sábado, 16 de fevereiro de 2013

Rumo ao Conclave: a Agenda Martini


Há uma "Agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese pode ser encontrada na célebre "última entrevista", publicada depois da sua partida. A opinião é do cientista político e leigo católico italiano Christian Albini, em artigo publicado no blog Sperare per Tutti, 12-02-2013.

Fiquei muito impressionado que a renúncia de Bento XVI ao papado tenha ocorrido seis meses depois da morte do seu contemporâneo Carlo Maria Martini. Eles representaram duas almas na Igreja Católica. Paradoxalmente, a influência de Martini poderia ser mais forte no conclave de março do que naquele em que ele participou em 2005. Refiro-me, naturalmente, a uma influência espiritual, ideal.
Os longos anos de João Paulo II haviam deixado, depois do tempo da sua doença, uma série de questões não resolvidas para o catolicismo, questões que a cobertura do seu carisma permitira deixar de lado. Bento XVI também as enfrentou, com o seu estilo e a sua abordagem (balanços meditados virão com o tempo), mas a sua escolha de renunciar, motivada pelo reconhecimento de "não ter mais as forças", deixa muitos problemas em aberto.
A interpretação do Vaticano II, o desafio que o mundo em mudança põe à Igreja Católica, o ecumenismo e a relação com as outras religiões, a Cúria com as suas rivalidades: são alguns dos principais capítulos abertos que o novo papa encontrará pela frente.
Ratzinger foi eleito no sinal da continuidade com Wojtyla, do qual era o principal colaborador. Hoje, não há um Ratzinger, e eleger um "imitador" seria uma escolha de curto alcance e deletéria.
Independentemente de quem for eleito, contará muito a percepção da tarefa que o espera como pontífice, a consciência dos nós que devem ser desfeitos, a adoção de um estilo pastoral. Torna-se importante o papel daquela "opinião pública na Igreja" (já invocada por Pio XII), que se torna a contribuição para o discernimento por parte de todos os batizados.
No entanto, a autoridade de Carlo Maria Martini, que, com o seu retorno ao Pai, aumentou ainda mais, se possível, pode ser uma grande fonte de inspiração para os cardeais e para o papa eleito. De fato, há uma "agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese pode ser encontrada na célebre "última entrevista", publicada depois da sua partida:

Como o senhor vê a situação da Igreja?
A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. Essas coisas expressam o que nós somos hoje? (...)
O bem-estar pesa. Nós nos encontramos como o jovem rico que, triste, foi embora quando Jesus o chamou para fazer com que ele se tornasse seu discípulo. Eu sei que não podemos deixar tudo com facilidade. Menos ainda, porém, poderemos buscar pessoas que sejam livres e mais próximas do próximo, como foram o bispo Romero e os mártires jesuítas de El Salvador. Onde estão entre nós os nossos heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da instituição.
Quem pode ajudar a Igreja hoje?
O padre Karl Rahner usava de bom grado a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas. Onde estão as pessoas individuais cheias de generosidade como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são entusiastas como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria de Mágdala? Eu aconselho o papa e os bispos a procurar 12 pessoas fora da linha para os postos de direção. Pessoas que estejam perto dos pobres e que estejam cercadas por jovens e que experimentam coisas novas. Precisamos do confronto com pessoas que ardem, de modo que o espírito pode se difundir por toda parte.
Que instrumentos o senhor aconselha contra o cansaço da Igreja?
Eu aconselho três instrumentos muito fortes. O primeiro é a conversão: a Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Os escândalos da pedofilia nos levam a tomar um caminho de conversão. As questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas que envolvem o corpo são um exemplo disso. Estes são importantes para todos e, às vezes, talvez, são até importantes demais. Devemos nos perguntar se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia?
O segundo é a Palavra de Deus. O Concílio Vaticano II restituiu a Bíblia aos católicos. (...) Somente quem percebe no seu coração essa Palavra pode fazer parte daqueles que ajudarão a renovação da Igreja e saberão responder às perguntas pessoais com uma escolha justa. A Palavra de Deus é simples e busca como companheiro um coração que escute (...). Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do ser humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior e para o discernimento dos espíritos.
Para quem são os sacramentos? Estes são o terceiro instrumento de cura. Os sacramentos não são uma ferramenta para a disciplina, mas sim uma ajuda para as pessoas nos momentos do caminho e nas fraquezas da vida. Levamos os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. A Igreja sustenta a indissolubilidade do matrimônio. É uma graça quando um casamento e uma família conseguem isso (...).
A atitude que temos com relação às famílias ampliadas irá determinar a aproximação à Igreja da geração dos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontra um novo companheiro que cuida dela e dos seus três filhos. O segundo amor prospera. Se essa família for discriminada, não só a mãe é cortada fora, mas também os seus filhos. Se os pais se sentem fora da Igreja, ou não sentem o seu apoio, a Igreja perderá a geração futura. Antes da Comunhão, nós rezamos: "Senhor, eu não sou digno...". Nós sabemos que não somos dignos (...). O amor é graça. O amor é um dom. A questão sobre se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas?
O que o senhor faz pessoalmente?
A Igreja ficou 200 anos para trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo ao invés de coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. As pessoas boas ao meu redor me fazem sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento de desconfiança que às vezes eu percebo com relação à Igreja na Europa. Só o amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda tenho uma pergunta para você: o que você pode fazer pela Igreja?

Nenhum comentário:

Postar um comentário