quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Desesperar-se é mais fácil

A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura.

É frequentemente citada a imagem que Péguy no seu Pórtico do mistério da segunda virtude (1911) aplica à virtude teologal da esperança: é a "irmã mais nova" com relação à Fé e a Caridade, mas é ela que as toma pela mão e as puxa para a frente no caminho da vida.
Pois bem, a essa virtude – que teve secularmente uma apoteose sua na monumental trilogia O Princípio Esperança, elaborada por Ernst Bloch, entre 1954 e 1959 – havia sido dedicado um ensaio em 1964 por um dos maiores teólogos vivos, Jürgen Moltmann, nascido em Hamburgo em 1926 e professor em Tübingen em 1967, depois de ter ensinado em outras universidades alemães e na norte-americana Duke University. Esse texto o tornou conhecido não só no mundo acadêmico, mas fez com que ele se tornasse também um interlocutor privilegiado em vários âmbitos da cultura contemporânea.
Um dos pontos desse texto – que provocou vastas reações, a tal ponto de forçar o autor a compor em 1967 uma réplica sob o título Discussão sobre a ´Teologia da Esperança´ – era, de fato, o do cruzamento entre história (presente) e escatologia (futuro). Uma das acusações que lhe foram dirigidas se referia justamente a esse nexo que a muitos parecia frágil, sendo o peso maior deslocado para a plenitude futura, almejada e esperada. Seria precisamente por isso que, pouco depois, em 1972, Moltmann publicaria O Deus crucificado, uma obra em que se torna central o Cristo cravado com a cruz no terreno árido e rochoso da história. O equilíbrio a ser encontrado devia justamente manter juntas a cruz e a ressurreição, história e escatologia, salvação operada e plenitude esperada, de modo a evitar toda alienação religiosa e evasão futurológica.
Eis por que era indispensável enunciar a virtude da esperança também na existência moral. Explica-se assim o aparecimento, mesmo a longa distância do projeto inicial que o próprio teólogo já coloca na publicação do volume sobre a "teologia da esperança", de um ensaio explicitamente consagrado à “Ética da esperança”. É 2010 e agora a editora Queriniana, que já tinha no catálogo as principais obras moltmannianas, o propõe ao público italiano na versão de Carlo Danna, que é um dos nossos melhores tradutores de textos teológicos alemães. O texto também revela os interesses que, nesse meio tempo, o autor cultivou com paixão particular, interesses que marcam justamente o desejo de conduzir a esperança novamente para a concretude magmática do presente histórico, impedindo-a de decolar rumo aos céus míticos e transcendentais da apocalíptica (a esta última, precisamente, foi reservado um pequeno capítulo).
Era ainda Péguy que escrevia no seu poeminha que "esperar é difícil – / à voz baixa e vergonhosamente. / E fácil é desesperar / e é a grande tentação". Assim, Moltmann nessas páginas aponta decisivamente para três metas ardentes dos nossos tempos, metas que exigem um compromisso paciente, laborioso, constante. Acima de tudo, a ética da vida contra uma cultura de morte incumbente, e aqui o teólogo não hesita em se interrogar sobre a bioética, naturalmente segundo uma abordagem protestante (e, portanto, com algumas ideias polêmicas com relação à sistematização católica sobre o aborto, o controle de natalidade e a eutanásia) , mas pondo sobre a mesa com honestidade as questões e as suas convicções pessoais.
Procede-se, em segundo lugar, à ética da terra, que atrai para si um enxame de questões, da ecologia à evolução, das doutrinas da criação à solidariedade, do estilo de vida à teoria de Gaia, e assim por diante.
A trilogia das metas que Moltmann se prefixa no seu tratado concluiu com a "ética da paz justa", onde domina o tema da justiça e dos direitos humanos, que se ergue contra os dragões do poder, da guerra, da violência e das várias injustiças. No fim, porém, essa esperança que se ramifica no presente concreto se irradia ainda a partir da sua luz escatológica. É aquele sábado simbólico perfeito que sela e dá sentido aos seis dias da criação, é aquele domingo pascal que marca a aurora de um dia perfeito, sem pôr-do-sol e escuridão.
Sob essa luz, é sugestiva a visão que os olhos judeus de Franz Rosenzweig tiveram do cristão autêntico na sua famosa “Estrela da redenção” e que Moltmann cita no fim do seu itinerário teórico-prático: "O cristão é eternamente um ser humano que começa. Realizar e terminar não é tarefa sua: se o início é bom, tudo é bom. Essa é a eterna juventude do cristão; Na verdade, todo cristão vive ainda hoje o seu cristianismo como se fosse o primeiro cristão".
Duas notas em apêndice à leitura desse livro cheio de sugestões. A primeira surpreenderá todos os leitores e demonstrará como Moltmann se dirige também ao mundo "secular". Os três núcleos temáticos da vida, da terra e da paz-justiça – justamente por estarmos em um âmbito prático, ético, existencial – são documentados com uma rica série de referências a dados, eventos, análises da publicística, da sociologia, da cultura e até da crônica contemporânea.
Por exemplo, a citada teoria de Gaia, formulada por James E. Lovelock no seu já aclamado (e criticado) livro homônimo de 1979, é acuradamente avaliada, assim como a "política da terra", a Erdpolitik do livro de Ernst von Weizsäcker. Entram em cena até Ahmadinejad, Reagan, o mulá Omar, Indira Gandhi, o Clube de Roma, os Médicos Sem Fronteiras, a Eufor e assim por diante, demonstrando desse modo que a teologia não é uma abstração etérea que veleja somente sobre temas celestiais.
A outra pequena observação se refere a uma nota de pé de página. Como se sabe, em 2007, Bento XVI emitiu uma encíclica sua, a Spe salvi, focada justamente nessa virtude teologal. Não queremos ser defensores de ofício desse texto e do seu autor, mas é bastante surpreendente, para não dizer desconcertante, que Moltmann dedique a ela apenas uma notinha de duas linhas na página 294, de conteúdo paradoxal, isto é, com a acusação de heterodoxia ou, melhor, de heresia gnóstica dirigida ao pontífice: "Na encíclica Spe Salvi de Bento XVI, fala-se da alma e do seu futuro na vida eterna. A afinidade com a religiosidade gnóstica da redenção é evidente!".
Artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 09-08-2012.

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