promoção da paz às nações e não apenas aos indivíduos. Eis porque ela desenvolve uma intensa e quase onipresente atividade, ainda pouco conhecida, no seio das organizaçãoes e das conferências internacionais em que ela se faz porta-voz da consciência moral da humanidade em sua forma mais pura , se assim se pode dizer,   transcendendo dessa forma todos os interesses particulares. Aquilo que a orienta, é primeiramente a visão da unidade da família humana e suas inevitáveis consequências sobre dois planos: o plano jurídico e o plano ético.

A Igreja não se cansa de explorar todas as dimensões da paz, às quais se associam novos nomes para melhor garantir seu âmbito: desenvolvimento, justiça social, solidariedade internacional, direitos humanos, ecologia. Tudo se adequa: o mínimo desajuste na túnica da humanidade basta para comprometer a paz. (...)
No caminho da paz em que ela é de alguma forma escamoteada, a Igreja ousa fazer apelo à opinião pública; uma opinião bem esclarecida e informada, exigente para si mesma, não anestesiada, não manipulada, porque não há nada de mais exposto à instrumentalização do que as aspirações à paz.
Tocamos aqui, provavelmente, no ponto crucial do problema da paz: o da educação. (...) A paz não é tão simples como o coração pode imaginar, mas é mais fácil compreender que ela passa pelos caminhos que a razoabilidade pode estabelecer. Diante do emaranhado de problemas, somos tentados a dizer que a paz depende mais de mãos experientes do que das nossas mãos. É claro, a paz precisa de políticos e de economistas, mas ela depende também das mãos de todos nós; ela passa por milhares de pequenos gestos do cotidiano. Todos os dias, em nosso modo de viver com os outros, estamos a escolhendo a favor ou contra a paz. (...)
Educar para a paz, é também aprender a se reconciliar para além dos conflitos. Entreanto enfrentamos atualmente enormes questões afins que atraem a força dos extremismos, as intolerâncias raciais frequentemente marcadas pelo desprezo ou pelo medo do outro. O medo animaliza o homem e o faz gritar mais do que dialogar.
Na verdade, o pleno respeito entre as religiões ultrapassa uma simples tolerância uma vez que convivemos atualmente com um complexo e evidente pluralismo de crenças que se mesclam. O respeito, portanto, fundamenta-se, como afirma o Concílio Vaticano II, não sobre o direito da verdadeira religião, mas sobre o direito de cada pessoa humana à liberdade religiosa protegida, por sua vez, pela ordem jurídica da sociedade. (...)
A paz de Cristo nos comunica certas certezas mais sólidas, ao recordar que toda paz é um dom de Deus acolhido na oração e no jejum. O encontro histórico em Assis, 14 anos atrás, entre os representantes qualificados de diversas denominações cristãs e outras religiões do mundo, continua sendo inspiradora ainda hoje. Quando naquele dia, no final de uma manhã cinzenta, o céu ficou colorido por um arco-íris em Assis, ninguém podia duvidar que a oração tinha suscitado um grande sinal apontando para a conivência entre Deus e os descendentes de Noé, reunidos pela primeira vez na mesma arca da salvação por um Papa com uma audácia profética: a família humana, desencantada, redescobria na alegria da unidade divina suas origens. (...) "

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